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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 253

d'oliveira, 18.10.22

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Do melhor que a minha geração produziu

mcr, 18-10-22

 

Conheci o Eduardo Batarda no dia em que, caloiro, regressei a Coimbra para iniciar as minhas penas na Universidade. As aulas começariam dali a dias e eu vinha instalar-me. 

Não sei bem onde nos encontramos mas foi o Carlos Férrer Antunes quem mo apresentou. A conversa há de ter sido prometedora porque o Batarda imediatamente se propôs educar-me do ponto de vista jazzístico.  Também não me lembro se foi em casa dele ou do Férrer que ouvi pela primeira vez o Take five de Brubeck de que, naturalmente, fiquei cliente até hoje. Dele e de Paul Desmond um saxofonista de mão cheia que, depois de conhecer Brubeck na tropa (foram soldados na 2ª guerra mundial, sob o comando do genial Patton e ter-se-ão encontrado na dura batalha das Ardenas onde se desfez definitivamente o sonho de Hitler, graças ao heroísmo  - e â “resiliência – dos militares americanos sitiados por forças mitas vezes superiores e extremamente aguerridas) constituiu um quinteto com ele. 

Claro que, a partir daí fomos durante os anos coimbrãos de Batarda amigos e companheiros diários  com epicentro no “Mandarim “ (o “Kremlin”) na Praça da República (“a praça vermelha”!...). 

O Batarda, era culto tinha um finíssimo sentido de humor e era estudante de Medicina mas, desde cedo se revelou um talentoso desenhador e mais tarde, pintor. Ainda recordo, furioso por os ter perdido, dois cartazes (um da Queima, outro do CITAC) onde já era perfeitamente visível o futuro estilo  (ou o estilo da primeira fase) de Batarda. A mim, o que agora ainda me espanta, era a aceitação que os seus cartazes tiveram junto (sobretudo no caso da comissão da Queima) de malta que neste ponto de vista era absolutamente conservadora e insistia na presença da Torre da Universidade, de fitas coloridas, quiçá de alguma guitarra, uma chatice de todo o tamanho, vista e revista ad nauseam.  Quase me atrevo a dizer que aqueles rapazes que escolheram o cartaz (e o pagaram!) foram os primeiros a reconhecer o talento deste enorme pintor.

Isto daria para uma crónica desses primeiros anos sessenta numa Coimbra que se transformava a galope, abandonando lenta mas seguramente a praxe, uma certa boémia avinhada e o conservadorismo político. E, em todas essas frentes, lá estávamos nós, irrequietos, ansiosos, fartos do torpor português e dos alegado brandos costumes. 

De todo o modo, cedo o Batarda se deixou de estudos médicos, rumou a Lisboa para as Belas Artes e daí para Londres. Perdi-lhe a pista mesmo se, como se verá o fui acompanhando enquanto artista. 

E, doze anos depois, dei com o livro que hoje trago e que é, de certo modo, uma epítome, de tudo o que se supunha que o Eduardo Batarda seria. 

O livro uma “edição artística” não era nada barato pois ter-me-á custado, lá pelos meados de 75, cinco brasas ou seja quase o dobro do ordenado de um professor do ensino secundário! Para um advogado em começo de carreira era um tombo enorme. Não sei se a galeria 111 me permitiu pagar em prestações ou me exigiu o cacau todo de uma só vez mas seja como for não hesitei. 

Não vou fazer a crítica ou sequer a crónica de 50 anos de pintura de Eduardo Batarda. Não é esse o escopo destas digressões e de todo o modo, eu sou um “batardiano”  militante pelas razões já expostas e pelo que fui vendo da sua obra que considero do melhor que se faz em Portugal. 

Não sei seio livro ainda aparece, se alguma vez apareceu, por alfarrabistas já que era uma edição limitada e pequena. Se porventura o pilharem não hesitem é uma leitura divertida que se desdobra em vários graus e as ilustrações são magníficas

 

Ficha: 

“o peregrino blindado (as aventuras do dr. Bronstein –proezas de um unfrendly Kid)

de José Lopes Werner, trad e adpt  de Batarda Fernandes ex nº 101 (numa edição de 200 ), 50 pp  30 x17 em caixa própria

 

au bonheur des dames 535

d'oliveira, 17.10.22

Activistas pelo analfabetismo

mcr, 17 -10-22

 

(Segundo a Climáximo, os “lucros recorde da Galp de 420 milhões de euros no primeiro semestre estão diretamente relacionados com o aumento dos preços e da inflação“ in Observador).

 

 

 

 

Todas as manhãs faço a barba e lavo os dentes ao som da rádio. Aliás, é o único momento do dia em que oiço música e notícias desse modo. 

Hoje, a notícia principal  era a de um boicote `às portas da GALP.

(antes de mais, devo esclarecer que não nutro por essa empresa qualquer espécie de simpatia ou antipatia. Se não fosse a GALP era outra qualquer a ir-me a bolso pelo que, neste capítulo, não destrinço entre esta e qualquer concorrente. O mesmo acontece com a SDP, com quem me fornece a água ou o gás. Emtodos estes casos, pago o que consumo, mais uma série de coisas que não sei para que servem e os impostos. E neste último item, devo acrescentar que o Estado se comporta do mesmo modo ou pior que as empresas públicas ou privadas. )

Para além do pobre folclore de quatro criaturas à porta da empresa, o que na notícia me deixou espantado foi a declaração do porta voz. O pobre homem não se sabia exprimir e, pior ainda, dizia burrices. Convinha avisá-lo que não são os lucros (seguramente excessivos) da GALP qu empobrecem os portugueses e, eventualmente, ostos indígenas. Ós “lucros” (e a criatura ignorante usou, antes que o galo cantasse, três vezes a expressão, são apenas a expressão de algo bem mais fundo e importante: ou seja a acção dos produtores-distribuidores levada a cabo sem rédeas seguras, o facto de se mancomunarem com as OPEPs e os restantes produtores, a pouca ou nenhuma preocupaçãoo com o clima. 

De todo o modo, neste exacto momento, parece haver uma acção concertada dos governos para levarem a cabo uma forte punção nesses lucros extraordinários com o fito de redistribuir a colecta pelos mais desfavorecidos. 

Todavia, não se vê que os governos diminuam os seus lucros graças à lista de impostos com que oneram as empresas, as vendas, as receitas e tudo o resto.

Acresce, ainda, que na iminência de um inverno que se anuncia extremamente rigoroso os combustíveis fósseis são a quase única solução para aquecer o povo. E para fazer andar a economia, o que significa, neste caso, manter o emprego de milhões de pessoas que estão ameaçadas pela inflação, pela paragem da produção pelas sempiternas economias que os agentes políticos económicos inventam.

Eu lembraria que, por boas ou más razões, a Europa tem abandonado a energia nuclear mesmo se cada vez mais esta pareça mais limpa, mais vigiada e mais barata. As famosas fontes energéticas alternativas ainda não oferecem com a constância que é necessária toda a  energia necessária para aquecer casas e fazer funcionar a indústria, os serviços, as repartições e os sistemas de transporte  citadinos ou ferroviários.  

Portanto, vir, agora, ameaçar de boicote a entrada da sede da GALP faz rir, sobretudo se nos ativermos às declarações prestadas. 

Eu sei que todas as gerações tem necessidade de causas, de  assumir um empenhamento, de dar largas à generosidade, antes de caírem na hibernação da vida de todos os dias. 

E, olhando a minha volta, verifico que no Irão, homens mulheres e sobretudo jovens se manifestam, arriscam a liberdade ou morrem numa luta contra um fanatismo odioso. Que na Rússia, há cidadãos que sabendo que arriscam até quinze anos de prisão, não se resignam e se manifestam conta a guerra; que dezenas de milhares de jovens se exilam para não combater numa refrega injusta, imoral, ilegal e além fronteiras.

Que em fiferentes partes do mundo pobre, há milhares de voluntários a tentar ajudar populações carecidas de tudo, partilhando com elas a mesma vida paupérrima e sujeitando-se a doenças de toda a ordem e a calamidades naturais para já não falar nos que correm em auxílio de outros povos sujeitos a guerras endémicas e cruéis- Convenhamos que face a estes esforçados porteiros da GALP, há um distancia de anos luz!

 

E já que se está com a mão na massa, que dizer das duas moçoilas que, armadas de latas de sopa de tomate entenderam vingar o planeta atacado num vago atentado contra uma pintura de Van Gogh mais conhecida pelo astronómico preço alcançado do que pela qualidade quanto a mim inferior a outras peças do mesmo artista. 

Como de costume, uma protestaria oficiosa acorreu  a este gesto épico justificando-o com argumentos que além de patéticos são ridículos. Que as raparigas saberiam que o quadro estava protegido pelo que a sopa  nunca traria azia à peça; que o gesto espectacular correria o mundo pelas redes sociais e desencadearia reacções que seguramente suscitariam protestos indignados mas ao mesmo tempo chamariam a atenção para o desastre que se adivinha, etc., etc....

E mais: realçava o facto das duas sopeiras revolucionárias  não terem fugido, antes aguardado a chegada das autoridades, da polícia, da reacção, quiçá dos mercenários ao serviço de quem atenta contra o planeta que elas heroicamente defenderam com duas latas cheias de boa sopa assim inutilizada! 

Resumindo, mesmo ue esta articulista ultra progressista não o saiba, “a beleza (ia a dizer o heroísmo) está no gesto”! Estará? Van Gogh, lá das alturas onde estará, ficou triste? O quadro pereu o valor de mercado ? o mundo da arte, tão intimamente ligado aos compradores de arte tremeu nos seus alicerces? Algum dos poluidores do rio de lixo das Filipinas comoveu-se e com uma pá retirou do leito sujo duas peças de plástico? 

As duas raparigas militam numa coisa que se chama “just stop oil” como se lê nas Tshirts que envergavam. Saberão elas que quer os seus jenas, quer as camisas quer a pintura que as orna contem resíduos do oil maldito? Ou quereriam apenas aparecer nas fotografias, que sempre é uma distracção dos horrores da guerra na Ucrânia?

Convenhamos: protestar nas dependências da National Gallery de Londres é menos arriscado do que na porta da embaixada da Arábia Saudita. Ou na porta do escritório londrino da Opep! Ou mesmo, na porta da Representação londrina da empresa escocesa de produção de petróleo...É que, às vezes, há guardas, porteiros ou esbirros mal intencionados que não entendem a pureza do protesto ou a defesa do planeta...

o leitor (im)penitente 252

d'oliveira, 16.10.22

 

 

 

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Malte-bruhn, o amor pela Geografia

mcr, 16-10-22

(uma vida através dos livros)

 

 

Conrad Malte-Bruhn, (1755-1826) dinamarquês de nascimento, francês de coração , amante da liberdade e, mais ainda, do saber foi, além de libertário e adepto da Revolução francesa, o autor do famoso “Précis de Geographie Universelle”  que, teve múltiplas edições, entre as quais aquela que foi ilustrada por Gustave Doré e de que agora se trata. 

Desde os anos do liceu e, em especial, desde que tive como professor Norberto Cardigos um geógrafo de mão cheia que perdia o seu tempo com rapazolas de liceu. 

Isso, a História e a História Natural nas vertentes de Zoologia e Botânica foram paixões que se mantiveram até hoje. Nunca estudei tais matérias porquanto mal adquiria os livros, lia-os de fio a pavio e naturalmente aprendia sem qualquer esforço o que lá vinha. Daí até começar a comprar livros de História, manuais de feografia ou de história natural foi um passo que dei quase sem da por isso. Hoje, contam por largas, larguíssimas centenas, os volumes que possuo dedicados a estas disciplinas. E só não há mais por absoluta falta de espaço... (para não falar nas reclamações constantes e cada vez mais ameaçadoras da CG!)

De todo o modo, há alguns anos encontrei a preço vil uma edição do précis já citado (Furne ed, Paris, 1845) seis gordos volumes, mais de 4.000 páginas em coluna dupla e letra mínima! (e antes que me perguntem, aviso que só li as partes dedicadas à península ibérica e a África)-

Entretanto, há poucos dias, encontrei a mesma obra ilustrada por Gustave Doré, em dois volumes, novamente letra ainda mais miúda e cerca de duas mil páginas. Mais exactamente, 1815 pp , 29x19,5 cm. Mesmo com o atrativo das ilustrações de Doré nunca a teria comprado, não fora vir acompanhada de um Altas. Não só é o atalas mais completo na obra de Malte-Bruhn mas todos os restantes publicitados na internet tem muito menos mapas, entre 10 e 20%!!!

Ao mesmo tempo, só o Atlas, na mesma fonte, rondava entre os 260 e os 960 euros, uma enormidade face aos 180 que paguei pelo conjunto. 

É verdade que a encadernação dos três volumes (enc. de amador) não é brilhante pelo menos na lombada (pele manchada, suja e falhas nos filetes dourados). Mas isso é defeito que se resolve por mais 30/40€ (na minha habitual encadernadora) ou 100  num outro mais sofisticado mestre de encadernação de que também sou cliente. 

Claro que isto é pura volúpia de amador de livros mas, no entanto, devo advertir que é leitura ainda hoje proveitosa mesmo se o conhecimento da geografia terrestre tenha dado um imenso salto nestes quase duzentos anos. Porém, parte das anotações geo-políticas e históricas valem a pena mesmo se lidas a título de curiosidade.

Nunca me surpreenderei suficientemente frente a estes monumentos do saber europeu e este voluptuoso enciclopedismo que levou à redacção de obras volumosas  que tentavam divulgar todo  o conhecimento da altura. 

E, mais ainda: estas sucessivas edições são a prova da existência de um público culto, interessado e comprador. Quando se sabe o estado pouco risonho do mercado do livro hoje em dia, fácil é tirar conclusões pouco abonatórias dos caminhos da cultura actuais...

na vinheta; retrato de Conrad Malte-Bruhn 

obviamente, a edição que foi substituída é para oferecer a quem estiver interessado nela (6 volumes, encadernados, miolo limpo, bom estado geral) 

 

 

estes dias que passam 749

d'oliveira, 15.10.22

 

 

 

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Apanha que é para soldado...

mcr, 15-10-22

 

Esta vendo-a como a comprei: alguém, possivelmente o avô Alcino que andou pelos brasis há mais de um século, contava que o Exército Brasileiro fazia rusga nos bairros pobres para apanhar mancebos para a tropa. Os preferidos eram os que usavam calça branca pois “era já metade do uniforme”

Mais tarde ,u na mesma época, contava-se que quando o Brasil declarou guerra à Alemanha, corria entre o povo uma quadra de pé quebrado que rezava assim: 

Se macaco é soldado,

banana munição ,

papagaio aviação

pode contar com a Nação!

Não garanto a veracidade de qualquer das situações mas nunca me esqueci delas e, por isso, as trago aqui, mesmo desconfiando que tudo isto não passa de resposta de portugueses emigrados à troça de que seriam alvo no Brasil.

 

Ontem na televisão vi uma cena que parecia copiada destas já referidas: dois agentes de recrutamento para o exército russo, emboscados à porta de um prédio, acompanhados de uma mulher polícia. Alguém lhes perguntava o que queriam mas eles: moita carrasco! 

Posteriormente, no decurso da mesma clandestina reportagem afirmava-se que havia outros emboscados recrutadores à saída das estações de metro a tentar pilhar homens jovens e desprevenidos para se juntarem à topa de Putin.

Não desdenho a hipótese de isto ser uma fake new (tão ao gosto dos russos mas, desta vez, contra eles). Se é propaganda, é da boa e bem humorada sobretudo se a compararmos com a avalancha de notícias que enchem os media russos(e entre eles uma deliciosa menção ao famoso “Tiergarten” de Berlim despido de todas as suas árvores batidas para aquecimento. Tal facto, verídico, ocorreu no fim da 2ª guerra e foi noticiado pelo New York Times que, agora quase oitenta anos depois é citado por um jornal russo como se aquilo se passasse esta semana!

 

Que a mobilização parcial não está a correr sob o signo do entusiasmo e do patriotismo massivos, verifica-se pelas enormes bichas de súbitos viajantes jovens e russos em todas as fronteiras possíveis desde a Finlândia até à Geórgia. Durante quase uma semana as televisões mostraram essas intermináveis bichas, entrevistaram inúmeros candidatos à emigração que declaravam sem rebuço mas já do lado bom da fronteira que não queriam fazer aquela guerra infame e injusta. Nem morrer pela glória imperial do novo senhor do Kremlin.  

Por outro lado, sempre segundo as televisões (coisa que é sujeita a escrutínio) ter-se-iam registado em algumas das repúblicas súbditas da Federação (mormente no Daguestão) manifestações de mães que não querem receber os filhos de volta num caixão. 

Eu ainda sou do tempo de uma guerra que, para a minha geração, melhor dizendo para alguns da minha geração, obrigava a escolhas dolorosas e, em casos contados mas verdadeiros, acabava na emigração pura e simples. Nunca o país contra com tantos refractários como nessa década de  sessenta. Havia, também,  desertores, claro: eu e alguns amigos meus passamos vários pela fronteira de Melgaço. Convém lembrar que se consideravam  desertores os jovens já com a recruta concluída e destino marcada para qualquer das frentes de combate. Não consta que quem tinha a sorte de ir para S Tomé, Cabo Verde ou Timor se lembrasse de faltar à chamada.

Todavia, o maior número era o dos refractários, isto é dos “mancebos” que pura e simplesmente desandavam do país para os tradicionais destinos europeus da altura, França, Alemanha, Suíça e Bélgica. É provável que uma forte maioria destes emigrantes o fosse por meras razões económicas. Seguiam apenas os passos de milhares de outros portugueses desafortunados que iam cumprir uma tradição antiquíssima de buscar o pão e a fortuna fora de portas.  

No caso presente, dos russos ou russificados que tentam sair do país para não serem apanhados nas teias da mobilização para a “operação militar especial”, a coisa é diferente. Apesar do bloqueio informativo, da censura aos meios de comunicação, o “telefone árabe” funciona informal mas rapidamente. E esses relapsos candidatos à vida militar sabem que na frente ucraniana se morre bastante, com demasiada frequência. Isto basta para “darem à sola”, “abrirem” em direcção a climas duvidosos mas definitivamente mais benignos. 

É bom lembrar que a famosa Federação Russa agrupa não só russos eslavos, ortodoxos, brancos mas toda uma infinidade de povos de outras etnias, muitos deles muçulmanos que não se sentem minimamente “irmãos” de ucranianos e bielorussos nem sequer vivem dentro dos padrões bastante relativos de conforto das cidades russas do ocidente do império. 

Ora se uns, os mais pobres não estão encantados com a ideia de ir guerrear para sítios distantes, outros, os privilegiados (como também uma oportuna entrevista a um jovem de nome Pechkov e filho de um  membro da actual nomemklatura revelou) não se sentem abrasados pelo amor da “mãe russa” que nem sequer foi beliscada por algum invasor. A estes, testemunhas de manifestações e eventuais conhecedores do que se passa no terreno, a ideia de embarcar numa aventura pouco honrosa e com fim incerto não entusiasma. 

Voltndo ao exemplo brasileiro (se ocorreu): o Brasil estava demasiado longe dos teatros de guerra, tinha forte minorias germânicas, italianas e até japonesas, não estava ameaçado, pelo que é duvidoso que o povo se entusiasmasse com a hipótese de ser carne par canhão.

Aliás, historicamente, nem sequer as guerras com os vizinhos desencadearam grandes manifestações patrióticas como se sabe. Inclusive, boa parte da colonização do Sul de Angola deve-se a luso-brasileiros que recusando-se a combater, pediram a intervenção de Sá da Bandeira, ministro da Marinha e Ultramar que forneceu barcos (pelo menos cinco) para os transportar e à famílias até Moçâmedes. O meu trisavô José da Costa Alemão “Coimbra” fez parte desse número e veio a estabelecer-se na Huíla. Quem, por desfastio compulsar “Vou lá ver pastores” de Rui Duarte de Carvalho verá o nome do velho senhor  “capitão de 2ª linha” e descobridor da nascente, afluentes e percurso superior do rio Bero”. O general João de Almeida, no gigantesco relatório (O Sul de Angola) sobre o seu mandato como governador também o refere (sob o nome Alemão Coimbra) como próspero fazendeiro  na mesma região.

Se algum boto faço em relação a estes russos que se expatriam é que tenham o mesmo ou maior sucesso do que os meus antepassados. Isto de um ter de se expatriar  não é pera doce, bem pelo contrário. Porém, com Putin, a alternativa não parece brilhante, sequer aceitável. 

* na vinheta: vagões frigoríficos ucranianos com corpos de sldado russos. À espera que alguém do outro lado depois de os abandonar no terreno os queira, agora, receber e entregar às famílias

 

estes dias que passam 814

d'oliveira, 13.10.22

Ele fala, fala, fala...

mcr, 13-10-22

 

Não há volta a dar-lhe: o Senhor Presidente da República sofre de incontinência verbal. 

Em apanhando um microfone ao alcance de voz, eis que Sª Exª diz seja o que for. A propósito ou a despropósito. 

Claro que esta ansia de cavalgar toda e qualquer onda traz, volta que não volta, consequências desagradáveis.

As declarações sobre os abusos sexuais de alguns sacerdotes levantaram um coro que, deixemo-nos de fantasias, é, ao mesmo tempo, justificado e injustificado. 

Isto de disparar mais depressa do a própria sombra (cito Lucky Luke) aarreta problemas que só se avolumam quando se tenta explicar. 

O dr. Marcelo Rebelo de Sousa, homem experiente e bem falante foi vítima da sua pressa e escolheu mal, muito mal, as palavras.

Ficou a ideia, não inteiramente justa, de que era insensível ao desgosto das vítimas de abuso o que não se me figura verdadeiro.

Eu não faço, nunca fiz, parte do séquito de Sª Exª, não o conheço, não tenho a menor intenção de o conhecer, não o votei e nunca fui muito à bola com a enxurrada de opiniões que ele sempre debitou. 

Porém, percebo o fundo do seu pensamento. Ao ser informado do número de vítimas (cerca de quinhentas) que provavelmente abrangem um grande número de anos o Senhor Presidente entendeu que, dada a eventul “triste realidade” (sic) o resultado apurado é menos pavoroso do que se esperaria. 

Convém, todavia, temperar este discurso que, a meu ver, não desculpa ninguém, com a verdadeira realidade suposta. E esta é que, em Portugal, o abuso de menores, mesmo que não seja estrutural, é algo de gigantesco. E a Igreja, ou melhor os seus agentes, fazem parte do país. Sobretudo porque, ao que se apurou, se relataram casos ocorridos há dezenas de anos. 

Todos sabemos que, nos meios pobres, uma das escapatórias da pobreza era o seminário. E isso significa que ainda haverá sacerdotes com pouca vocação e atreitos às misérias (gloriosas) da carne. 

Estou convencido que nas restantes confissões religiosas se poderá registar problema idêntico que não se confina ao celibato obrigatório. 

Todos os dias ou semanas aparecem acusações a professores, treinadores, familiares de crianças ou jovens. E, por cada acusaçãoo é provável que haja o dobro, o triplo ou mais, de vasos não revelados. A vergonha das vítimas  acaba por safar muitos abusadores e transgressores. 

O coro de virtuosas indignações não me comove especialmente. Basta-me recordar o que se passa com a violência de género, mesmo com os casos denunciados que polícias e tribunais quase absolvem escudados numa opinião pública que não se comove demasiadamente. 

Por outro lao, a Igreja é, para alguns um excelente, óptimo alvo e cascar na padralhada é um desporto nacional. Desde sempre! 

Qualquer personalidade é (e isso ela devia saber antecipadamente) voluptuosamente escrutinada pelos snipers da Comunicação Social e pelas quadrilhas que infestam as redes sociais.

O dr. Rebelo de Sousa que, numa época distante e não particularmente épica, inventava “factos políticos, deveria saber isto de cor e salteado.  Foi imprudente, impudente e meteu o delicado pé na argola num assunto que as convenções sociais e uma recentemente aprovada virtude cívica considera grave. Está a apanhar nas orelhas merecidamente.

Sobretudo se incluirmos as suas últimas incursões sobre questões políticas que escapam claramente ao magistério presidencial. A semana não tem sido propícia e ainda não acabou. Daqui até domingo ainda tem tempo para tropeçar mais um par de vezes. Deus lhe traga uma rouquidão benigna para ver se escapa ao contínuo rumorejar de uma opinião açulada por mais inveja do que razão (que contudo não falta).  

Apesar do nome romano de ressonâncias virgilianas, não creio que se lhe aplique  o famoso “tu Marcellus eris” (Eneida VI, 883) sobretudo depois destas desastradas declarações. 

 

 

estes dias que passam 747

d'oliveira, 12.10.22

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Como eles “argumentam”

mcr, 12-10-22

 

E vai uma: a ponte que liga a Crimeia ocupada a território da Federação Russa é, sem qualquer margem para dúvidasilegal porque construída sem acordo ou autorização do país invadido. Por outro lado, é uma estrada vital para o transporte de soldados, equipamentos militares e toda a espécie de bens essenciais desde combustiveis até alimentos para as forças ocupantes. 

Numa situação de guerra é um alvo legítimo pelo que a afirmação de Putin que acusa os ucranianos de terrorismo é totalmente descabida. Além do mais, cada vez mais dr. Estranha como é que um camião de 21 toneladas atravessa uma ponte que tem um triplo controle de segurança. Mais ainda se tal camião, como é afirmado pelas agências russas, supostamente partiu da Bulgária (coisa negada pelas autoridades deste país) atravessou toda a Turquia (onde também parece não haver rasto dele) e ladeando o Mar Negro terá auda passado pela Geórgia até finalmente atingir a Rússia  para só depois desta cavalgada heroica ir para a Crimeia! 

Num mar a que as forças ucranianas não tem acesso prático tal camião teria seguido por via marítima pelo menos desde a Turquia até à Crimeia sem quaisquer dificuldades!... 

Depois, se a intenção era tornar a ponte inutilizável, compreende-se mal (a menos que os alegados sabotadores sejam duma inexperiência completa) o local escolhido para a explosão (zona facilmente alcançável e sem atingir pontos vitais) a escolha do local de explosão. 

Alguém, mal-intencionado e adepto de uma guerra por interposta pessoa contra a santa Rússia, poderia ser tentado a dizer que este incidente fora orquestrado por agentes do invasor para assim justificarem os ataques maciços de mísseis contra alvos civis desde um jardim de infância até escolas e prédios residenciais. Mas isso seria, pelo menos aos olhos da “russista” de serviço na última página do “Público”, mais uma manobra do belicistas ao serviço do imperialismo, do Ocidente e da Nato, sem esquecer os nefandos EUA!

E duas: ao apelidar de terrorismo (aliás “vandalismo”) alegado atentado contra a ponte, a obra do século!, Putin mandar bombardear indiscriminadamente o território inimigo, alvo de uma operação especial para libertar aquele povo e aquele país de uma clique fascista e nazi. E essa  medida, é apenas uma saudável resposta e nunca um acto terrorista como, de resto, a ONU o qualificou!...

A terceira questão com que me debato é esta: pelos vistos os que se sentiram indignados, ameaçados ou atacados pela 2peração militar especial” e por isso desejam, quanto mais não seja um regresso às fronteiras pré intervenção ou às fronteiras tout court da invadida Ucrânia são uns enlouquecidos suicidas pois não admitem que um Putin vencido não recorra ao armamento nuclear e ao suicídio (esse sim garantido do seu país e de boa parte do mundo, especialmente da Europa)

Este foi o argumento dos pacifistas europeus que foram cedendo à chantagem de Hitler sacrificando primeiro a Austria, depois os Sudetas, seguidamente toda a Checoslováquia, depois a Polónia e por aí fora.

A consequência é a que se conhece: 50 milhões de mortes, o quase extermínio total de judeus e ciganos, e o desaparecimento da minoria mulata germano-namibianos.

Este argumento tussista parte de um pressuposto que é importante: a ninguém eventualmente interessa a “humilhação” da Rússia dadas algumas outra consequências fáceis de adivinhar. Mesmo que não atinjam o limiar do uso de armas nucleares! Basta referir que um país humilhado é um país pronto a voltar ao campo de batalha mal haja condições para tal.

Porém, a não humilhação russa tem um reverso: a humilhação ucraniana. Ora quem acusa  imperialismo (e tudo o resto) de usar os ucranianos como carne para canhão (pretendendo assim defendê-los contra os seus instigadores!...) parece esquecer este ponto e sobretudo o facto, até agora insofismável de não terem de modo algum contribuído para o conflito actual ou mesmo para a guerra larvar que se seguiu à ocupação da Crimeia e às declarações independentistas seguidas de acções armadas no Donbass. Parece que ninguém, pelo menos entre os abnegados defensores da paz russistas, se lembra que o exército ucraniano empenhado nos combates tinha uma linha vermelha que nunca ultrapassou, isto é nunca respondeu aos ataques vindos do outro lado da fronteira nem perseguiu até aí os combatentes independentistas. Ainda hoje, mesmo que se suspeite de uma que outra acção militar especial, nunca as tropas ucranianas atacaram alvos fora da Ucrânia. Há mesmo notícia clara da proibição americana quanto ao uso do armamento doado para acção além fronteiras!

 

Eu percebo que para alguma gentinha seja difícil esquecer a “gloriosa” história da URSS, o absoluto desastre da implosão do país, o fim de um regime comunista caduco, corrupto, incapaz e ineficiente, a vida miserável de centenas de milhões de pessoas, lá e nos países satélites, para já não falar no salutar sistema de partido único, de gulag generalizado, de controle total dos cidadãos pelas polícias políticas e por aí fora. 

Quem tem alma de servo da gleba sempre se comportará como tal. Como os fanáticos religiosos, esta gente acredita na salvação final que será trazida pela ditadura do proletariado que durante setenta anos nunca foi levada a cabo por proletários, mas tão só por burocratas da “extinta” pequena burguesia que se arvorou em núcleo revolucionário do socialismo. E isto desde os primeiros dias das jornadas de Outubro que, por acaso irónico da história, ocorreram em Novembro. O famoso “poder dos sovietes mais a electrificação da Rússia”, bradado por Lenin, foi levado a cabo por sovietes destruídos, pela perseguição a todos os partidos progressistas (para não falar nos outros) que foram aniquilados sem dó nem piedade. E pela posterior eliminação de sucessivas gerações de dirigentes bolcheviques que não perceberam que, ao vencer os marinheiros de Kronstad, estavam eles próprios a cavar a fossa comum para onde, uma dúzia de anos depois, caminharam, ignominiosamente humilhados em processos infames que fizeram as delícias dos raros espectadores capitalistas. 

 

É que cada condenado, cada exilado compulsivamente, cada preso ou fuzilado, contribuiu , e de que maneira, para a manutenção do sistema que pretendiam abater.

Um sistema que, ao invés, do praticado no universo concentracionário para lá da “cortina de ferro”, permite que russistas de todas as cores e feitios possam escrever tudo o que lhes vem à cabecinha pensadora e receber por isso um estipêndio não negligenciável.   

*a imagem (falsa, claro!, seria de um parque infantil atingido, coisa que, como é sabido, nunca poderia ser obr de qualqur militar russo.

 

 

o leitor (im)penitente 251

d'oliveira, 10.10.22

 

 

 

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Às vezes a sorte vem em dose dupla

mcr, 10-10-22

 

Há dias narrava aqui um par de acasos de feliz encontro com livros que há muito procurava.

Mal eu sabia que nesse mesmíssimo dia, porventura animado pela boa sorte que já me contemplara, iria encontrar uma boa quarentena de exemplares da Revista Portuguesa colonial e Marítima que durantes anos procurei em vão.

Esta Revista que se editou entre 1897 e 1909 , num total de 147 números faz parte de um numeroso lote de publicações motivadas pela expansão colonial que, aliás, não se limitou à época da monarquia constitucional  antes se mantendo durante uma boa parte da República,

Em abono da verdade, esta florescente ediçãoo de textos sobre as colónias foi idêntica em toda a Europa, nomeadamente em França e Reino Unido mas com a Bélgica e a Alemanha na corrida.

Nisto de imprensa colonial há de tudo como na botica mas as publicações de qualidade não faltam sobretudo porque havia um público curioso, ávido por notícias e factos dobre a África (e o Oriente).

Portanto, ao lado de relatos sobre campanhas militares, existem muitas outras reportagens ou até pequenos ensaios sobre uma infinidade de temas africanos e asiáticos que são fontes preciosas para a História de quatro dezenas de países (sem falar nas metrópoles)

A RPCM é, com o boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa (que ainda se publica...) uma excelente colecção que mereceria estudo aprofundado e talvez servisse aos actuais militantes afro-descendentes para corrigirem o tiro e a palavrosa campanha a que agora levam a cabo. Campanha no quentinho do país colonizaor “opressor, racista, colonialista e imperialista”. E digo que valia a pena estudarem um pouco este tipo de publicações de marcado teor colonial, pois os seus redactores sempre se afirmaram “coloniais” ou “africanistas”.

(convirá avisar que não se está aqui a fazer a apologia da colonização nem de nada semelhante mas apenas a chamar a atenção para as fontes históricas necessárias para se perceber muito, quase tudo, do que ocorreu entre o último quartel do sec XIX e o –pelo menos- o final do primeiro do sec XX)

A RPCM foi publicada pela livraria Ferin e boa parte dos volumes que possuo terão sido coligidos por António José de Almeida, um dos pais da 1ª República e grande entusiasta do império colonial.

Curiosamente, neste tipo de publicações costuma ser mais difícil encontrar os primeiros anos de publicação do que os últimos. Terei tido a sorte de comigo ter sucedido exactamente o contrário. É a última meia  centena de títulos editados que, com algumas excepções, sempre me faltou.

Devo dizer que ando nesta pesquisa há já um bom par de anos. Sempre sem êxito. Na internet o que aparece, e é pouco, quase nada, refere-se a números soltos. Todavia, persistente que sou, de longe em longe, lá lançava a rede às águas pouco piscosas da internet com nulo resultado. Sexta feira passada, porém, depois de ter conseguido um livro que também se mostrava arredio, eis que resolvi lançar uma nova busca. E, para espanto e júbilo meus eis que o Ab books me informou de uma forte concentração de volumes ma Índia (!!!) e a preços perfeitamente aceitáveis mesmo se, já comece a temer a mão rapace da alfândega portuguesa, organismo com nunca me dei bem.

Não hesitei um momento e rapidamente (enfim com as consabidas dificuldades de um info-excluído...)  lá consegui encomendar e fazer o pagamento. Curiosamente, o meu banco, sempre cheio de cuidados por mim (!!!) entendeu questionar-me sobre esta compra com receio de eu estar a ser vítima de algum escroque. À senhora bancária que me ligou lá expliquei que o vendedor (Ab books) tem sido sério e, até à data, nunca me deu razões de queixa. Agora espero que os 8 volumes (48 números) me cheguem o que só sucederá nos inícios de Dezembro. Isto se a Alfandega, insensível ao facto de a importação ser de originais portugueses, provavelmente pertencentes a uma desaparecida biblioteca da ex-Índia portuguesa, não intervier para receber os cacauzinhos do costume.

 

estes dias que passam 745

d'oliveira, 09.10.22

 

 

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Nenhuma ponte fica longe de mais

mcr, 9-10-22

 

o título inspira-se num filme dos finais de 70 que, por sua vez, recriava a história de uma operação idealizada por Montgomery, o vencedor de El Alamein, general dominado pela ambição que, neste caso (a operação Flower Market) deu fragorosamente com os burrinhos na água. Parece, mesmo que foi o maior desastre aliado no que toca a baixas, superando as decorrentes do dia D.

Como se sabe, depois da ilegal anexação da Crimeia, e temendo um regresso das forças ucranianas, os russos construíram uma ponte rodo-ferroviária entre a margem russa do mar de Azof e a península anexada.

Essa monumental obra garantiria (e garante) um fluxo continuo de transpor te de mercadorias de todos os géneros bem como de pessoas, incluindo tropas.

Na actualidade, dada possibilidade de progressão do exército ucraniano nas frentes dos sul o papel da ponte torna-se ainda mais vital dada a eventual pouca fiabilidade de enviar tropas, armas e combustível pelos acessos terrestres conquistados à Ucrânia.

Ora foi essa ponte majestosa que no sábado sofreu um atentado que redundou, na destruição de um comboio de combustível, na morte de três pessoas e na parcial destruição de algumas partes de ambos os troços que, entretanto, estarão a ser rapidamente reparado.

Os estragos, mesmo se importantes não são de molde a interromper por muito tempo o tráfego mas a humilhação é tremenda e faz os russos perceberem que nada está seguro para eles num país ocupado cuja resistência ultrapassou toda e qualquer previsão de agressores, de testemunhas ocidentais e, presumivelmente de agredidos.

Segundo notícias veiculadas pela CNN, apurou-se (?) que o camião bomba que explodiu pertenceria a um cidadão russo da cidade e Krasnodar. Se assim é, das duas uma: ou o camião foi armadilhado sem o proprietário saber, ou este teria plena consciência do que se passava. E nesse último caso, sabotagem, há ainda que averiguar se o indivíduo agora acusado é um opositor à guerra, um agente dos ucranianos ou até um ucraniano (como dezenas de milhares de outros) residente na Rússia.

De todo o modo, seja qual for a razão, a verdade é que a explosãoo se deu e, pelo que rapidamente se soube, dezenas de milhares de russos residentes ou turistas na Crimeia ficaram alarmados, esvaziaram os supermercados quando não tentaram sair depressa de uma cada vez mais possível zona de guerra.

Dê por onde der, para o Kremlin, isto é além de uma afronta  medonha, uma derrota tremenda, depois de um referendo fantoche e das sucessivas retiradas “estratégicas” que tem sido obrigados a fazer. E, até, depois da conferência pan-europeia que reuniu quarenta e quatro  países (isto é todos menos a Rússia e a Bielorrússia) europeus. Convenhamos que para festejar o aniversário de Putin, dificilmente se poderia ter arranjado melhor.  

 

o leitor (im)penitente 250

d'oliveira, 07.10.22

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Sempre os livros

mcr, 7-10-22

 

em boa verdade eu deveria escrever sobre o nNobel de Anie Ernaux. Leitor obstinado, deveria conhecer a autora, tanto mais que é exctamente da minha geração. Porém, a verdade primeiro: apenas a conheço de nome e desde há muito. Razões provavelmente más fizeram com que jamais a lesse, sequer tivesse a curiosidade suficiente para a ler. Culpa minha, seguramente mas pecado confessado passa de mortal a venial ou nem isso.

Sei, mesmo, que terá saído, há dias um livro dela em português mas isso é tudo o que poderia dizer. 

Devo, aliás, dizer que o Nobl é cada vez mais algo que nos apanha de surpresa. No caso, esta autora estava longe dos meus cada vez mais obtusos (ou fracos) prognósticos. Esperava outra vez que o premio fosse reconhecer o extraordinário libanês Adonis, um poeta genial que desde há anos é falado (e ue durante muito tempo foi emparelhado a Amos Oz um israelita. E justamente por serem vizinhos e o comité nobel ter um medo pavoroso de se meter nas lutas da zona palestiniana  (que vai de Gaza até ao centro do Líbano) houve sempre o cuidado de ignorar ambos...

(a propósito do festival de Óbidos: vem a Portuhal o grande Wole Soyinca o único nobel da literatura da África sub-sahariana   - é bom lembrar que um egípcio, Nagib Mahfouz o ganhou nos finais de 80, se não erro – A maravilha seria ver editados alguns títulos deste grande escritor que, se me lembro bem, tem apenas dois livros – um recentíssimo, de resto – em português.) 

Oz, como Borges (o maior escândalo nobelístico) ou Roth ( ou Durrell e Green...) foi esquecido pelos escandinavos sem que alguma vez houvesse uma explicação crível e clara sobre estas não-escolhas.

Aliás, este ano, Bernard Henry Levi ainda propôs Rushdie mas a ideia que lhe servia de base, o infame atentado que por pouco não cumpriu a fatwa de um fanático  iraniano, não foi (e bem!) atendida. Os prémios não se devem guiar por emoções! 

Todavia eu vinha falar sobre dois livros acabadinhos de chegar.

O primeiro, “Fogo errante” é uma excelente antologia da poesia de Ossip Mandelstam, um dos grandes poetas russos do século XX e que foi assassinado pelo stalinismo. Não foi, bem pelo contário, a única vítima desta degenerescência obscena do socialismo e do marxismo que no século se chamou URSS, mas ele é, com Essenine, uma das mais ilustres vítimas da perseguição movida contra os intelectuais soviéticos. 

A edição é da Relógio de ´Água uma editora  com E grande, enorme. Existirá, na Assírio e Alvim, outro título do mesmo autor  (Guarda minha fala para sempre) mas consta que está esgotado. 

O segundo livro é obra de um conjunto de autores, coordenado por Luís Reis Torgal, “um rapaz do meu tempo” que, no caso em apreço e sob o título oportuno de “Brandos Costumes ... o Estado Novo, a PIDE  e os intelectuais” (Temas e Debates ed), traz um conjunto exemplar de estudos sobre uma série de autores todos vítimas da “situação” que se estendeu desde os fins dos ano vinte até meados dos setenta. 

Tomás da Fonseca. Aquilino, Ferreira de Castro, Torga. Namora, são alguns dos autores lembrados. A par disso há estudos sobre a repressão no Teatro, na Universidade bem como a inacreditável história do informador Inácio.

É bom verificar que começa finalmente a levantar-se o segredo sobre este tipo de cúmplices do Estado Novo e sobre o muito que os Arquivos da Torre do Tombo tem sobre este tema. 

 

Estava a terminar este texto quando, por um impulso, resolvi consultar um alfarrabista procurando um livro que todos os restantes consultados anunciavam absolutamente esgotado. De facto, e durante anos, recusei comprar exemplares dispersos da “colecção de arte contemporânea” das edições Artis. Como se sabe trata-se de uma série de 20 livros (uma aventura que julgo inacabada pelos motivos do costume) excelentemente apresentados graficamente e com estudos de notável qualidade. Tenho ideia de que a colecção foi dirigida por José Augusto França que, de resto asina muitos dos livros. Ocorre que um alfarrabista aqui do bairo tinha 17 desses livros em bom estado e a preço imbatível. Nem pensei duas vezes. Arrematei a pechincha confiado na minha boa sorte. Que começou logo em casa quando descobri que dos livros em falta (sobre Nikias Skapinakis cá existia. Da frenesi , veio o “António Pedro”. O faltoso era o “Eduardo Viana” e durante dias ninguém se acusava. Hoje porém, apesar de na internet não haver sinais do livrinho, resolvi explorar o catálogo da Kronos Bazar, um alfarrabista emigrado de Lisboa para as Caldas da Rainha. E, pimba!, lá estava , ainda por cima na dupla versão, normal e luxo. A colecção é toda da série normal pelo que já está encomendado o exemplar fugidio que, de resto, estava por um preço perfeitamente decente.  Os leitores viciados e viciosos sabem como um acaso destes torna feliz qualquer um. Agora só me falta o euro-milhões...

 

 

 

 

 

 

 

estes dias que passam 744

d'oliveira, 06.10.22

 

 

 

Um ateu à porta da igreja

mcr, 6-10-22

 

O título já diz, em parte, ao que venho: carrego em cima do cadáver adiado sessenta anos de absoluta e total indiferença religiosa. Em tempos afirmava que a religião passava por mim como água pelas penas de um pato: não pegava.

Devo, porém, dizer que não faço parte da seita dos ateus furibundos, dos que juraram arrasar igrejas e altares, enforcar a padralhada e pôr os beatos a estudar os iluminados da religião da Razão.

Eu, modestamente, creio que as religiões estão em recuo por toda a parte, incluindo o mundo muçulmano por mai barulho que um par de fanáticos faça. Aliás, os fnáticos são uma arma contra qualquer religião pelo repúdio que a sua acção consegue despertar.

Mais: creio que a sociedade portuguesa fora o baptismo e o enterro religioso, algum casamento de pompa e circunstância, está bastante descristianizada no seu conjunto. Basta ver como há falta de padres (de vocações dizem eles) como há clérigos que “se desfiliam”, como inclusive as vestes sacerdotais mais e mais se civilizam. Se medíssemos o número de crentes pelos que frequentam semanalmente a missa, teríamos um país  à base de incréus ou indiferentes.

Posto isto, vamos ver o que se passa com o bispo de Fátima-Leiria, D. José Ornelas (isto de por “D." num bispo é, de per si, um sinal de velhice, de inadequação à realidade que vivemos e a que nem a Igreja escapa), presidente da conferencia episcopal portuguesa.

Pelos vistos, alguém ou alguns, entenderam acusar o religioso de omitir  ou silenciar uns casos de abuso de menores ocorridos em Moçambique, Pelo que me pareceu, tratava-se de dois missionários ou algo do mesmo género que, nos tópicos entenderam provar que a carne é fraca.  A carne de jovens, ou menores, desconheço o sexo.

Pelos vistos, alegam o bispo e os seus defensores, foi feita uma averiguaçãoo depois da denúncia mas nada se cocluiu. Daí nada ter sido comunicado às autoridades.

Partindo do princípio que isto é verdade, há ainda o facto de, por duas vezes, entidades exteriores à Igreja terem investigado sem, por seu lado, chegarem a qualquer conclusão.

Entretanto, alguém ou alguns, entendeu que ali havia matéria para queixa e eis que denuncia o facto à Presidencia da República e, eventualmente, à Procuradoria Geral.

Pelo que se sabe, a Presidência enviou a denúncia para a PGR

E o bispo terá começado a ser investigado. Neste capítulo, e como é infelizmente regra o acusado é o último a saber. E sempre pela “comunicação social”!

No caso, junta-se a nota infantilmente picante do sr Presidente da República ter (por duas vezes!) telefonado ao bispo por "saber que o prelado estava zangado" . O prelado por sua vez negou a zanga e afirmou nunca ter usado tal expressão ou outra semelhante (de facto não consta das declarações do agora alvo de acusação de omissão, qualquer referencia a essa alegada indignação).

Eu já não me espanto, se bem que me envergonhe a situação,  com o  situação já habitual  de o segredo de justiça ter mais buracos do que um queijo suíço.

Os julgamentos n praça pública lembram a selvajaria da inquisição, as manobras da pide, a infâmia do boato, da mão escondida que atira a pedra. E o modo como as coisas, as investigaçõs chegam por via indeterminada ao conhecimento  geral é, no mínimo uma peçonha que mancha todo o edifício da Justiça

Ao que sei o bispo ainda não foi ouvido e não se sabe quando é que algum senhor procuradores dará a esse trabalho. Ou algum cabo de esquadra, que nisto também serve e provavelmente vle o mesmo.

É claro que, não venho aqui, era o que me faltava!, defender a Igreja (no caso a católica pois presume-se que nas restantes confissões a pureza dos clérigos é imaculada e os apelos da carne castigados, inexistentes, escondidos) pois toda a gente sabe que o celibato dlerical nunca foi coisa especialmente respeitada.

(eu próprio tive uns muito longínquos parentes padres lá nas interioridades alentejanas. De um deles, pelo menos um, sabe-se que houve descendência farta. E que o último filho, o quarto, foi baptizado com o nome de Deusdado Convenhamos que esse longínquo parente tinha imaginação e humor.!)

 

Suponho que não foi o único a maridar-se dom alguma freguesa mais vistosa e fogosa mas tofos conhecem a quadra tao portuguesa:

Não há luar como o de janeiro

Nem lenha como a de azinho

Nem filhos como os do padre

Que chamam ao pai padrinho!

Deixemos, porém esta fagueira excursão  pelos hábitos licenciosos dos nossos pastore de almas  e voltemos ao cado do bispo.

A Igreja portuguesa, como todas as restantes (desde que católicas!) atravessa um período difícil. No que toca ao destapar dos segredos de sempre no que toca a pederastia e restantes abusos sobre menores. Digamos, para simplificar, numa sociedade que durante séculos abusou de alguns menores, seria difícil que um par de sacerdotes também não metesse as mãos na massa.

Andará ainda na lembrança dos portugueses o caso daquele padre brasileiro que no Funchal pintou a manta com o rapazio. E que, uma vez acusado, fugiu alegremente para o solo natal onde, eventualmente continuará a espalhar a fé  e não só.

Eu, outra confissão, nunca percebi o encanto de fornicar um(a) menor mas o defeito há de ser meu. Mas também nunca percebi outras e diversas manifestações de sexualidades ora em moda, pelo que, provavelmente serei apenas um neanderthal que se desconhece, um pacóvio de províncias, um conservador sexual...

Todavia, creio, firmemente, que no caso de menores envolvidos há a falta de liberdade, de discernimento, de conhecimento, que tornam a sedução da criança, do/a jovem pelo adulto em algo infame.

Todavia, isto, se implica mão firme e justa nos abusadores, implica também, pela desqualificação social que acarreta, prudência na investigação (para já não falar na punição severa e legal da difamação).

Andar o nome de uma pessoa, no caso de um bispo, personalidade influente e importante na Igreja portuguesa, nas redes sociais, na tv, nos jornais, quando em teoria (só em vaga, muito vaga teoria) o processo está em segredo de justiça, é algo de profundamente inquietante. Ponhamos: de desonroso!

Eu não conheço nem estou interessado em conhecer o bispo José Ornelas (sem dom mas com uma solidariedade cidadã se é que ele, homem de Deus aceita tal de um desencaminhado dos caminhos do Senhor.

No entanto, os meios dos meios de comunicação que são imensos  já poderiam ter ido a África saber ao certo o que se passou ou não se passou. Erguntar às polícias e procuradorias de lá se há algo de relevante nesta história. E, à cautlela, tentar verificar se não anda por aqui mãozinha de malfeitor malicioso e anti-clerical.

Vi a entrevista do bispo na televisão e, demérito meu, pareceu-me que o homem parecia inocente e decente. Porém da fama de encobridor já não se livra, obviamente. E isso, num prelado é uma condenação ao inferno em vida.

 

Vai esta em memória do padre Cruz, um viciado em último grau no bridge. Em chegando a quaresma o pobre pafre jejuava da cartolina.Fugia das cartas e dos parceiros (entre os quais o meu pai) mas no sábado de aleluia era vê-lo freco e pimpão a rondar a sala de jogos à espera dos parceiros que se fingiam ocupados por outras coisas. No fim lá se amerceavm do padre Cruz e aquilo er um ftote...Capelão militar, afável, bonacheirão, há ter um lugar à mesa de bridge do paraíso  e smpre com boas "mãos"...