o leitor (im)penitente 253
Do melhor que a minha geração produziu
mcr, 18-10-22
Conheci o Eduardo Batarda no dia em que, caloiro, regressei a Coimbra para iniciar as minhas penas na Universidade. As aulas começariam dali a dias e eu vinha instalar-me.
Não sei bem onde nos encontramos mas foi o Carlos Férrer Antunes quem mo apresentou. A conversa há de ter sido prometedora porque o Batarda imediatamente se propôs educar-me do ponto de vista jazzístico. Também não me lembro se foi em casa dele ou do Férrer que ouvi pela primeira vez o Take five de Brubeck de que, naturalmente, fiquei cliente até hoje. Dele e de Paul Desmond um saxofonista de mão cheia que, depois de conhecer Brubeck na tropa (foram soldados na 2ª guerra mundial, sob o comando do genial Patton e ter-se-ão encontrado na dura batalha das Ardenas onde se desfez definitivamente o sonho de Hitler, graças ao heroísmo - e â “resiliência – dos militares americanos sitiados por forças mitas vezes superiores e extremamente aguerridas) constituiu um quinteto com ele.
Claro que, a partir daí fomos durante os anos coimbrãos de Batarda amigos e companheiros diários com epicentro no “Mandarim “ (o “Kremlin”) na Praça da República (“a praça vermelha”!...).
O Batarda, era culto tinha um finíssimo sentido de humor e era estudante de Medicina mas, desde cedo se revelou um talentoso desenhador e mais tarde, pintor. Ainda recordo, furioso por os ter perdido, dois cartazes (um da Queima, outro do CITAC) onde já era perfeitamente visível o futuro estilo (ou o estilo da primeira fase) de Batarda. A mim, o que agora ainda me espanta, era a aceitação que os seus cartazes tiveram junto (sobretudo no caso da comissão da Queima) de malta que neste ponto de vista era absolutamente conservadora e insistia na presença da Torre da Universidade, de fitas coloridas, quiçá de alguma guitarra, uma chatice de todo o tamanho, vista e revista ad nauseam. Quase me atrevo a dizer que aqueles rapazes que escolheram o cartaz (e o pagaram!) foram os primeiros a reconhecer o talento deste enorme pintor.
Isto daria para uma crónica desses primeiros anos sessenta numa Coimbra que se transformava a galope, abandonando lenta mas seguramente a praxe, uma certa boémia avinhada e o conservadorismo político. E, em todas essas frentes, lá estávamos nós, irrequietos, ansiosos, fartos do torpor português e dos alegado brandos costumes.
De todo o modo, cedo o Batarda se deixou de estudos médicos, rumou a Lisboa para as Belas Artes e daí para Londres. Perdi-lhe a pista mesmo se, como se verá o fui acompanhando enquanto artista.
E, doze anos depois, dei com o livro que hoje trago e que é, de certo modo, uma epítome, de tudo o que se supunha que o Eduardo Batarda seria.
O livro uma “edição artística” não era nada barato pois ter-me-á custado, lá pelos meados de 75, cinco brasas ou seja quase o dobro do ordenado de um professor do ensino secundário! Para um advogado em começo de carreira era um tombo enorme. Não sei se a galeria 111 me permitiu pagar em prestações ou me exigiu o cacau todo de uma só vez mas seja como for não hesitei.
Não vou fazer a crítica ou sequer a crónica de 50 anos de pintura de Eduardo Batarda. Não é esse o escopo destas digressões e de todo o modo, eu sou um “batardiano” militante pelas razões já expostas e pelo que fui vendo da sua obra que considero do melhor que se faz em Portugal.
Não sei seio livro ainda aparece, se alguma vez apareceu, por alfarrabistas já que era uma edição limitada e pequena. Se porventura o pilharem não hesitem é uma leitura divertida que se desdobra em vários graus e as ilustrações são magníficas
Ficha:
“o peregrino blindado (as aventuras do dr. Bronstein –proezas de um unfrendly Kid)”
de José Lopes Werner, trad e adpt de Batarda Fernandes ex nº 101 (numa edição de 200 ), 50 pp 30 x17 em caixa própria