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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 598

d'oliveira, 30.05.23

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Dar a volta ao bilhar grande 

ou nem isso!

mcr, 30-5-23

 

Cresci numa terra abençoada por uma grande enseada, um rio e uma serra não demasiado alta que se prolongava por um cabo e protegia a praia dos ventos do norte.

Naquele tempo, a cidade vivia muito do turismo estival pelo que o seu centro estava pejado de cafés com esplanadas que se enchiam pelas tardes e noites. Alguns tinham mesmo pequenos palcos onde tocavam as jazzbands  em voga naqueles anos quarenta e inícios de cinquenta. 

Porém, o meu encantamento de menino eram as salas de bilhar onde cavalheiros disputavam longas, longuíssimas partidas de bilhar livre. E havia sempre um bilhar maior, de competição, com tabelas aquecidas onde era obrigatória a competição às três tabelas. 

O fascínio desses anos de cuidadosa atenção ficou-me para toda a vida e resistiu mesmo ao aparecimentos dos bilhares de snooker que entretanto fizeram quase desaparecer os “livres”. 

Há uns anos, resolvi dar a mim próprio como prenda de anos um bilhar ( o que está na vinheta) pois a sala de estar dava para isso e muito mais. 

O meu desaparecido e querido amigo Manuel Sousa Pereira, escultor, marceneiro, homem para todo o serviço de mãos foi convocado para parceiro mas, uma doença ocular impediu-o de continuar a jogar. Mal eu sabia que outra maleita semelhante me havia de atingir e tornaria o bilhar numa presença acusadora do inicio da velhice sem apelo nem agravo. O bilhar pede precisão, pontaria, bom olho e, já agora, inteligência e muita geometria aplicada.  A pontaria e o olho deram sinal de si, a inteligência deu para perceber que assim as coisas já não funcionavam e chegou a altura de, muito pesarosamente, me desfazer daquela peça que, pessoalmente, acho bonita. Uma amiga  minha, acrescentava que aquilo dava “estatuto” e “qualidade” a qualquer “boa” casa. 

E comecei a tentar vender o bilhar. Não fiz demaiao esforço porquanto, logo ao primeiro contacto, um amável comerciantede bilhares me desenganou: que os bilhares livres já não tinham procura! Agora ó os snookers e ”mesmo esses” (tom desolado...) tinham uma saída discreta.

Entretanto, apareceu alguém interessado. Ao ver o bilhar jurou que era mesmo aquilo  e ter-se-á desfeito em elogios e entusiasmo. Todavia, láfoi murmurando que a vida, os estudos dos filhos, patati, patata, enfim a choraminguice habitual. Em vista disso, e porque vinhm recomendados por pessoa amiga, propus-me oferecer  o bilhar desde que o retirassem daqui a expensas deles. Ou seja, teriam deprocurar uma empresa de bilhares que desmontasse e voltasse a montar a mesa porquanto, não só aquilo é pesado como obriga mesmo a alguma técnica que só as casas fabricantes sabem utilizar. 

E fiquei à espera que se concretizasse a trasfega. Um inteiro mês sem novas nem mandados! Ao fim desse tempo, consegui que alguém comunicasse cm os eventuais beneficiários da minha generosidade e, com já previa, o entusiasmo esfumara-se ou a falta de dinheiro para a remoção do bilhar tornara a doação impossível.  

Hoje, tirei-me dos meus cuidados e consultei uma empresa fabricante (e vendedora   de bilhares. Virão cá desmontar o bilhar e transportá-lo para a cave do prédio onde ficará a aguardar melhor sorte.

A mesma empresa informou-me que há alguma procura sobretudo para um bilhar no estado (“absolutamente impecável”, sic) do meu. Ao que acresce a oferta do candeeiro específico, do carrinho de baixo, e de várias outras peças assessórias bem como de uma cobertura. 

A CG jurou ter encontrado nesses sítios internéticos que frequenta de ofertas de bolhares a preço bastante simpáticos para um eventual vendedor. A empresa que cá virá ofereceu-se para ficar com o meu contacto” em carteira para o que eventualmente aparecesse.  A minha fé é nula ou perto disso. Nunca fiz grandes negócios, aliás nem sequer os tentei. 

Limito-me a constatar o avanço da idade, ao galope da velhice, a perda gradual das coisas que me alegravam.

De certo modo, perante o inexorável avanço do tempo, pouco mais me resta do que, num outro tempo, se chamava ir dar uma volta ao bilhar grande.

Estou a caminho... 

 

 

au bonheur des dames 597

d'oliveira, 28.05.23

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Tantos anos

mcr 28-5-23

Há muitos, muitos anos, gabei nestas páginas, um leitor de Manuel António Pina que compilava cuidadosamente todas as crónicas que este escrevia no JN.

Bem avisado andava, porque o MAP, por feitio, preguiça ou eventual pose, não se dava a esse trabalho e a certa altura já não tinha a noção de tudo quanto escrevera.

O meu querido e desaparecido amigo Mauel sousa Pereira entendeu avisar-me que ele fazia o mesmo com as prosas vagabundas que eu ia deixando no Incursões. Fiquei profundamente sensibilizado  mas nunca vi essa volumosa resma de textos. O Manuel morreu durante o Covid e, uns tempos depois, a filha prometeu-me entregar as folhinhas encontradas mas, pelos vistos, arrependeu-se, esqueceu-se ou achou-as boas para a lixeira municipal.

Entretanto, uma leitora I, ao ler o que eu escrevera sobe o Manel Pina resolveu dar-se ao esforço de me passar a papel e anos depois mandou-me mais de uma centena de textos.

Foi esse envio que me animou a continuar tal tarefa que entretanto ainda não terminou e já conta com um exacto metro de folhas frente e verso. Digamos que, até meio do covid, excepção feita dos textos todos de “estes dias...” (e pelas minhas contas dão para três caixas )e destes dois últimos anos (outro tanto pelo menos) sempre arranjarei mais meio metro de inutilidades, coisas apenas suscitadas pela  espuma dos dias e que, semanas, meses ou anos depois pouco significam.

Há cerca de 40 anos, um pequeno incêndio, numa casa anterior limpou sem apelo nem agravo mais outro tanto de escritos perpetrados (nunca uma palavra foi tão apropriada!...) a partir dos anos 60. Salvaram-se imerecidamente desse fogo purificador cerca de duzentos textos que ocupam mais quatro caixas-arquivo que só por teimosia, vaidade ou toleima guardo ciosamente. 

De certa maneira, esta avalanche de escritas diversas tem um pequeno valor pois acabam por ser na sua diversidade uma espécie  de diário  que nunca tive a coragem de iniciar ou de prosseguir. E em certas ocasiões são também testemunhos de correspondências com amigos que fui perdendo ao longo destes já longos anos.

A instimável leitora que me ofereceu uma antologia dos meus folhetins, afirmava-me no acto de entrega e muito geneoamente que assim aquilo estava pronto para publicação  na sequência de um livro do mesmo teor que eu dera à luz. Bem lhe disse que, com a morte do alucinado editor que se prestou a publicar-me, não tinha ninguém a quem entregar a tremenda tarefa de joeirar aquela torrente de textos e, eventualmente, dar-lhe forma de livro. Já na altura frequentava poucos editores e daí até hoje o número reduziu-se por morte ou reforma dos que restavam. 

Claro que como me aconselha o Manuel Simas Santas, produtor por grosso de uma chusma incontável de textos jurídicos, poderia tentar ma edição só na internet. Todavia, nem isso sei fazer mesmo se conseguisse ultrapassar uma preguiça ancestral e crescente. 

Depois desta vaga explicação, alguém, que vitoriosamente até aqui chegou, perguntará a que vem esta  confissão. Pois, ao facto, pelos vistos incontornável, do blog ter aniversariado! Só agora dei por isso, o que prova a minha cada vez maior desatenção pela vida de todos os dias. Mas o JCP não deixa passar nada e pimba, lá disse o que se passava. 

Vai daí fui ver ainda que muito incertamente, quantos folhetins fui publicando ao longo destes anos. 

E cheguei à aterradora conta de quase 2500 folhetins em 18 anos de colaboração, suspeitando eu que a conta será um pouco maior mas isso obrigar-me-ia a laboriosas investigações que em nada melhoram (nem provavelmente) pioram a realidade. 

Com sorte alguma outra leitora, quiçá um esforçado leitor, dedicar-se-á a essa arqueologia que isto, à velocidade com que as coisas vão, já só merece tal palavra.

JCP que leva a sério esta contabilidade e sabe onde procurar os números  refere um tremendo sucesso de visualizações mensais (2100! Livra!) coisa que eu nem sequer cheiro. Não percebo nada da mecânica interna do blog não sei onde ir pesquisar estas singularidades, basta-me haver sítio para dar à taramela que o resto alguém verificará. “A intendência, dizia Napoleão, segue o barco.  Não me estou a comparar ao corso mas apenas a aproveitar a sua tirada. Aliás nem simpatizo com a criatura nem como filho da vitória nem como náufrago no Beresina. 

E pronto, bom aniversário ainda que com tardios votos, ó blog que me acolheu com simpatia, fidalguia e muita, muita, paciência.

E obrigado leitores que a 2000 rotações mensais me dizem um vago olá, mcr” Saravá malta boa!

*na ilustração as pastas já completas de parte da colaboração de mcr noblog. Faltam pelas minhas contas sete ou oito pastas

 

 

au bonheur des dames 596

d'oliveira, 25.05.23

Epifânio

Mcr, 25.5-23 

 

 

Descansem as leitoras com a curiosidade espevitada pelo título desconsolado que, por única glória, de resto duvidosa, talvez refira sete criaturas com este nome de noite mal dormida que terão sido bispos (todas as sete?, Jesus que monotonia!) e, eventualmente, mártires. Também é verdade que com um nome destes pouco préstimo teriam para outras menos fatais actividades-

Não, este Epifânio é criatura do meu tempo de menino e moço, cruzou-se comigo nos tempos de liceu, era compincha de um tal Dagoberto  (outro nome de matar toda a possível ilusão) e como detestava o nome com que um pouco caridoso pai e um ainda menos amável padrinho lhe tinham arranjado, sempre que alguém imprevidentemente o nomeava entrava em modo de guerra e partia a bofetões na cara do desinfeliz que desconhecia os efeitos agressivos do nome no nomeado. “Epi, quê monte de merda? Ora repete lá ó cabrao mijado! “ E pimba, nova salva de chapadas na tromba do pasmado agredido.

Convém dizer, se é que não adivinharam que Epifânio era forte como um touro, não tinha medo de nada e mesmo contra três mais fortes ali estava ele sempre pronto para dar e levar. 

A carreira pugilista de E* (escrevo assim não vá o diabo tecê-las...) prosseguiu vida fora mas ao que se sabe, andará perdido pela Austrália ou coisa semelhante. Cá por mim viverá na ilha de Komodo (Indonésia) e terá como animal de companhia um daqueles horrendos dragões cuja mordedura além de fatal demora tempos medonhos a produzir todos os efeitos letais.

Mas, perguntará alguma buliçosa leitora, a que vem esta recordação de um mal baptizado criaturo de bravios humores e mão leve (leve o tanas e o badanas, que o tipo tinha chumbo nos dedos!)?

A resposta, como todas as respostas é de uma assustadora simplicidade. A culpa disto que se relata com fidelidade Fernão lopina, é de Shakespeare. Sim, esse mesmo, o bife que tinha queda para o teatro e nos deixou páginas esmagadoras e farta dose de frases muito aptas para citações-

Então é assim, naqueles tempos em que aliávamos a ignorância próprias de rapazolas com a petulância dos jovens machos ibéricos em flor, havia na Coimbra de lavados ares uma humanitária instituição que providenciava cinema ao ar livre por poucos tostões. Era o cinema dos bombeiros voluntários, frequentado pela gente moça da cidade e da universidade que, aquele espaço, se entendia às mil maravilhas, aplaudidndo freneticamente os filmes de cobóis, policiais e outros todoa já duramente castigados pela velhice, e pelos estragos de uma exibição que não tinha da de artístico. Aquilo que passava num ecrã duvidosamente branco era um cocktail de tiros, murros bombas e chapadas nas trombas fartamente aplaudidos pela matula que queria sangue. 

Ora, num desventurado dia (e eu estava lá!, fixem esta) passou uma versão da peça “Henrique V”

Os meus cultíssimos leitores recordarão que no 4ºacto,na cena 3ª. Há a famosa tirada “we the few, the happy few...”  com que o futuro rei brinda os seus companheiros prestes a travar uma batalha gloriosa embora mortal.

Porrazões desconhecidas esse trecho estava intacto e naquela noite estrelasa e estival aquilo soou como devia soar: solene e majestoso! 

O diabo é que alguém porventura estremunhado, lembrou-se de gracejar “Ò Epifânio estão a chamar por ti!”

Na escuridão e sem saber donde vinha a voz zombeteira, E* entrou em guerra. Murro à direita, patada à esquerda cabeçada em frente aquilo era um reboliço. Os agredidos assarapantados sem verem bem donde vinham aquelas mãos e pés violentos, desataram por sua vez a ripostar mesmo que em tom menor e o arraial instalou-se. A plateia (só havia plateia, figa-se) transformou-se em Aljubarrota com pitadas de Alcácer Quibir. O projecionista sem ver o que se passava continuava a deixar seguir a fita. O clamor do filme que seguia impávido, os gritos dos agredidos, as ameaças dos ofendidos, assumiu proporções de tsunami de bordoada com E* a dar e a apanhar força de bofetões. Um delírio. A coisa só terminou quando um bombeiro resolveu mangueirar a malta em fúria. Depois chegou a polícia  lá foi tudo rua fora prestar declarações na esquadra que, dizem os que viram, ficou alagada. 

No dia seguinte, o Diário de Coimbra, recordava aquele frenesi em frases crípticas pois a censura vigiava os costumes, os tempos e  os modos-

Houve mesmo um par de académicos obtusosque exigiram a realização de uma Assembleia Magna. Felizmente alguém lembrou que em férias a Academia só ronrona, pelo que fomos poupados a um tremenda chinfrineira que as magnas eram coisa fina!

 

Disto tudo ficou uma palavra “epifiu” que durou o tempo de um verão e serviu para atiçar de longe E*  e mais alguns brigões sempre prontos para “açapar”.

E porque é que eu, no final deste maio, madura maio, me lembrei de uma historieta que já tem barbas. Pois pela simples raão que o dr. Costa seja qual for a pergunta que lhe façam só tem uma reposta: “Populismo”, é tudo populismo”Nós quando as coisas davam para o torto berrávamos épifiu, epifiu (tendo o cuidado de verificar que E* não rondava por aqueles lados.

Eu percebo que para a hoste socialista na AR, a coisa seja recomendável. À falta de argumentos, dispara-se primeiro e pergunta-se depois quem vem lá. A caça aos galambuzinos é uma chatice medonha, os depoentes não ajudam, antes se atropelam, pelo que o melhor é disparar salvas de pólvora seca contra os contrincantes. O PC durante anos, a qualquer objecção, bramiam “provocação” ou “isso é fascismo!”

Costa, que durante anos viu o seu partido ser acusado de filo-fascista” lembrou-se do populismo, tese aliás muito em voga para não dizer nada de substancial. É o parlamento que está infectado por vírus satânicos e versículos idem aspas, aspas.

E como os rapazes do PC de antigamente, responde sempre com um futuro risonho. Isto agora aina não se vê mas a prosperidade está a chegar. O que os contraditors querem é montar um circo, para a oisa derrapar, o presidente mandar os deputados para casa e eleições outra vez. 

Costa não se chama Epifânio mas epifaniza que se farta. Com ele vamos entrar na terra do leite e do mel E entraremos tão mais rapidamente quanto menos os descrentes se possam fazer ouvir. Aliás, perguntas de descrentes não servem a nossa fé. 

Isto aqui é como “A casa de Bernarda Alba”: “acá no passa nada!” 

E como  se sabe, passou-se tudo e “mais não sei o quê!”         

 

 

 

o leitor (im)penitente 257

d'oliveira, 22.05.23

 ÌTACA

Konstantinos Kaváfis (1863-1933) 

 

Quando partires em viagem para Ítaca 

faz votos para que seja longo o caminho, 

pleno de aventuras, pleno de conhecimentos. 

Os Lestrigões e os Ciclopes, 

o feroz Poseidon, não os temas,

tais seres em teu caminho jamais encontrarás,

se teu pensamento é elevado, se rara 

emoção aflora teu espírito e teu corpo.

Os Lestrigões e os Ciclopes, 

o irascível Poseidon, não os encontrarás,

se não os levas em tua alma, 

se tua alma não os ergue diante de ti. 

Faz votos de que seja longo o caminho. 

Que numerosas sejam as manhãs estivais,

nas quais, com que prazer, com que alegria, 

entrarás em portos vistos pela primeira vez; 

para em mercados fenícios 

e adquire as belas mercadorias,

nácares e corais, âmbares e ébanos

e perfumes voluptuosos de toda espécie, 

e a maior quantidade possível de voluptuosos perfumes; 

vai a numerosas cidades egípcias, 

aprende, aprende sem cessar dos instruídos. 

Guarda sempre Ítaca em teu pensamento. 

É teu destino aí chegar. 

Mas não apresses absolutamente tua viagem. 

É melhor que dure muitos anos 

e que, já velho, ancores na ilha,

rico com tudo que ganhaste no caminho,

 

 

sem esperar que Ítaca te dê riqueza.

Ítaca deu-te a bela viagem.

Sem ela não te porias a caminho. 

Nada mais tem a dar-te.

Embora a encontres pobre, Ítaca não te enganou.

 Sábio assim como te tornaste, com tanta experiência,

 já deves ter compreendido o que significam as Ítacas

 

(Tradução: Isis Borges B. da Fonseca: Poemas de Konstantinos Kaváfis, São Paulo, Odysseus, 2006, p. 100-3) 

 

 

 

 

 

A minha amiga Zé C. manda-me um mail jurando amor profundo e enternecido pelo por Kavafis e especialmente pelo poema acima transcrito que por preguiça ancestral e profunda fui buscar à Internet. De certo modo, fiquei surpreendido porquanto, anda na RTP 2 uma excelente série dominical da autoria do professor  doutor  José Pedro Serra dedicada à cultura clássica grega, em especial aos mitos. Ora não vai há muitas semanas referiu-se ele a Olisseus (Odisseus) e no fim do programa recitou a poema que acima deixei em versão brasileira.

Fiquei espantado pelo facto da Zé o citar por inteiro num recentíssimo mail mas dela já nada me espanta que o diabo da mulher andou a aprender persa no último ano e agora andará no urdu ou noutra língua qualquer desde que antiga e dessas terras em que Cristo não terá nunca passado. 

E, subitamente, vi-me a mim, pequeno mas desembaraçado, na Biblioteca Pública Municipal Fernandes Tomás na Figueira a ler desenfreadamente tudo o que me passava pela linha de horizonte. Assim, marcharam os Salgaris todos (que agora aqui tenho quase completos...) os tarzans do Edgar Rice Burrougs, os Lagardere (Paul Fºeval) os Dumas  e mais uma série de outros de que já só recordo o prazer, o enternecimento o espanto e a curiosidade por terras longínquas e extraordinárias. Boa parte do meu gosto por Geografia virá daí. Foi Júlio Verne (que também cá canta em várias edições e formatos) quem me meteu nesses assados com a forte ajuda de meu pai de quem, de resto, herdei vários exemplares, depois perdidos no acaso de mudanças de casa, de cidade de país e de continente. No meio desta biblioteca avidamente lida na minha pré-adolescência, também não falou uma série de obras importantes em versão infanto-juvenil e da autoria de João de Barros e de Adolfo Simões Muller. E entre elas, claro, a Odisseia.

Como curiosidade suplementar a minha avó Aldina, inveterada contadora de histórias, certo dia contou-me uma em que um gigante chamado Olharapo que, à semelhança de Polifemo, só tinha um olho no meio da testa. Ao que me lembro, muito mais tarde, ela ter-me-á dito que essa história lhe fora contada por uma escrava negra vinda do Brasil no séquito do meu trisavô José da Costa Alemão, um dos muitos portugueses que não aceitaram servir como soldados numa guerra imbecil movida pelo Brasil já independente contra o Uruguai ou o Paraguai Esses portugueses passaram a ser mal vistos e pior tratados pelos brasileiros e conseguiram que o governo português da época lhes fornecesse barcos para saírem do Brasil e virem estabelecer-se no sul de Angola. Foram eles que fundaram a Chibia e as terras próximas e, mais tarde o Lubango (Sá da Bandeira). Da história só me resta o nome “olharapo” mas na versão da avó ele era tão mau quanto o horrendo cíclope de Homero. 

Essa minha primeira entrevista com os gregos continuou vida fora até já crescidinho mas ainda liceal ler as versões da Sá da Costa. E agora as do Frederico Lourenço, esse homem providencial que tem traduzido amorosa, pacientemente e com um raro tino para a escrita elegante, Homero e a Bíblia (a grega, claro, a boa, a autentica, a primeira) e uma série de poemas, 

Ora, nos finais dos sessenta, lá para 68, ano mágico, descobri um cavalheiro de excelente estirpe chamado Lawrence Durrell. E descobri-o, eu e muitos outros dessa época, graças a um tetralogia (“Justine”, “Clea”, “Baltazar” e “Mountolive”), o “Quareto de Alexandria”. Aquilo foi tiro e queda  de tão bom que era. Tronei-me obviamente um fanático de Durrell mas, aqui à puridade, sou fanático de tantos escritores que a coisa sai desvalorizada. 

Ora, foi no “quarteto...” que pela primeira vez ouvi falar de Kavafis um eminentíssimo poeta grego que com Elitis Ritsos  e Palamas são o meu quarteto de gregos modernos 

Devo dizer em meu abono que sou de uma curiosidade infatigável quando se trata de livros. Não descansei enquanto não deitei a mão ao citado Kavafis que foi editado pela Inova, logo em 1970. E que foi sucessivamente alvo de edições em tradução  portuguesa desde então (a wook sinaliza cerca de 19 peças).

Entendi, deixar esta nota para que os leitores possam respirar um pouco de ar puro, coisa rara agora que a caça aos galambuzinos começou

E já que falei de Itaca, o poema que a Zé me mandou, porque não relembrar um livro editado por uma perdida editora coimbrã de que fui sócio  (Centelha): “Um barco para Ítaca” de Manuel Alegre meu velho, velhíssimo, amigo . A Centelha de resto editou, nos tempos difíceis,  a “Praça da Cançao”, “Letras”  e “O Canto e as armas” tudo às escondidas, numa corrida contra a pide e a bufaria e se alguma coisa deixou de bom foi a sua excelente colecção de poesia mais de trinta volumes  que raramente se encontram em alfarrabistas. 

Do Durrell também por aqui anda cerca de dúzia e meia de títulos que quando se é um leitor entusiasta é-se fiel. Aliás, também por aqui estão três obras de um irmão, Gerald, naturalista, cavalheiro de excelente humor, escrita afiada  que vale a pena e a quem se deve a autoria literária de uma série televisiva, “Os Durrell” que é a todos os títulos, magnífica e impagável. 

Leitores, vão por mim, os Durrell como o Cavafis (ou Kavafis) valem a pena e merecem ser lidos. Como de resto todos os autores que aqui foram citados e que, ainda hoje, são alvo de reedições. Umberto Eco citava os Dumas e os Verne, e o Savater só dizia bem, e muito, do Salgari. Estou bem acompanhado e vacinado contra a peste negra que grassa pela política nacional.

 

Vai esta para a Zé, que conheci moçoila  de “bom ver e melhor apalpar” (cito Cela, Camilo José...), lá pelos finais de 60, acompanhada por dois monstros teatrais (o Luís Miguel Cintra e o Jorge silva Melo) que revolucionaram (ou tentaram revolucionar) o teatro português. Deus guarde o primeiro por cá e receba bem o segundo já desaparecido da mundanal cena. Às vezes sinto-me demasiadamente privilegiado. Será que o mereci? 

 

* E não percam  “Mythos” de   José Pedro Serra, RTP 2, aos domingos, cerca das 23 horas. Um regalo! 

au bonheur des dames 595

d'oliveira, 20.05.23

“Quando o sábio aponta a lua...”

mcr, 20-5-23

 

 

“...o tolo só repara no dedo!” Ora aqui está a prova provado que devo ter engolido um inteiro dicionário de provérbios. Em boa verdade, eles ocorrem-me sempre que me deparo com toliçadas de todo o tamanho e a época está mais cheia disso do que de cerejas.

Desta feita, dediquemos umas breves linhas a essa coisa informe que se chama SIS.

Devo confessar que órgãos ditos de informações e de defesa do Estado me causas reacções medonhas de defesa pessoal. Estou vaxinado contra esse tipo de organismos que à pala da “defesa do Estado”, graças a “informações” acabam sempre por se tornar em temíveis aparelhos contra os cidadãos. 

Com a idade que levo, com os 14 processos da PIDE que tenho em meus nome na Torre do Tombo, com a recordação amarga de três prisões e uma inquirição na pide portuense que felizmente acabou sem chatices, com as barreiras profissionais que o empenhamento político ( e a respectiva reacção policial) que me caíram em cima, não é difícil imaginar o que penso destas coisas que não defendem a liberdade individual e escarafuncham a vida pessoal e profissional das pessoas para além de tentarem policiar o espírito e detectar a maldade nas nossas pobres cabeças.

O meu lemade vida é desde há sessenta anos este: à polícia e aos costums iz-se nada

Ora nesta rábula de mau gosto e de duvidosa moralidade, essa aventesma chamada SIS, deu-se a uma tarefa impossível, ilegítima e ilegal: ir resgatar um computador “roubado”, a meio da noite (!!!, ai que saudades da pide!...) a um cidadão que, obviamente atemorizado se viu obrigado a entregar o objecto “roubado” a um agente.

No dia seguinte, a mesma aventesma pela voz melíflua de uma directora geral com o apoio extraordinário dum órgão de vigilância sobre o mesmo absurdo organismo, tentaram disfarçar afirmando que nunca houve roubo (rebentando assim com a palavra do 1º Ministro e dando-o como pateta ou mentiroso) e que por isso tudo estava certo tanto mais que o cidadão antes ladrão entregara a peça de livre vontade, sem violência física.

O organismo que vigia o bom comportamento do SIS, pela voz de uma senhora que há um par de anos provara a sua formidável competência como ministra, cargo de que foi defenestrada pela vontade maldosa de um Presidente da República, veio a publico dizer tudo bem, tudo como dantes quartel general em Abrantes!

Claro que tudo foi mal, tudo foi acanalhado, tudo foi imbecil e, sobre tudo, ilegal.

Quem chamou o SIS? Pelos vistos uma Chefe de Gabinete que não sabe nada de nada e se oferece como capa e escudo de um ministro que também não percebe bem estas coisas.

E não percebe pela razão muito simples de que para resolver o que ainda era suposto ser um toubo, chamou a Ministra da Justiça para acionar a polícia judiciária e o ministro do Interior, digo da Administração Interna para alertar o comandante geral da polícia.

Sorte tivmos, apesar de tudo por não se ter lembrado da GNR ou do SEF!. Claro que, pessoa contida, o sr Galamba esqueceu-se de alertar a NATO, a ONU, o rato Mickey e o Luky Luke.

Este último viria, aliás, a propósito dado que os irmãos Dalton seriam quatro tantos quantas as valorosas guerreiras agredidas no ministério por um Luky Luke enlouquecido e transviado.

O que espanta, se é que algo nesta historieta miserável de faca e alguidar, é o à vontade com que se substitui um simples telefonema para a esquadra mais próxima, pedindo o polícia desserviço para deter um assaltante.

O que espanta é esta multiplicidade de acções todas ao mais alto nível  comprometendo ministros a meio da noite! O que espanta ainda mais é que estes ministros acorreram pressurosos em defesa do mimoso colega e das suas valquírias doloridas e chorosas emprestando a sua autoridade e mobilizando as polícias do Estado!!!

Em boa verdade usaram-se os tanques Leopard, os misseis patriot as bombardas de Diu e os sinos da velha Goa para matar uma incómoda pulga que ferrava descaradamente na carne inocente do ministro Galamba.

Nada disto incomoda as pessoas que assistem estarrecidas a esta cornucópia de burrices supinas?

Este ministro, as suas girls insofridas, os colegas sempre atenciosos, o 1º ministro “envalentonado” , os deputados do PS sempre compreensivos (todos, sem uma voz discordante, uma que seja?), tudo organizado em quadrado como Nuno Alvares nos Atoleiros ou Mouzinho em Gaza contra o tremendo Gungunhana e dando “gritos selvagens tais como Viva Portugal, às armas, lutar ou perecer!” (sic, dos manuais militares antigos).

Eu, desculpem os leitores a quem estes maus modos poderão estarrecer, quando vejo um ”serviço de informações” (que legalmente só informa, nada mais, ponto final, parágrafo)  entrar nesta coboiada nocturna, ameaçadora  e ilegal, lembro-me logo da pidlhada, desse miserável grupo de patifes, dos cabrões que os toleravam e apoiavam. Felizmente, já estou com uma idade canónica pelo que duvido que a coisa se torne mais ameaçadora antes da minha morte. Mas que é ameaçadora, disso não tenho duvidas, que é absolutamente contraria aos mais simples imperativos democráticos, idem aspas, aspas.

Tudo isto é reles, nauseabundo e miserável. Quanto às criaturas que deviam fiscalizar o SIS, só me resta relembrar o título do folhetim, recomendar-lhes óculos graduados ou, melhor ainda e mais honroso, a demissão.

Por uma de duas razões: ou não perceberam nada ou fizeram um frete.

au bonheur des dames 594

d'oliveira, 19.05.23

 “Olá cambada!”

mcr, 19-5-23

 

Calma, caros leitoras e caríssimas leitras. Eu seria um escriba aleivoso e ingrato se entendesse tratar assim quem tão generosamente me atura usando e abusando dos dos humores biliosos e atrabiliários.

O título é tão só uma citação de Herma José, melhor dizendo de uma das suas personagens, um comentador desportivo do Norte com tendência para o biberão vínico.

É verdade que a criatura tratava por cambada os seus espectadores em tom carinhoso. No Norte é assim, ou seria assim, não fosse os tempos e a televisão terem mudado os costumes.

Ora, e aqui é que está o busílis, anda por aí uma cambada, num sentido muito menos carinhoso do acima citado.

O caso TAP destapou (perdoem a graçola) um par de situações, outro tanto de actuações que se eram possíveis numa república bananeira ou num estado autocrático, são inqualificáveis num país europeu, membro da UE, gabando-se de democrático. 

Ao ouvir certo ministro apenas consigo pensar nesse Bolsonaro ora retirado ou no Maduro inda em funções. Egos desmesurados, completa falta de respeito pelos procedimentos democráticos, incapacidade em detectar as linhas vermelhas da acção política, tudo isso mesclado a um “chico-espertismo” que tenta fazer dos cidadãos meros e parvos súbditos e da governação uma garraiada à antiga portuguesa.

A televisão tem fornecido diariamente uma dose cavalar de mentirolas, de inverosimilhanças que bradam ao céus mesmo se, como diz  o rifão, não o atinjam (o céu, claro!).

Depois de ver a sr.ª Chefe de Gabinete na televisão fico com a violenta convicção que se entre ela e sr. Pinheiro ocorresse uma troca de bofetões o ex-adjunto ficaria KO ao primeiro assalto. Imagine-se agora, o que é que sucedeu quando o alegado ferrabrás defrontou as temerosas quatro donzelas!...

E há ainda um segurança! 

E a polícia, longe de prender o alegado malfeitor e agressor, toma-o pela mão e com extremos de cão S Bernardo o leva escoltado para o exterior  com o computador que começou por ser roubado mas agora já não a fiarmo-nos no agente do SIS que o foi heroicamente recuperar na rua! 

Esta gente galambuzina anda de cabeça perdida e não percebe (ou não consegue perceber) que “cada cavadela cada minhoca”. 

Aliás, alguém, de bom senso (ou quase) acredita que as delicadas virgens ofendidas do gabinete, todas dependentes do ministro, irão escrupulosamente dizer toda a verdade, só a verdade?

Alguém, mesmo “lelé da cuca” acredita que uma francesa que nunca conseguiu aprender três palavras portuguesas, viria pedir que a admitissem numa reunião “preparatória” onde todos alanzoariam em português e. provavelmente, nenhuma dessas luminárias fosse capaz de dizer duas em franciú?

Alguém mesmo com estágio feito em Rilhafoles, entende como é que o SIS entra na história, como é que um agente dessa esquálida agencia entende poder dizer a um cidadão que seria melhor entregar a máquina carregada de tremendos segredos de Estado   para evitar piores consequências?

Neste género de polícias ou semi-polícias, de órgãos de “defesa do Estado”, fora a  duvidosa fama de que gozam, os segredos de um ministério como o das infra-estruturas são algo de ridículo. “Informação reservada”, aceita-se mas algo que pode fazer perigar a pátria é assombroso! Ou não!

Que um ministro como o sr José Luís Carneiro se apresse a ir à CPI defender o seu coleguinha de Governo, vai para além do meu entendimento. Que mais uns ministros/as venham à liça armados em vivaços é claramente sinal de que algo está podre no reino de Portumarca!

Quem deve estar a rebolar-se de gozo, tirando o sr Ventura, é o locatário de Beém que, em linguagem tauromáquica (eu pouco sei disso mas não resisto), citou o touro, deu-lhe meia praça e sorriu como se fora um lacrau a preparar-se para ferrar no pescoço de quem o transporta pelo rio. 

E aqui chegado (como o sr Marques Mendes) devo avisar que nada disto, deste carnaval em Alguidares de Baixo, deste tropel de tolices, de burrices, de imprudências, de impudências, me alegra.

É que, dibos me levem, sou português há mais de oitenta anos, tentei lutar por algo em que sempre acreditei, passei as passas do Algarve, perdi muito tempo para agora ver em que é que isto deu!

Há uma antiga expressão, “isto é uma choldra” que começa ou recomeça a tomar cada vez mais visibilidade e verdade. E foi usada por outro e mais original “vencido da vida”. 

 

 

 

 

au bonheur des dames 593

d'oliveira, 17.05.23

  Macho lusitano -1, 

frágeis donzelas -0

mcr, 17-5-23

 

 

A causa feminista nacional está pelas ruas da amargura segundo as notícias que chegam do couto de Galamba.

Um intrépido macho lusitano  que anda próximo do chamado (em pugilismo) peso mosca, deu forte e feio em quatro mulheres indefesas e juntas no propósito da defesa dos sagrados valores ministeriais infra-estruturais!

É obra! Aquele magricela, caixa  d’óculos, mais ossos que carne, arreou nas quatro a pontos de estas terem alegadamente chamdo a polÍcia, o SiS, a Nato, o exército ucranianos e os irmãos metralha!...

Quando voltarem a falar de igualdade de género, lembrem-se desta nova batalha de Ourique (onde por acaso os reis mouros seriam cinco mas enfim é o que se conseguiu naquele alto momento pugilístico). Se um “finguelinhas” tipo Frederico Pinheiro consegue amansar quatro mulheres, temos pano para mangas sexistas para mais um bom quarto de século!

E Frederico pode bem comparar-se com o “Grande”, o da Prússia, o amigo de Voltaire que deixou quando morreu uma Prússia fortíssima e vencedora de cem batalhas.  Este “nosso” Frederico mesmo franzino tem um futuro assegurado: trinador de claques de futebol, daquelas que se distinguem pela delicadeza, pela elaborada linguagem com que descrevem os adversários, os árbitros e espectadores que ingenuamente acorrem ao estádio do clube adverso.

(e mais não digo porque a televisão  dá conta de intervenções policiais nos estádios do Porto, do Sporting e do Benfica à procura de documentos que provem um largo número de fraudes de variados tipos).

Tenho, porém, a forte suspeita de que tudo o que acima foi escrito não corresponde  à verdade.

Que o sr Frederico Pinheiro para além de não poder assemelhar-se ao prussiano nem, aliás, a nenhum dos Fredericos com destaque para o Barba Ruiva que passou a vida a chatear o Papa  , não pode sequer arrogar-se da qualidade  de feroz combatente mas tão somente pela compleição e pelas ultimas aventuras não passará dum Freddy apanhado nas escaramuças de um ministro naufragado entre inverdades e delírios de meiaduzia de criaturas que sabem que se o Ministro cair elas cairão também.

E por isso Freddy oi acusado de gatuno por duas figuras governamentais: por isso foi interpelado por um agente do SIS que, à boa maneira de antigamente, lhe deu uns safanões verbais (vá lá só verbais mas aterrorizantes, explicando-lhe “o que seria melhor para  ele” pinheirinho receoso de ser talado ).

O espectáculo da CPI vale mais do que dez bons livros de História e merecia ser visto obrigatoriamente por todo e qualquer aspirante  (sem partido)  a político  metido nos “gabinetes”.  

A verdade ,ou algo que se vai custosamente parecendo com isso, vai surgindo aos borbotões ou, melhor, aos repelões. 

E bem verdade que mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo e uma banal história de uma indemnização esrá a rolar cada vez mais depressa podendo mesmo tornar-se numa avalanche. 

É que ninguém explica o roubo que já não é roubo, as pobres virgens agredidas por um finguelinhas mais frágil do que qualquer delas, um telemóvel esvaziado,  apontamentos de reuniões surpreendentes num computador usado à vista de todos, enfim uma lista que seguramente vai aumentar.

Pessoalmente sempre fui um forte leitor de policiais e puxa-me o pé par a política. Tudo junto permite-me afirmar que a novela que se está a escrever na CPI  inda vai no adro. 

Assim sendo, o melhor é esperar pois isto não obedece às antigas regras da Agatha Christie. 

O mesmo é dizer que agora as coisas são mais à bruta e o sangue espirra para todos os lados ...

estes dias que passam 800

d'oliveira, 15.05.23

Um cheirinho a autoritarismo e a passado

mcr, 15-5-2

 

deixei de fumar há uns bons 25 anos. Foi uma decisão pensada mesmo que, fumador inveterado, nada sentisse quanto os efeitos do tabaco.

Apenas isto, subitamente pensei que deveria parar, e parar imediatamente, sem apelo nem agravo. Por uma questão de bom senso a que não faltava uma ponta (ou várias) de orgulho.

Como única ajuda, arranjei uns selos aparecidos na altura de que o médico que consultei para pedir a receita obrigatória, disse que talvez valesse a pena tentar.

O tom pouco convicto de médico depois de saber que eu jogava na primeira divisão fumadora a quatro maços por dia, exasperou-me e deu-me mais força para enfrentar o desmame do tabaco. Comecei por usar o selo e, de duas em duas horas puxava do cigarro e dava-lhe uma aspiradela. Uma e só uma. Guardava a pirisca esperando que me desgostasse para a próxima mas nem isso ocorreu. O meu dia nessa época dava para três quatro cigarros avidamente acesos e chupados!

Ao fim de mês e meio, num dia em que almoçava com a minha mãe em Cascais, fui pelo cigarrinho e e descobri que me esquecera do maço. “Não faz mal, fica para a hora do lanche. À hora do lanche desafiei-me e deixei para depois do jantar. E quando chegou  a hora, decidi ir para a cama a secas.

Nunca mais puxei de um cigarro mas durante um ano andei sempre com um maço no bolso. Devo dizer que este desmame à bruta (os selos eram para três inteiros meses...) provocou-me semanas, que digo!, meses de algum sofrimento. Tanto mais que sonhava apavorado que estava a fumar!

Nunca mais fumei, deitei o maço fora e até hoje. Parece que o meu pulmão estará em grande forma como se nunca tivesse acendido um paivante. 

Não sou um anti-fumador convertido à verdade, mesmo que me custe sentir o fumo de alguém que, eventualmente fume perto de mim.

Quando saiu a lei que ainda nos rege sobre o uso do tabaco fui entrevistado e disse que, em certos pontos, me parecia demasiado severa.

Agora, uma senhora secretária de Estado veio à janela da televisão e anunciou um terramoto anti-tabágico.  

Lembrei-me logo da “lei seca” nos Estados Unidos, verdadeiro motor da implantaçãoo e crescimento desmedido da Mafia ou, melhor de várias máfias, do crime organizado das perseguições aos bares clandestinos, da corrupçãoo que cresceu no seio das polícias por via dos pacotes de dólares dos gangsters, enfim lembrei-me de tudo. Que a medida não resultou nem fez diminuir seriamente o número de bebedores todos sabemos. Que após o fim da lei seca as mafias se reconverteram nas drogas, idem, aspas. Que os crimes causados por alcoólicos não diminuíram é uma evidência, sobretudo num pais onde as armas mais sofisticadas se compram quase em todas as esquinas.

Temo bem que esta lei por ora anunciada, este higienismo a outrance, este pacote severo que lembra o passado (e eu conheci e vivi trinta anos nesse passado de medo, denuncia, “bufaria”, pide desenfreada) autocrático, afascistado do país.

Há na nova hipótese de lei coisas que bradam aos seus mesmo se não chegam às orelhinhas da Secretária do Estado ou do Ministro da Saude que de resto só se ouve a si próprio e gasta o seu tempo a perorar sobre as maravilhas actuais do seu ministério. 

A coisa lembrou-me um romance que foi um enorme êxito, “A 25ª hora” até em português foi traduzido! 

Suponho que é aí (ou será noutro romance também lido mas de que não recordo o nome) que aparece a história de um grupo de adolescentes convidados a uma qualquer dura tarefa nos tempos da Roménia comunista. A descrição do futuro que o camarada controleiro faz do trablho que eles irão desenvolver parece um radioso conto de fadas futurista que, inclusive, trará aquela região “um céu mais azul”.

Eu desconfio, sempre desconfiei das boas intenções que justificam sempre leis restritivas da liberdade individual e que, ainda por cima, nem sequer tomam em linha de conta a realidade nacional. 

A proibição de venda de tabaco em cafés vai sobretudo cair sobre todo o interior, sobre o litoral menos habitado onde também há povoações que só tem um café/tasca para todo o serviço.

A televisão já mostrou um velho alentejano que terá de calcorrear mais de vinte quilómetros para encontrar uma tabacaria. 

Também não percebo porque razão se há de vender tbaco nos aeroportos se no resto do país há tantas restrições, desse a proibição das máquinas, à proibição de venda em papelarias, quiosques e tudo o resto...

Na melhor hipótese é mais um frete que este Governo sempre obsequioso, sempre de pata pedinchona estendida ao eventual estrangeiro que trará para cá o cacauzinho que não aquece as algibeiras portugas, A proibição nas bombas e serviços assimilados das autoestradas convive com a exuberância de álcoois de venda livre. Afinal um condutor bêbado (e rodos os dias se apanham dúzias deles) não consegue prejudicar tanto a nossa rica saúde como o cigarro.

Claro que vai haver prevaricadores em todas as esquinas e, a menos que se recrutem à fartazana, polícias, bufos e restante pessoal, a coisa vai ser uma lei seca à portuguesa. Na falta de sítios onde comprar os cigarrimhos não faltarão locai clandestinos, vendedores clandestinos, enfim mais uma pequena mafia que crescerá como crescem todas as outras. Por exemplo, as da droga que enchem o país de lés a lés, desde os portões das escolas até locais pouco frequentados onde a qualquer hora se pode ver um mariola a picar-se, outro a fornecer, vários acampados (basta ver o que se passou no Porto...) miúdos a roubar primeiro os pais, depois os familiares e no fim toda a gente. Até morrerem de overdose!...

Entretanto, o álcool vende-se livremente, a garotada universitária faz questão de desfilar no cortejo da queima bêbada como um cacho, o que resto já se tornou uma tradição.

A vida, dita nocturna, a movida à portuguesa, exemplifica como o álcool circula. Se for preciso há sempre um adulto para ir buscar lá dentro uma rodada de  cerveja. Isto quando os proprietários se mostram difíceis, o mesmo é dizer que ou se coloca um polícia a casa canto do balcão ou a venda entusiástica continua.

Os restantes dispositivos legais anunciados não destoam deste higienismo, melhor dizendo desta pobre imitação   de uma autocracia higienista.

O actual ministro perde-se em palavreado mesmo se, como hoje, as notícias falam em consultas adiadas por três ou mais anos. Como de costume é o Interior qu apanha com os atrasos. Esta hipótese de lei parece um fuga para a frente.

Pelos vistos a Secretária de Estado, que será um médica experiente, não se pode gabar de algo que neste caso, é política pura e dura. Provavelmente daria uma excelente missionaria nalgum perdido país africano onde, de resto, poderá ainda subsistir o saudável hábito de comer os religiosos que os procuram confortar espiritualmente quando eles, sofrem de fome, de pobreza, de doenças e de agressões militares. 

Os portugueses tem problemas piores do que o tabagismo mesmo se este não seja grave, como o alcoolismo! Como as drogas pesadas! Como a falta de médico de família, de urgências abertas, de  cuidados continuados (terão fechado quase noventa camas recentemente...)

Não lhe desejando que figure no menu de um bando de canibais sempre lhe recomendaria o regresso ao hospital onde exercia uma medicina de qualidade. E recordar-lhe que há uma coisa chamada “princípio de Peter”. Ao ministro já se não recomenda nada. Nõ vale a pena!... 

 

 

 

Au bonheur des dames 592

d'oliveira, 13.05.23

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Uma oportunidade de ouro

mcr, 13-5-23

 

 

Com o habitual estrondo  que muitas vezes  é apenas tiro de pólvora seca, o Estado anunciou que vai gastar 3200 milhões na habitação.

(o mesmo que foi consumido no poço sem fundo chamado TAP)

Claro que uma coisa é anunciar, outra fazer e fazer a tempo e horas, bem e com a possível rapidez. Este poderia ser o grande investimento interno, lucrativo, português sem concorrência...

Todavia, há quem pergunte onde s empresas construtoras, a mão de obra, os projectistas e arquitectos, os engenheiros e tudo o mais. 

E a pergunta tem sentido porquanto ao que li a construção civil perdeu  quase cem mil profissionais nos últimos anos. 

Das faculdades sai um ror de licenciados em desempregabilidade vulgo ciências humanos mas menos, muito menos arquitectos e engenheiros civis. Também parece que os desenhadores andam desaparecidos em parte incerta...

De todo o modo e se acreditarmos que os 3.200 milhões vão mesmo ser gastos (eu digo isto, fiado num ministro chamado Marques que estava nas infra-estruturas e queria fazer imensas coisas. Fez apenas promessas, declarações, inaugurações de nada e foi rapidamente mandado para Bruxelas onde, pelos vistos, também não parece ser um génio).

Portanto onde é que se começa e se começa depressa e bem

O mesmo jornal que anunciou este projecto ambicioso vem agora referir que um (1) em cada cinco (5) senhorios quer vender os seus prédios. Ou seja retirá-los para já do mercado de arrendamento, o que a curto prazo terá um dramático significado pois a procura é gigantesca e a retirada de 20% das habitações possíveis é uma catástrofe. Social e não só!

Ora, é aqui que o Estado pode entrar já comprando não o total de casas alegadamente fora do circuito do arrendamento mas pelo menos as que cabem em dois ou três mil milhões. A única preocupação que vem à ideia é a desconfiança dos senhorios que, atemorizados pela medida tremenda do arrendamento forçado estão a querer salvar o património mesmo com eventual prejuízo pois uma venda súbita nunca é uma boa venda. 

É evidente que uma campanha maciça de compras há de necessitar de um regimento, dois ou três, de advogados desses que ganham miseravelmente o salário mínimo para com rapidez ultrapassar a burocracia de notários, conservadores, enfim do aparelho de Estado que encontra sempre mais uma vírgula para “chatear indígena”

Assim duma penada davam~se uns dinheirinhos a ganhar a essa pequena burguesia em vias de proletarização, mitigavam-se esperas intermináveis e, num futuro muito mais próximo o Estado senhorio começaria a alugar com rapidez as casas aos desgraçados que não conseguem ver uma casa a preços razoáveis. 

Os leitores mais avisaos acharão (com fortes razões)  que estou aqui a pregar no deserto e que nada disto avançará a passo largo, não digo a trote mas com alguma urgente rapidez.

E pensarão que este descoroçoado mcr está a ter visões, tanto mais que hoje é o 13 de Maio, dia milagreiro por excelência. 

Eu sou um incréu antigo, dou-me pouco com milagres mesmo se, a fazer fé no frade António Brandão, um meu longínquo antepassado terá o milagre de Ourique com mais seis comparsas (três bispos no lote!!!). Como se sabe a visão aparecida ao nosso primeiro rei levou os cristãos à vitória sobre uma chusma de mouros malvados. Claro que há historiadores de má vontade que dizem que nada disso aconteceu. Entre eles o meu amigo José Matoso que me explicou muito seriamente que aquilo não era verdade. Tive de lhe dizer que também eu acreditava numa mentira piedoso do avoengo o historiador respirou fndo e como bom clérigo passado à vida civil perdoou-me e até pagou um opíparo almoço de lampreia. Aqui para nós, apesar do seu aspecto ascético, era (ou é ainda) um bom garfo. 

Portanto leitores que até aqui esforçadamente chegaram, também este vosso escriba tem as maiores dúvidas no projecto das Arábias ora apresentado. Mas que querem, eu sou portuga até ao sabugo, de Buarcos terra de gente marítima e pobre, fiel à Senhora da Encarnação mesmo tendo por vários anos sido peregrino  a Santa Rita de Cássia, padroeira (entre outras) das mulheres  maltratadas pelos maridos. Era vê-las, no fim da procissão,  vestidas de roxo, a desfilar perante o olhar brejeiro dos maridos, minhotos – como o meu  antepassado – de mão leve e (in)justiceira).

A senhora  da Encarnação, há de perdoar-me este desatino nortenho que eu como diz a cantiga , levo-a no coração

“Ó Buarcos, ó Buarcos

senhora da Encarnação. 

O retrato da Senhora 

Levo-o no coração” 

 

Todavia, não perdoará ao Governo que, mais uma vez, falhe esta promessa que, ao invés de Fátima, é feita a dezenas ou centenas de milhar de portugueses que esperam casa decente a preço decente.

E com esta me despeço pois ando de olho tento em Bakmut onde os ucranianos avançam devagarinho e em Istambul onde, desta feita, graças a Alá, Erdogan morderá o pó

Musse s sein, sol es sein (esta em alemão é uma homenagem ao trisavô Ernst Richard Heinzelmann, brandeburguês e médico que foi para o Brasil exercer uma medicina honrada e para pobres o que deu no nome de um minúscula cidade do Rio Grande do Sul (cidade de dr. Ricardo)

na ilustração: procissão da Senhora da Encarnação

 

 

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