Au bonheur des dames 534
De regresso aos “bons velhos tempos”
Mcr, 5-10-22
Uma senhora deputada do PS de quem eu (certamente por culpa minha e miopia política agravada) nunca tinha ouvido falar veio há uns dias propor, preto no branco, que se apagassem umas declarações de um deputado da IL que visavam a ministra Ana Abrunhosa.
Começando por aqui: as declarações feitas pelo deputado da IL eram do mais normal que se usa na AR, não continham nada de ofensivo ou descortês, como mais tarde o PS reconheceu quando apresentou desculpas pela intenção censória da sua deputada.
Esta senhora, pelos vistos nascida em 1964 e licenciada em Direito (!!!), não percebeu a enormidade da sua proposta.
Provavelmente, nunca percebeu o que era a Censura no país onde nasceu. De facto, a revolução apanhou-a com dez anos e por isso nunca viu a instituição censória em funcionamento. É crível que, também nunca se tenha debruçado pela história pregressa do país e, menos ainda, refletido sobre os efeitos da Censura.
Também é verdade que ninguém é obrigado a ter uma noção, mesmo que vaga, da coisa. Também não sei se a deputada é estreante ou já andava pela AR, antes da catadupa de novos deputados saída desta última e miraculosa eleição.
Se é “maçarica” em S Bento, temo que a sua estreia tenha sido pouco recomendável mesmo que a burrice supina que a ameaça de apagamento envolve ser sobretudo digna de comiseração por ridícula e prejudicial ao partido que a trouxe até ao Parlamento e, pior, desservir violentamente a causa da Ministra Ana Abrunhosa.
Ao que sei, primeiro foi a estupefacção, depois alguma irritação e finalmente uma gargalhada geral.
Aquilo que poderia cair no esquecimento (a declaração da IL) ficou para a História graças à desastrada intervenção da srª dr.ª Isabel Guerreiro.
Convém esclarecer que não se trata de uma jovem criatura, cheia de força e ambição mas de uma criatura que já anda pelos cinquenta e tais, idade mais que suficiente para ter tino, prudência e juízo, sobretudo juízo, muito.
Claro que o porta voz do PS, Pedro Delgado Alves, lá teve de vir aflito e a correr, deitar água na fervura declarando que “não nos parece ter havido uma intenção censória(!!!?)... coisa que imediatamente a seguir corrige (para pior) afirmando que “o que foi declarado não acompanha a prática de décadas do PS na AR”
Como facilmente se percebe entre a primeira e a segunda parte da declaração de PDA há uma evidente divergência. Por um lado a prática de sempre por outro a não existência de intenção. Em que ficamos?
Isto, sem ir muito longe, é uma reprimenda à deputada que, ao que sei, não se deu por beliscada nem se lembrou de dar por finda a sua vida parlamentar. Para a qual é notório que não tem vocação e menos ainda preparação política. É de presumir que ainda ouviremos de novo afirmações desta senhora que (arrisco eu) porão em sobressalto PDA e restantes colegas.
Depois, o PS lá pediu desculpas (mesmo se estas seriam sobretudo devidas pela autora da tentativa de apagamento e não pelos seus colegas.
Às vezes, pergunto-me, ingenuamente, onde é que o PS (e os outro partidos...) vai buscar estas luminárias. Não haveria nada de melhor em todo o Algarve (parto do pressuposto que deputada foi eleita por Faro) para ter de se ir ao fundo da gaveta?
Tenho a vaga ideia de, no exacto ano do nascimento desta criatura ter sido alvo de várias tesouradas (ou do lápis azul) do militar (quase sempre um tarimbeiro, ignorante mas fiel à causa, de serviço.
Noventa por cento do que tentei publicar, morreu na praia. O defeito era meu, aliás: andei anos sem conseguir perceber como é que se fintava a Censura. Muitas vezes, poderia ter sido mais sibilino, menos afirmativo mas na verdade colecionei umas dezenas de textos estropiados quando não completamente cortados.
Guardei-os cuidadosamente mas um incêndio na minha casa levou as cópias sem piedade. O pior é que na rema de papéis incinerados foram também livros, cartas, dois múltiplos de Picasso que tinham custado muito mais do que, em verdade, eu poderia gastar . Um desastre!
É duvidoso, quase improvável, que nas redacções das publicações em que colaborei, haja vestígios desta quase clandestina actividade . Isto se é que há arquivos capazes do “Comércio do Funchal”, da “Vértice” e de ais um par de locais que me acolheram generosamente durante mais de uma década da minha tardia juventude contestaria e anti “situação” (era assim que chamávamos ao “Estado Novo” que, aliás, foi sempre velho.)
A ler, entre espantado e divertido, as declarações da deputada Isabel Guerreiro, revivi por escassos instantes esse passado longínquo. Acho que lhe devo agradecer essa visita aos anos difíceis mas exaltantes que, cheia de sorte, ela não conheceu nem provavelmente teve o cuidado de estudar.
(ao terminar este folhetim, assaltou-me uma dúvida: haverá algum arquivo geral e completo da Censura ou tudo o que resta é uma placa na rua da Misericórdia a lembrar que num prédio de ar gasto e envelhecido aquela coisa funcionava?