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Recado a quem na juventude não teve tempo para protestar
mcr, 17-11-22
Fui jovem há demasiado tempo, numa altura em que não era fácil ser jovem, ser português, ser cidadão e gozar dos mais elementares direitos.
Não tenho saudades desse tempo obscuro (1958 e seguintes) mesmo se no intervalo de várias peripécias pouco exaltantes tenha tido tempo para viver a minha “juventud divino tesoro” como dizia Ruben Dario.
Todavia entre as eleições Delgado, os anos do início da guerra, a contestação universitária, as prisões não sobrou muito (excepto recordações de que o tempo vai amaciando a aspereza) de festivo.
Ou melhor: os meus amigos desse tempo e eu próprio vivíamos à sombra da incerteza sobre o futuro, encerrados num ambiente cinzento, que nos deixava poucas alternativas.
Era o tempo da repressão a todos os níveis mesmo se moderado pela teoria do “par de safanões dados a tempo” que diferenciou o salazarismo dos vários “ismos” da época. Isto não era a Alemanha nazi a Itália fascista ou a Espanha franquista. Provavelmente essa alegada “brandura dos costumes” conseguiu, contra nós e apesar de nós, durar os famosos quarenta 48 anos.
Portanto, e para resumir, de protesto jovem, menos jovem, adulto tenho o papo cheio. E, naturalmente, alguma predisposição para tentar entender os jovens de hoje que provavelmente poderiam (com algum esforço...) ser meus netos.
É claro que os anos moderam muito os ímpetos do mais pintado, a evolução do mundo ensina-nos a refrear algumas certezas, e a experiencia da democracia vai-nos indicando que há que misturar alguma água no nosso vinho mais espesso.
Ora, e para chegar ao assunto do dia, há que tentar perceber a actual onda da contestação climática para tentar distinguir justamente o que não passa de moda e o que realmente ameaça as gentes.
Convém lembrar que os piores efeitos do clima em mudança atingem sobretudo outros mais pobres, mais expostos a saber os povos ribeirinhos do Pacífico ou do Índico, os de África sobretudo os habitantes do Sahel e redondezas ameaçados pelo deserto e pela seca (para não falar noutras ameaças como seja o fanatismo muçulmano que corrói o Mali, a Níger, os Camarões, a Nigéria o Chade e a República Centro Africana. Isso combinado com uma série uase ininterrupta de golpes de Estado e guerra civil larvar torna meia África num pântano de incertezas, perigos desolação e morte. Digamos, para simplificar, que quase todo o continente vive num precário estado de incerteza e de despotismo de onde poucos países escapam. Diria mesmo que o clima é para as populações do continente a menor das ameaças.
Todavia, o perigo que (por exemplo) rodeia os habitantes de Cabo Delgado, de boa parte do Quénia, da Somália ou do Sudão é independente de cheias ou de secas e vive apenas do fanatismo religioso e político de pequenas minorias que se aproveitam da fraqueza (ou até da ausência) do Estado.
Sobre este grave problema que afecta largos milhões de pessoas (pois há que juntar-lhes os africanos ocidentais ou os do Congo) não vislumbro grande interesse. Dos jovens ou dos iluminados anti racistas e anti colonialistas que longe dessa realidade ou a desconhecem ou a lhe desestimam a importância.
Portanto, vamos limitar-nos ao até agora fenómeno lisboeta de algumas dezenas de manifestantes que invadem os seus espaços escolares e se colam ao chão num ou noutro edifício público.
Não são multidão mas gritam alto e atraem os media sobretudo a televisão que junta o seu protesto a programas imbecis e infames onde por exemplo a exploração do corpo feminino é uma evidência. A vantagem dos jovens é que não se afundam na fossa do quem quer casar com o lavrador, ou na imbecilidade do alegado big brother (que gfrnde a memória de um escritor que por cá quase ninguém leu ou lê)
Tentei perceber os argumentos mais gritados do que falados de dois ou três luminares do movimento actual e descobri, entre espantado e desiludido, que por junto querem demitir o ministro da Economia por ele ter desempenhado funções relevantes nas áreas petrolíferas da Gulbenkian. Convenhamos que com tanto ministro menos digno atacar este que até sofreu os horrores da repressão governamental angolana, é no mínimo risível. E, pelos vistos, logo que o homem se dispôs a ouvir os manifestantes, estes nada tinham a dizer. Nada! Parece que, para além de o quererem ver pelas costas, não havia nenhuma proposta!!!
Voltando aos meus tempos de contestatário (em situações bem mais perigosas e graves do que as actuais) recordo-me que um dos poucos professores oposicionistas que havia na Universidade nos questionou sobre as razões de fundo e, sobretudo, sobre o programa que defendíamos para um futuro governo democrático. Entre um quarteirão slogans, lá conseguimos alinhar meia dúzia de razões. “É pouco...”, avisou-nos o nosso mestre. “Vocês tem de mostrar-se capazes de propor uma alternativa clara, evidente capaz de convencer o povo por quem dizem lutar.”
Nunca mais me esqueci disto e com vários outros camaradas de combate começámos a tentar perceber o país real e o que deveria ser um governo apto a melhorar duradoura e convincentemente a vida dos portugueses.
Ora, para além de narizes de cera e frases estereotipadas, pouco, quase nada fica desta movimentação outonal que aproveita a reunião do Egipto para, antes do Natal e dos respectivos festejos, ocupar o seu tempo.
Todavia se, pelo menos, devemos alegrar-nos por haver, ainda que em porção côngrua, jovens mobilizados já é mais difícil entender o entusiasmo patético de adultos que não só ajudam ao foguetório mas vão ainda por cima apanhar as canas.
Eu percebo que alguns, porventura muitos, desses adultos (ou adolescentes retardados) queira afora apanhar a boleia duma contestação que não fizeram na devida altura. Tanto mais que têm agora uma pequena tropa de choque a dar o corpo ao manifesto mesmo se isso se limite a colar as mãozinhas ao chão.
Porém, as eventuais simpatias actuais não eliminam os velhos pecados da não actuação passada. Nem, de resto, valem os sacrifícios de gerações passadas que arriscaram o plo e, pelo menos, a liberdade nas lutas contra o Poder.
É chato não ter feito as greves estudantis de 62 ou 69, o Maio de 68, as manifestações contra a Ditadura, enfrentado a polícia de choque ou ter sido albergado, nem que seja por um par de horas, nas celas de uma esquadra de polícia. Não tiveram oportunidade de ser “heróis” pelo que agora tentam apanhar a boleia de rapazes e raparigas a quem impingem a ideia de que só o capitalismo provoca alterações climáticas. Bastaria olhar para a China, para a União Indiana ou para a Rússia para encontrar companheiros e cúmplices dos Estados Unidos ou do Ocidente maléfico que, entretanto se vai adiantando na luta por melhorar o planeta.
Isto caros adultos entusiásticos “c’est pas le même combat” e uma coisa é vozear por aí, outra não dispensar o carro, o telemóvel ou as viajens de avião para ir apanhar sol nas Caraíbas (sempre num resort resguardado da incómoda presença dos indígenas locais que normalmente serão “feios, porcos e maus” como qualquer pobre que se preze e subdesenvolvido como ocorre.
Uma breve palavra para os senhores directores de escolas que acham bem as ocupações mesmo se feitas por uma minoria mínima mas estridente. Essa ocupação só é relevante se não prejudicar o (também) direito dos restantes estudantes a receber aulas e a estudar. Alguém lhes perguntou a opinião?
(alguém me dirá que esses directores foram eventualmente estudantes em revolta arriscando eles mesmos a sua liberdade. Tenho sérias dúvidas. A democracia tem já 50 anos e a idade média dos que contestaram o anterior regime andará pelo menos pelos 68/70 anos, ou seja uma idade que já pressupõe a reforma)