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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 820

d'oliveira, 31.07.23

Mais reflexões do agnóstico do costume 

mcr, 31-7-23

 

Comecemos pelo mais simples: anda por aí um coro escandalizado com os ajustes directos feitos pelo Estado e por Lisboa para obras relativas à Jornada Mundial da Juventude. 

É verdade que a coisa tem ar duvidoso mas também não há d dúvidas que a pandemia e a mudança na Câmara de Lisboa dõ argumentos de peso para o expediente.

Todavia, e para além disso, não deixa de ser oportuno lembrar que em Portugal há o péssimo hábito de deixar tudo para a última hora, de atrasar sistematicamente decisões dec onfiar no improviso e naquilo a que piedosamente muitos chamam o "desenrrascanço" português. 

Saliente-se, porém, que não foi este o mote das vozes condenatórias acima referidas. Convenhamos que nesse coro havia muito de anticlericalismo, de relentos do pior republicanismo jacobino que foi uma das causas da morte prematura da 1ª República.

Lembremos que por cá há o habito de esbanjar dinheiro e recursos em soluções político-financeiras que respondem apenas a perversões ideológicas. O caso mais flagrante é o da TAP onde foram enterrados mais de três mil milhões de euros naquilo que uns patriotaços chamavam a reversão da privatização infame operada pelo governo de Passos Coelho. E recordemos que já antes, melhor dizendo, desde sempre a TAP dava prejuízo. E que, se porventura alguma vez se justificou foi tão só porque o país tinha colónias e necessitava de transportes mais rápidos que os prestados por duas companhias marítimas  que sugestivamente se chamavam Companhia Nacional  ou Colonial de Navegação. Morreu o império morreram de morte macaca as duas empresas. 

A TAP deixou de ter dois apetecíveis mercados (Angola e Moçambique )  que eram caça guardada sua. Claro que o nacional patrioteirismo enche a boca com as "comunidades emigradas portuguesas" na tola convicção que, elas preferem uma TAP cara ao low cost! Como se os emigrantes fossem parolos e ansiassem por ouvir falar português durante uma viajem para e de Portugal!...

 

Eu não sei se as espectativas do dr Carlos Moedas (300 milhões de retorno para os 35 gastos) são certas. Que seja apenas metade já é um forte lucro. Além do que acidade de Lisboa ganha um parque de 30 hectares enquanto Loures (que provavelmente também há de ter adiantado uns cacauzinhos)  "abifa" o dobro. 

Por outro lado o Governo defende-se explicando que os quatro mil jornalistas estrangeiros e o milhão de jovens que por aí virão serão embaixadores de Portugal, dos seus encantos, da boa comida, e barata!, da simpatia natural dos portugueses. Convenhamos que esta operação é um momento único na campanha publicitária do produto Portugal e que se fosse paga custaria muito mais. 

Mesmo o famoso e custoso palco do novel parque poderá eventualmente pagar-se com a possibilidade já avançada de sítio privilegiado para espectáculos de toda a ordem. 

Se as coisas correrem normalmente, isto é bem, o país poderá regozijar-se tanto mais que o que parece, tudo está pronto, a tempo e horas.

Eu tenho seguido via televisão as reportagens sobre a chegada e acolhimento dos peregrinos. Mesmo que tenha havido algum cuidado na escolha parece mais que visível que dezenas de milhares de jovens se sentem bem recebidos, melhor acolhidos e que isso mesmo transmitirão a familiares e amigos. E isso conta, Ou melhor: isso não tem preço.

Por uma vez, sem exemplo, estou de acordo com o Presidente da República, com o Governo, com o dr Moedas e com a Igreja ou pelo menos com o seu representante, o novíssimo cardeal que com alguma sensatez pede que as críticas sejam equilibradas.

 

Não vale a pena referir algum argumentário imbecil do qual destaco a ideia de que com estes milhões poderia ter-se dado uma casinha a uns milhares de portugueses.

Com o dinheiro estoirado pela TAP quase que se construiriam duas ou três cidades! 

o populismo baratucho vai criando raízes, e fundas, no torrãozinho de açúcar, mas espero que não renda demasiados votos aos seus propagandistas.. Confiemos em que a silly season que agora começa faça esquecer rapidamente estas rosnadelas .

 

Deixemos para o fim o "acro cultural" (!!!) da passadeira concebida por uma criatura que se faz chamar Bordalo II. Se em vez de cultural lhe chamássemos manifestação política pouco teria a dizer É um direito  constitucionalmente consagrado e que deve ser "religiosamente" (passe o termo) salvaguardado. 

Poderia discutir o bom gosto  da manifestação ou a sua oportunidade. Ou o oportunismo. É que num ápice este mais que ignorado Bordalo II ganhou uma gigantesca publicidade gratuita e já pouca gente haverá que pelo menos o não conheça de nome. Há dois dias que a passadeira a desenrolar-se na escadaria do altar entra em todos os noticiários em a qualquer hora. OA criatura é seguramente mais conheci da que, por exemplo, Eduardo Batarda um artista com uma carreira de 50 anos e centenas de páginas de crítica entusiasmada (eu mesmo já aqui o referi um bom par de vezes!).

Claro que é provável que depois deste breve intermezzo a criatura Bordalo II volte à obscuridade de onde surdiu. Mas foi notícia e isso afaga muitos pequenos egos e cria a ilusão do favor público perante a "arte" ou pelo menos esta "arte" feita à base da fotografia de uma nota de quinhentos euros.

 

(a tempo: no noticiário da tarde da SIC revela-se que alguns hotéis tem quartos vagos. É bom lembrar que há umas semanas se falava de preços absurdos na hotelaria. A fé pode mover montanhas mas os fieis não são assim tão idiotas.)

estes dias que passam 819

d'oliveira, 30.07.23

A tentação do abismo

mcr, 30-7-23

 

As eleições em Espanha confirmaram um par de suspeitas e , por agora, atiraram para o purgatório os dois grandes partidos de sempre e para o inferno os restantes.Com, entretanto um par importante de diferenças.

Assim, o PP averba 137 deputados enquanto o PSPE fica com 121. É um clara derrota deste último diga-se o que se disser. 

Por outro lado, o Vox tem mais votos e mais deputados (33) do que o SUMAR (31), uma coligação frágil que nada grante que se mantenha, caso não consiga associar-se ao PSOE (e mais alguém...) para manter a ficção de unidade enquanto as coisas correrem de feição. O problema é que uma coligação à esquerda parece tarefa quase impossível, tanto mais que só poderia ir buscar duvidosos aliados a partidos claramente conservadores ( o caso do PNV e dos dois partidos catalães que ao contrário do primeiro levam a exigência da soberania catalã a níveis muito mais alargados e, parece ao observador mais desatento, pouco empenhados num governo "centralista".) Resta o BIDU, que apresenta na sua lista de dirigentes vários ex-terroristas acusados de crimes de sangue  podendo mesmo afirmar-se que não passa de um resquício da ETA (que de resto também conheceu ao longo da sua sanguinolenta existência uma boa meia dúzia de cisões.

Por muito que se pretenda afirmar que o Vox (um partido claramente de Direita  mas com muito pouco a ver com o passado franquista que, de todo o modo, já tem cinquenta anos) teria numa "aliança" com o PP uma força irresistível convém lembrar o seu peso nessa coligação seria sempre menor do que o do SUMAR aliado ao PSOE. Dir-se-á que tal coligação já existiu. Não é verdade. O SUMAR junta os restos do Unidas podemos com outras pequeno grupos que até incluem um fantasmático partido comunista, uma organização moribunda em vias de passamento ou mesmo à espera de certidão de óbito.

Como eventualmente, os leitores saberão, estas eleições foram adiantadas cerca de seis meses, num expediente que toda a gente entendeu como truque do dirigente socialista para limitar perdas e não permitir aos adversários tempo para preparar eleições que(como se viu) se suspeitava que sempre ganhariam,

Não vale a pena especular se o acto eleitoral em Dezembro teria um resultado ainda mais sólido para o PP mesmo que foi essa a premissa que levou ao adiantamento da data. 

A verdade é que um entendimento do PSOE com o catalanismo se afigura difícil senão impossível. De resto até impende sobre Puidgemont um mandato de captura razão pela qual ele vive vagamente exilado na Bélgica. 

Também é verdade que para Feijoo as coisas não parecem fáceis. Quer o PNV que os canários não aceitam um governo apoiado pelo VOX  que tem sobre os nacionalismos e sobre as autonomias uma visão absolutamente crítica senão claramente condenatória. 

Numa palavra, a Espanha está prestes a ter que repetir eleições e não é com os velhos slogans da Pasionária (no pasarán!) que as coisas se resolvem. 

Por cá, nos primeiros momentos, pareceu passar um frémito de entusiasmo por entre os saudosos da Geringonça. Nem sequer fizeram contas aos resultados das quatro maiores formações políticas e tão pouco se aperceberam d natureza especial dos partidos regionais. Tenho mesmo a vaga suspeita que desconhecem quase tudo sobre esse fenómeno espanhol. Há entre a nossa inculta elite política um velho ódio a Castela  e um esfusiante entusiasmo  pelas realidades desconhecidas de Bilbau ou Barcelona (não refiro a Galiza pois, como se sabe o independentismo galego é praticamente folclórico).

Depois, como é sabido, as geringonças servem apenas para dar tempo ao partido dominante para ganhar tempo e assentar o seu poder. Depois é o que se sabe. 

estes dias que passam 818

d'oliveira, 28.07.23

Reflexões avulsas de um agnóstico

mcr, 28-7-23 

 

Como a esmagadora maioria dos portugueses cresci e fui educado no seio do catolicismo. No início da idade adulta, e depois de ter estado interno por dois anos em colégios geridos por padres, perdi a escassa fé que eventualmente teria e deixei de ser religioso. A coisa aconteceu serenamente, não tive angústias de qualquer espécie e saí mansamente da Igreja sem olhar para trás ou com uma carga de rancores variados.  Já passaram mais de sessenta anos desse abandono e continuo a olhar para a Igreja católica com a mesma plácida indiferença.

Todavia,  como qualquer pessoa interessada no que se vai passando, nunca deixei de observar com alguma atenção as vicissitudes do cristianismo em geral e da Igreja católica apostólica e romana. 

Tenho um profundo horror pelos "mata-frades", duvido do ateísmo militante, entendo que a religião é o porto de salvação de muita e boa gente, olho para as aventuras da Igreja de hoje com um moderado mas sincero interesse. 

Defendo obviamente a laicidade do Estado, a igualdade das religiões perante a lei mas não deixo de verificar que quando, por cá, as coisas apertam, há da parte da Igreja portuguesa e da sua galáxia de instituições, um claro e profundo empenhamento.

Aliás isso não é caso único. Basta recordar que a força do Hezbolah palestiniano reside muito no facto de serem as suas diferentes instituições a única resposta eficaz ao desastre que caiu sobre esse pobre povo.

 (e com isto não estou a deixar de condenar as reacções terroristas e estúpidas ou a condenar cegamente o povo de Israel  que tem manifestado na rua com profunda e aguerrida persistência o seu desejo de democracia, de liberdade e, quem sabe, de uma solução diferente para um conflito que começou ainda antes de 1948 e que continuou sempre e cada vez mais violento até hoje)

Identicamente, recordo o apoio da Igreja luterana (e em geral das restantes igrejas reformadas) à crescente resistência do povo leste-alemão contra a infame ditadura que (des)governou a Alemanha dita "democrática".

E, já agora, e mesmo ali ao lado, o papel militante da Igreja católica no confronto com o governo polaco. 

Porém não é sobre isto que entendi escrever hoje mas tão somente sobre um fenómeno associado à "Jornada Mundial da Juventude" que, asseguram-me trará a Lisboa mais de milhão e meio de peregrinos quase todos jovens.  Já vi e ouvi toda a espécie de discursos sobre os preparativos do acontecimento, acompanhei sem especial surpresa os apelos à laicidade do Estado e as críticas ao despesismo gigantesco que a preparação de um evento desta natureza ocasiona. 

Também ouvi muita gente eventualmente laica a realçar a chuva de dinheiro que esta multidão , mesmo jovem e pouco endinheirada deixará na grande Lisboa e noutras localidades onde passarão multidões de peregrinos. que, ao lado da fé que alegadamente  "move montanhas" há sempre um lado menos visível de negociata é coisa que existiu sempre e bastará, para tal, relembrar Jesus no templo a a azorragar negociantes e prestamistas. 

A televisão entra-me pela casa dentro e nem os noticiários escapam às reportagens sobre os milhares de jovens que já por cá andam vindos de toda a parte (excepto das Maldivas!!!). E tenho seguido espantado o fenómeno da mobilização de milhares, dezenas ou centenas de milhares, de portugueses que abrem as suas portas, acolhem a rapaziada, mesmo o que não deixa de fazer sorrir, que não saibam uma única palavra desses linguajares bárbaros. E vejo isso sobretudo ao nível das pequenas localidades, das juntas de freguesia, das paróquias dos poderes fácticos ou públicos. 

Em boa verdade, estamos a assistir a uma gigantesca mobilização dos católicos que, de repente, aparecem em força, por todo o lado, entusiasmados, hospedeiros, generosos.

Provavelmente esta multidão de portugueses nem se dá conta do seu número excepcional num país que se acreditava descristianizado. É um movimento transversal a toda a sociedade nacional, que junta aldeias e cidades sofisticadas, ricos e pobres, educados ou com a primária por junto, do litoral e do interior.

Não há, neste país, partido, movimento, organização  que se possa comparar a esta súbita conjugação de esforços e de vontades. Como dizia, um autarca de uma pequena terra do interior sobre a recepção feita a cerca de uma centena de miúdos chegados sei lá donde: esta malta quando daqui sair vai ser o melhor grupo de embaixadores da nossa vila.

E vão disso não tenho dúvidas. E lembrei-me daquele fado, se é que era fado, sobre uma "casa portuguesa concerteza" cuja porta se abria se alguém a ela batia. Eu, por convicçõ e formação política e cidadã sempre achei aquilo uma balela sobre o bom povinho, pacífico e inocente que o "Botas" governava com mão de fero e luva de veludo.  

No entanto esta enxurrada de gente parece estar a sentir feliz e bem nesses sítios onde é recebida.

Note-se que falo de lugares distantes, da "província" , do interior profundo  ou de cidades que ficarão muito longe de Lisboa, do Papa, das missas e vigílias mas que, graças a uma mão cheia de gestos simples mas amigáveis, acabam por participa também de corpo inteiro nas "Jornada" 

(jornada que só começa na próxima terça feira mas que, realmente já vai com o dobro dos dias previstos! é obra!

estes dias que passam 817

d'oliveira, 27.07.23

STOP! Parem com as tolices!

mcr, 26-7-23

 

 

 

Nos finais do século passado um vento de ânsia e de ganância  assolou o Porto. Subitamente começaram a surdir centros comerciais em todo o lado. De pouco intressava se a implantaçãoo era boa, se tinha possibilidades de atrair clientes. 

Também não importava se essas novas pirotecnias comerciais dispunham de lojas âncora, de estacionamento próximo  (ou próprio) A ideia era que o público portuense, a exemplo do que acontecera com o primeiro shopping (Brasília), iria irromper em todos esses novos espaços, mal pensados, mal planeados, sem lojas âncora atrativas e tornari os seus promotores e lojistas ricos de um dia para o outro.

Era apenas uma miragem tanto mais que fora da cidade abriam grandes espaços com estacionamento gratuito, fartura de lojas âncora e melhores muito melhores instalações. 

E assim começou o rápido declínio de vários “centros comerciais” que não tinham nada (ou muito pouco a oferecer e menos ainda a seduzir os passantes)

Foi assim que apareceu e, de certo modo , desapareceu o STOP

 Como shopping oStop é um desastre arquitectónico e oum desastre financeiro. Também está em mau estado no que concerne a segurança. 

Está em agonia desde há uma boa dúzia de anos. As lojas foram ficando vazias e entrar ali mais parecia que se entrava num edifício fantasma.

Até que um músico chegou, viu que podia alugar um espaço  para ensaiar a preço moderado e o exemplo frutificou. Uma boa centena de senhorios desesperados preferiu receber bem menos do que tinham pensado mas, de qualquer modo receber um aluguer. Em boa verdade esse dinheiro que entrava ia todo para a coluna dos lucros porque nunca mais ninguém se deu ao trabalho de custear a mantençao dos espaços nem de tratar das necessárias condições de habitabilidade.  

A Câmara Municipal também deixou as coisas correr mansamente. Se o prédio estava degradado, degradado continuou. Ou quase: pequenos remendos, aqui e ali, limpeza sumária, e todos muito contentes.

Por alguma razão que me escapa  as coisas começaram a tornar evidente a soma de problemas do prédio e a CMP lá foi exigindo a renovação das licenças sem grande êxito, melhor dizendo sem qualquer ªêxito. Os donos das lojas não se chegavam à frente, os inquilinos ainda menos e esta doce inércia, este torpor foi crescendo. 

Até à semana passada. Num dia, a polícia municipal chegou e terá selado mais de uma centena de lojas convertidas e estúdios. Um escândalo!

Subitamente, 500(?) músicos ficaram sem local para ensaiar, para trabalhar, para preparar digressões, gravações, sei lá que mais.

A comunicação social comoveu-se. E descobriu um vilão: A Câmara Municipal . 

E começou o habitual relambório. Que era ali, no STOP que a verdadeira Casa da Música habitava, criava, brilhava. A outra era apenas uma sala de espectáculos onde boa parte dos músicos despejados nunca tocou e, provavelmente, não tocará. 

Convenhamos que, para uma cidade que já não atinge os 250000 habitantes, 500 músicos é surpreendente. É um músico por 500 almas portuenses Ou por 2000 se considerarmos o grande Porto. 

Pelos vistos mesmo nesta quantidade, os artistas lá se vão aguentando, pagando os arrendamentos e barrando o seu pão com alguma manteiga. 

Claro que imediatamente surgiram ideias surpreendentes. Que se devia esquecer as licenças, mesmo se há uma lei expressa. Que a CMP devia tomar posse administrativa do centro comercial degradado. E, já agora, gastar uma boa dezena de milhões na reabilitação do local. 

(ao que se sabe as obras mais urgentes  andariam pelos 6 milhões. Pelos vistos a Administração já avisou que não tem sequer um centésimo dessa importância. Os condóminos acham que já perderam o suficiente com a o desastre que desde há muito  assola o prédio. Os músicos afirmam que já pagam os alugueres o que não deixa de ser verdade mesmo se um espaço idêntico noutro sítio os preços triplicassem ou quadruplicassem. 

Claro que a CMP já avisou que não quer o STOP nem oferecido. E põe algumas condições para permitir a reabertura dos espaços selados. A começar pelas licenças e pela obrigatoriedade de ter um piquete de bombeiros permanentemente. De facto há também uma história de pequenos incêndios ocorridos. 

Em alternativa a CMP aventou a hipótese de ceder as instalações abandonadas de uma escola secundaria encerrada. Com um problema: necessita de obras demoradas. E caras. 

Em abono da verdade, há que registar que os músicos despejados além das concentrações que levaram a cabo tem tido uma certa calma nos seus protestos. Alguns, bastantes, perceberam que aquela situação miraculosa não era mais do que uma absurda excepção e, de certo modo, um claro aproveitamento, mesmo se barato, de uma massa de senhorios enterrados num edifício moribundo.

Nisto tudo, conviria recorrer a algum sangue frio e não embandeirar numa certa histeria que esquece que se aqui há vilões esses não são os poderes públicos, a polícia municipal que é obrigada a aplicar a lei,  Por junto o caso remete para uma aventura de especulação imobiliária  que inçou o Porto de centros comerciais (e nem se fala do mais famoso, o “Dallas”, encerrado há muitos anos e sem solução à vista) que obviamente saturaram este ramo de negocio. Há outros locais também em clara agonia e à beira da falência. 

O habitual expediente de tentar atirar para o Estado a responsabilidade pelos problemas que órgãos culturais privados e incapazes de gerar entre o público receitas mínimas, logo, e em alta grita, o  culpam. Quando digo Estado, digo igualmente a autarquia que, ainda por cima, tem uma polícia municipal. 

Claro que o aproveitamento político logo se mostrou em toda a sua radiante espertalhice. As boas almas do costume uivaram que a cultura estava em perigo de morte, que o Stop era alvo de conspirativas tentativas imobiliárias, enfim o costume. 

Parece que tudo isto não passa de ficção mesmo se se possa conceber que mais cedo ou mais tarde um espaço deste género venha a cair na mão de um investidor inteligente que esteja disposto a aguardar pela desistência de umas dezenas de lojistas fartos de perder ou, pelo menos, de não ganhar dinheiro. 

Todavia, a realidade sempre feia é esta: o Stop é uma ruína anunciada, os preços baratos das lojas significam que ninguém está disposto a reabilitar aquilo pelo que vai gerindo o local à espera de um milagre. 

A Câmara não está disposta a apanhar com mais um elefante branco em cima. Os músicos garantem que já pagam bastante, os vizinhos juram que tudo está bem, tanto mais que aquilo animou algum escasso mas mesmo assim desejável pequeno comércio de proximidade. De resto, nos últimos dias deixou de se ouvir falar do assunto, os protestos, se os há, estão amortecidos, é provável que uma solução sempre provisória e de recurso seja encontrada. Contudo sem a tomada de soluções caras o futuro dos 500  (alegados) músicos começa a deixar de passar por ali. A menos que algum alucinado político resolva começar a prometer tudo e mais alguma coisa (que depois não cumprirá)  o Stop será exactamente o que o seu nome indica: um fim de caminho, um “alto e para o baile”. 

E a música..,

 

estes dias que passam 816

d'oliveira, 23.07.23

A política vai de férias

mcr, 23-7-23

 

Enquanto o dr. Costa vai aos antípodas apoiar a equipa feminina de futebol, o doutor Rebelo de sousa mete a viola no saco e espera pelas calendas de Setembro.

A discussão no Conselho de Estado irá continuar daqui a mês e meio coisa que não diz nada a ninguém, Em quarenta ou cinquenta dias muita água passa debaixo das pontes mesmo em tempos de seca. 

Até o momento, as costas de costa folgam. Passou  o debate do Estado da Nação  que foi morno mesmo se os portugueses se mostrem pouco entusiastas do que a Nação lhes promete, menos ainda do que lhes dá.

O vigilante Doutro Rebelo de Sousa vai ter de continuar em vigília  durante os dias calorosos sem nada lhe caia ao alcance. 

É o resultado de uma política populista que o fez trazer ao colo um partido alegadamente socialista mas realmente radical pequeno burguês  que se esforça por fingir que anda mesmo quando está mais quieto que  a torre de Belém.

Costa aproveitou a onda, andou de braço dado com uma esquerda envelhecida e pouco saudável, deu corda a um presidente que adora selfies e banhos de multidão. 

 O Presidente lá recebeu o seu segundo mandato com o apoio do PS e quando pensava que agora  era a sua vez de mandar uns bitaites políticos, uma inesperada maioria absoluta do PS (fruto de um monumental erro dos compadres da geringonça,  convém recordá-lo,,,) mostrou-lhe que contra um escorpião há sempre um escorpião e meio.

Bem pode Marcello falar em dissolução que Costa mesmo com um governo que cai aos pedaços, pouco ou nada se rala.  

Vai continuar no poder, imóvel como até agora e, sem ter de se preocupar com o dr. Montenegro  que mais parece uma suave colina branca que também, e como se vê, é pouco adepta do movimento.

E Portugal, como sempre, lá se afundando na cauda da Europa, envelhecido, perdido em querelas de terceira linha, fingindo que discute temas “fracturanres” para não encarar os eternos problemas que afligem realmente as pessoas. 

É o nosso fado. O nosso triste fado...

estes dias que passam 815

d'oliveira, 19.07.23

As leis burras dão resultados asnáticos

mcr, 18-7-23

fin che labarca va lasciala andare

ou

il y a suremente d’autrs chats a fouetter

 

(prevenção: não sou admirador de Rui Rio, q personagem não me e simpática, já aqui escrevi sobre ele criticando-o. Não tenho qualquer afinidade com o PPD, nunca votei nesses partido e duvido que alguma vez seja capaz de engolir um elefante para em caso de imperiosa necessidade pôr a cruzinha nesse partido)

 

O aparato policial desmedido e absurdo que alguém (procurador ou procuradora) pediu para invadir as sedes do PSD, as casas de Rui Rio e de outros políticos social-democratas seria ridículo se não parecesse, aos olhos da esmagadora maioria dos espectadores da TV uma espécie de ataque encapotado à democracia, ao bom senso e à dignidade dos investigados. 

Que há uma lei imbecil, mal redigida (o que se vai tornando algo de normal nesta selva labiríntica de leis feitas a esmo por pessoas que sabem pouco de Direito e menos ainda de português) não restam dúvidas. Alguns, por pudor, referem “zonas cinzentas” o que é um exercício hipócrita e revela incapacidade de pôr os pontos nos iis e exigir clareza. 

Que ,apesar de tudo, uma lei é sempre uma lei e deve ser respeitada também parece ao alcance de quem está obrigado a respeita-la, seja magistrado ou simples cidadão.

Que um dos remédios para as leis idiotas será deixá-las na penumbra e, por meios discretos, pedir uma segunda, terceira ou milésima leitura  para reduzir ou eliminar os efeitos nefastos ou tontos da sua aplicação seria a solução mais óbvia.

Que a atenção dada às cartas anónimas deveria  ser a regra também não merece grandes dúvidas. Roma não paga a traidores e a cobardia é sempre de repudiar. 

Que arguir  que a prática geral deve ser respeitada mesmo que isso possa significar uma ilegalidade é uma defesa estúpida contra medidas punitivas igualmente estúpidas.

Que Rui Rio  se sinta ofendido compreende-se mas o seu protesto deveria ser mais equilibrado e sensato. 

Que uma televisão chegue à casa do investigado mesmo antes da polícia é uma infâmia que deve ser denunciada, duramente investigada e claramente condenada. Não há qualquer justificação para tudo isso ficar em águas de bacalhau e seguramente não deve ser difícil saber de quem partiu o aviso do escândalo.

Há desde há muito uma prática de indiscrições oriundas da galáxia das autoridades que não só não dignificam a procuradoria, a judicatura e tudo o que a elas está associado como deveriam dar origem a fortes  processos pois é o Estado de Direito, a Democracia e a Cidadania que são prejudicados. 

Cem inspectores (mais um ror de peritos) mobilizados quando o MP  se queixa sistematicamente de falta de meios e se justifica também sistematicamente pelos atrasos inconcebíveis de processos é algo que bradaria aos céus mas que, pelos vistos não incomoda ninguém. 

Note-se que paralelamente não se viu especial ajuntamento para procurar um milionário acusado de corrupção que, aliás, tranquilamente veio afirmar que não andava fugido e que estava pronto a colaborar com o juiz de instrucção.

(um pequeno aparte: este juiz tem tantos afazeres e processos que neste último processo referido teve de atrasar interrogatórios de pessoas privadas de liberdade porque havia outros réus presos!!!  Pelos vistos estar detido nos cárceres da Judiciária para interrogatório é algo de diferente de estar também detido ou presos por outras razões. Ou por outras palavras isto de haver uma espécie de super juízes já mostrou que se persiste em mais outro erro tolo)

Vir dizer que o Estado não foi prejudicado nu, cêntimo é fazer tábua rasa da lei imbecil mas em vigor.

Claro que em termos práticos o Estado não foi lesado e que não há partido algum que ºossa andar a repartir as verbas entre o seu aparelho e o grupo parlamentar. Este último necessita do aparelho para múltipla tarefa e o aparelho só se justifica se ao seu lado houver uma instância que influa na vida política nacional .

O problema é que uma lei burra distingue o que politicamente nunca deveria ser distinguido. O segundo problema é que isto deveria entrar na cabecinha investigadora de quem promove as rusgas a particulares e sedes partidárias.

A srª Procuradora Geral da República veio dizer que não é ela quem coordena os passos de cada processo. Num processo desta claríssima importância política a afirmação de Sª Ex.ª  carece de consistência e de razoabilidade.

Tenho a firme suspeita que tudo isto, fora os efeitos escandalosos já obtidos e o prejuízo na reputação de algumas pessoas  vai desaguar num mar da palha triste e de nula utilidade. 

 

 

Tudo isto existe, 

tudo isto é triste 

tudo isto é fado.

Arre!

estes dias que passam 814

d'oliveira, 18.07.23

Não vale a pena...

mcr, 17-7-23

 

A semana que passou não fica para a história seja esta qual for, incluindo  a cómica. Por uma lado o parlamento, melhor dizendo, a maioria socialista, aprovou um relatórios que, para citar Camilo, merecia “passar para o ventre da mãe terra pelo esófago da latrina”.

Isto no caso de não entupir porquanto estes úteis utensílios de higiene  suportam mal tudo o que lhes pareça fancaria, No caso, ainda por cima, esta era de má qualidade. 

O alegado ministro da Cultura poderia, caso o bom senso e o sentido de oportunidade lhe fossem vagamente usuais, exercer os seus magros talentos críticos naquela redacção a roçar o analfabetismo político (e literário- se é que se poderá sem corar usar esta palavra a propósito daquilo) que uma inerte porção de deputados votou sem corar.

Aproveito o ensejo para relembrar que um multidão de portugueses viu as audições da CPI que, subitamente desapareceram do que deveria ser, entre outras coisas, uma acta do sucedido durante meses. 

É claro que sempre poderemos dizer que a autora daquele esforçado papelucho seria cega, surda e muda pelo que apenas gatafunhou (com perdão das gatas cá de casa e de todos os felinos em geral) o que viu e ouviu.

Segundo os jornais, a redactora do relatório foi sempre uma criatura discreta. Ora aqui está um adjectivo  que com anormal e gigantesca generosidade se lhe aplica. Com a vantagem de não poder ser tomado por acinte ou injúria... 

Deixemos pois este vago ectolasma político e passemos ao flamante político agora arvorado em porta-voz político do Governo. 

O dr Marques Mendes, comentador encartado da SIC veio ontem traçar um perfil do ex-comentador Adão e Silva. Como se sabe, para o dr Mendes  estas luminárias que ornamentam o esquálido panorama político são sempre inteligentíssimas. Convém usar esta paroxismo adjectivante para depois mais facilmente  lhes meter a choupa no cachaço. 

Como alguém dizia: é dar-lhes meia praça que eles atacam de cabeça baixa (e perdida).

Convenhamos que no caso, o superlativo de Mendes não tem razão de ser. Aliás basta citar as palavras deste “chien de garde” (cito Nizan... ) a propósito dos políticos com assento parlamentar e que, atrevidamente, ousaram macaquear personagens de filmes “série b dos anos oitenta”.

Esta observação que só aos olhos dos ignorantes poderá parecer cinéfila propões vários problemas sobre o que realmente foi o cinema desses anos, a série B, e tudo o resto. Claro  que, para alguém nascido em 74, a referência ao cinema dos anos 80 parece indiciar uma actividade cultural muito precoce mas tudo é possível. Também valeria a pena saber a que filmes, série B se refere o novel açoitador dos deputados da CPI. De resto, a que deputados se referia ele?  Todos ou apenas aos que não seguem a cartilha governamental e socialista? 

Quem vai escrevendo isto já e por várias vezes criticou deputados ou varias actividades parlamentares. Sempre com a ideia de que, graças a uma crítica talvez se melhore aquele órgão que é o cerne da vida democrática seja onde for.

Mas há mais. Enquanto um mero cidadão votante posso dizer o que penso e usar até uma linguagem mais dura. Um membro do Governo deveria saber que neste caso de criticas a um outro órgão de soberania há limites, linhas vermelhas, dever de solidariedade e prudência. Digamos que um ministro sofre neste campo de uma “capitis deminutio” essencial. Como aliás um militar em relação ao poder político. 

Poderíamos pensar que a frase “escapou” ao ministro-comentador. Que foi no auge do entusiasmo que a proferiu. No caso, uma declaração clara de desculpas poderia salvar a face. Mas não!   O  sociólogo Adão e Silva  manteve-se na sua e obviamente os deputados (não todos, claro, mas muitos e incluindo socialistas) refilaram. 

Tudo indica, incluindo o passado público do comentador Adão e Silva, que ele cumpre apenas o papel de punching ball de Costa. Vai dizendo um par de asneiras mas isso serve para desviar as atenções do 1º Ministro que, há que dizê-lo, anda em maré baixa.

Ora enquanto a opinião pública se desvia deste alvo graças a façanhudo ministro, outros respiram de alívio. 

Eu não sei se o novel ministro da alegada “cultura” se sente com vocação para pião das nicas mas dado o seu passado de admirador de Sócrates a coisa parece possível.

Nada tenho contra os entusiastas de Sócrates, como nada tenho contra os apoiantes de Pedro Nuno ou de Ventura. Ou outros ( e não são poucos) que idolatram o chefe momentâneo desde que ele os abrigue sob um qualquer guarda chuva político.

Apenas deixo um reparo: tão embrenhados estão nas suas pequenas carreiras que o resto, a felicidade dos cidadãos, a fortaleza da democracia e a saúde da República lhes passam ao lado. Portugal continua adiado e estes primeiros vinte anos do século são disso um triste exemplo- Caminhamos para a cauda da Europa  enquanto definhamos na renovação geracional. Vamos perder população ao mesmo tempo que engrossa a multidão de velhos. De velhos sós, doentes, abandonados. E pobres. Definitivamente pobres. Como legado para as novas gerações é obra! 

Mas disto não cuida o comentador promovido a ministro e transformado em guarda costas político do chefe. A evidência passa-lhe ao lado como, aliás passou no texto da discreta e esforçada deputada que redigiu aquele documento que ficará para a história da incapacidade política hindígena.    

o leitor (im)penitente 212

d'oliveira, 14.07.23

Kundera, um europeu, um grande escritor e um homem de coragem

mcr, 13-7-23

 

A morte de milan Kundera não apanha ninguém desprevenido. A idade (94 anos) era muita e se alguma coisa nos surpreende é a sua longevidade.

De todo o modo deixa uma obra notabilíssima e pode ser apontado como um dos grandes romancistas do século passado.

Teve, para além das vicissitudes da escrita que é sempre uma companheira difícil, uma vida de cidadão que, no mínimo, se pode caracterizar de complicada.

Nascido no Leste europeu, mais precisamente na Checoslováquia, viu o seu país ser implacavelmente agredido  por Hitl e por duas vezes. Na primeira (e com a cumplicidade da maioria da população de origem alemã estabelecida nos Sudetas e depois com a pura e simples invasão e semi-anexação do resto do país.

A”libertação” operada pelo Exército Vermelho no seu impetuoso avanço contra Berlin foi sol de pouca dura. Ficou como um clássico da conquista do poder por dentro a teoria dita do “golpe de Praga”.

Convirá lembrar que boa parte dos intelectuais checos apoiaram ou, pelo menos, não se opuseram ao golpe comunista contra um Governo livremente eleito e de características demo-liberais. As razões são várias mas a principal foi a miserável anuência da Inglaterra e da França (e o silêncio cúmplice de quase todos os outros europeus)  às exigências de Hitler. Não admira que a URSS entre 45 e 48 se tivesse tornado aos olhos de muitos o garante de uma liberdade que cedo se mostrou implacável.

Se Kundera aceitou ou até defendeu essa reviravolta, não faço a mínima ideia se bem que tudo indique que enquanto militante comunista a defendeu. Todavia, poucos anos depois foi pela primeira vez expulso do PC checo. Readmitido alguns anos depois, de pouco durou essa renovada crença nos benefícios do poder dito socialista.

E é de um dos seus primeiros romances que vale a pena falar pois a critica ao regime e aos constrangimentos que impunha for irónica mas expressivamente revelada em “A brincadeira”, livro que descobri pouco antes da “Primavera de Praga”, já Kundera voltara a ser expulso do partido. Não admira que durante esses exaltantes meses de 68 ele se tenha distinguido como um dos principais apoiante da tímida tentativa de Dubcek e que depois, com o regresso da “ditadura do proletariado” à moda soviética, a vida se lhe tenha tornado impossível no país Natal.

Kundera exila-se, vai para França e é daí que a sua obra vai ganhando espessura e a sua famas e consolida. O Nobel , como sucede a tantos, não o distinguirá e não deixa de ser curioso que quando se lembraram da literatura checa preferiram premiar Jaroslav Seifert (poeta de resto excelente mas quase desconhecido fora do seu país) esquecendo os grandes romancistas de que apenas cito Hrabal outro opositor ao governo checo.

A  propósito Borges, que à época teria 85 anos, terá afirmado que “felizmente a academia sueca tinha premiado um jovem  (de 84 anos).

É conhecida a simpatia de Kundera por alguns autores que fazem muito parte cá de casa, Rabelais ou Hasek o imortal pai de Schveik  esse absurdo anti-heroi que mereceu mesmo uma espécie de continuação servida por Brecht.

Desconheço se a última edição  portuguesa do “Bom Soldado...” já está conforme com o original. De facto, este livro memorável, foi publicado em Portugal (Portugália, 1961) numa edição provavelmente baseada na francesa e consideravelmente reduzida. Mais tarde, depois de comprar vários acrescentos em várias línguas cheguei finalmente a uma edição espanhola da “galáxia gutemberg” com 765 páginas que está completa pois compreende os últimos textos do “soldado” (fins de 1922. Hasek morreu a 3 de Janeiro do ano seguinte ).

Tudo isto para lembrar que à semelhança de Hasek, Kundera foi alvo de traduções um pouco “olé, olé” que o obrigaram mais tarde a ser ele próprio o seu tradutor para francês.

Do mesmo mal padeceu Rabelais que foi traduzido do seu gostoso mas difícil francês do sec.XVI para o francês moderno sofrendo também de consideráveis dentadas. Esperemos que a tradução que agora se anuncia para português. seja realmente integral.

 (e confesso que provavelmente não resistirei a mais esta edição mesmo tendo uma boa meia dúzia delas todas em francês original ou moderno )

Quem me lê habitualmente sabe que aqui apenas se referem livros e autores lidos mas sem qualquer aparato crítico.  Deixei-me disso há muitos, muitos, anos e basta-me chamar a atenção para os livros sem pôr já óculos escuros ou claros aos leitores que não precisam de críticas para ler os livros.

Isto é só um folhetim, um escrito efémero nada mais.

 

 

o leitor (im)penitente 211

d'oliveira, 11.07.23

 

 

José Matoso

mcr, 10-7-23

 

O Zé conheci-o em duas etapas. Primeiro enquanto leitor fiel, atento, entusiasmado e grato, muito grato. Isso, este conhecimento, começou rigorosamente há 40 anos pois foi nessa altura (1983)  que li a primeira de uma vintena de obras que tenho dele.  Tratava-se de “Religião e cultura na Idade Média portuguesa, editada ainda pela Imprensa Nacional em 82. Posteriormente, José Mattoso emigrou para a Estampa, uma excelente editora comandada pelo meu amigo (e colega desde o 1º ano do liceu) António Manso Pinheiro, um editor de mão cheia, culto de que já por várias vezes referi aqui. 

Depois dessa descoberta fascinante, foi como dizem os ciclistas sempre a descer, a ganhar velocidade e prazer. Demorou uma boa dúzia de anos até o conhecer graças à Zé Carvalho, amiga muito querida que foi mesmo minha cunhada. E graças a esse encontro (acho que a Zé levou o marido a casa da minha mãe numa altura em que eu também lá estava.  Se já tinha excelente impressão do historiador, nesse momento acrescentei-lhe o que foi o início de uma bela amizade que perdurou por muitos e bons anos pois durante algum tempo o casal Mattoso viveu perto de Aveiro, numa casa da Zé onde o Zé chegou a dizer numa entrevista que era aí que provavelmente morreria. Volta e meia apareciam no Porto, outras vezes fui eu até lá e posso testemunhar que o Sé era um bom garfo e um excelente conversador. 

Perdi-lhe a pista quando voltou para Lisboa já doente e muito isolado. Todavia, à falta de convívio iam aparecendo livros e eu não perdoei um que fosse. 

E se digo perdoar é apenas por causa do peso de três calhamaços com o título genérico “Património de origem portuguesa no mundo” e focando a Asia, a África e a América. Só um entusiasta que possua uma boa mesa é que se atreve com aqueles volumes que medem 21x24 cm e andam cada um pelos 4/5 quilos. De todo o modo e apear das 500 páginas por tomo valem a pena pela quantidade de informação, pelo tratamento da mesma, pela esplendorosa iconografia. Se bem me recordo, também não eram propriamente baratos...

Quem eventualmente chegou até aqui pensará que desdenho da “História de Portugal” onde Mattoso praticamente reuniu o que havia de melhor na historiografia portuguesa. Ou a “História da vida privada” (quatro fortes tomos ou ainda a longa (e total) lista das biografias dos reis de Portugal  de que também ele foi coordenador (e autor pelo menos num dos casos). Luís Miguel Duarte, autor da esplêndida biografia de D Duarte, contou-me como J M não largava os autores, os apressava e, por vezes, os injuriava por se atrasarem na entrega dos originais. Mas referiu também a permanente disponibilidade do coordenador para resolver problemas, dilucidar dúvidas, aconselhar.

Como, acima,  afirmei tive o enorme privilégio de conviver com ele o tempo suficiente para m aperceber das suas qualidades e receber um par de informações sobre temas de História portuguesa que sempre me apaixo(nar)am. Entre eles, recordo um dos seus traços de personalidade ou de ingenuidade. Certo dia conversámos sobre a batalha de Ourique e o milagre associado. Nunca levei a sério a crónica desse sucesso mesmo se uma das testemunham do milagre tenha sido um avoengo (a par de uns bispos e outro(s) cavaleiros do Rei. Que o meu antepassado existiu é um facto; que terá guerreado largos anos junto do pai de D Afonso Henriques e mais tarde deste rei parece crível mas é com profunda tristeza que descreio do milagre e provavelmente da batalha que ainda hoje provoca discussões inflamadas e escritos de toda a ordem. O Zé entretanto, sem se dar conta da minha descrença avisou-me tranquila mas veementemente que tudo aquilo, batalha tal como a descrevem e milagre era pura ficção. Fui obrigado a dizer-lhe que também eu não levava a crónica a sério mesmo se o facto de ter um longínquo avô metido a testemunha do milagre me desse um gozo enorme.  

Todavia, dele recebi uma grande dose de opiniões, de ensinamentos para já não falar da gentileza e da simplicidade de que fazia gala, Mesmo se além daquela aparente humildade houvesse também uma clara consciência do seu papel na renovação dos estudos de História...

Deveria, finalmente, referir o seu enorme papel de coordenador das obras que mencionei acima (as histórias de Portugal e da vida privada e os 34 volumes dedicados aos nossos reis) É verdade que a esmagadora maioria dos volumes tem autores variados mas não se deve menosprezar o papel de quem coordena.

Bastar-me-á lembrar duas grandes tentativas  que n\a chegaram a bom porto pois ficaram incompletas (a “Nova História da Expansão  Portuguesa  em que ficaram por publicar os  Iº, IVº e IXº volumes e a  “Nova História de Portugal” donde os VIº e VIIIº volumes nunca viram a luz do dia. E note-se que também estas tentativas tinham um leque de coordenadores e autores de grande qualidade e obra feita ).

 Não quero com isto alimentar guerras académicas que despertaram o entusiasmo e a curiosidade no último quartel do século XX mas os factos falam por si. 

Alguma comunicação social veio dizer que a morte aos noventa anos foi uma grande perda para o país. Convenhamos, José Mattoso, para além da idade, estava grandemente debilitado pela(s) doença(s) e desde há um par de anos que a sua mais que parca qualidade de vida era conhecida. 

Foca uma obra que, ao contrário de tantas outras, mereceu e recebeu todas as honrarias da Academia e do Estado.

E do público, o que não é coisa pouca. José Mattoso conseguiu ser conhecido muito para lá do seu mundo universitário. E, para além de tudo o resto, mereceu o forte reconhecimento geral que, de resto até lhe chegou cedo, logo nos anos 80.  

 

*na ilustração José Matoso, Maria José Carvalho, Serafim e Fátima Guimarães. E com mais vinte quilos do que hoje, um certo mcr que cada vez mais se vai habituando a ver desaparecer amigos e gente boa.  

 

 

 

estes dias que passam 813

d'oliveira, 07.07.23

 

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“his master’s voice “  em modo português

mcr, 6-7-23

 

Como se esperava o relatório preliminar da Comissão de Inquérito à TAP mais parece um amontoado de desculpas de mau pagador do que qualquer outra coisa.

Não fora o facto de toda a gente (que o quis) ter assistido ao vivo às sessões e poderia pensar-se que nada sucedera de especial durante aquelas semanas em que, completamente aturdidos, os portugueses viram comotudo funcionava no ministério das infraestruturas e como se comportavam ministros, secretários de Estado, funcionários de gabinete, gente da TAP e aquilo a que pomposamente se conhece como os serviços secretos, ou de informações enfim uma rapaziada que brinca ao faroeste e uma comissão que os observa de longe com o fito d os fiscalizar e que tem por missão achar que tout va bien, madame la marquise

Em boa verdade não se esperava que o/a relator(a) descobrisse a pólvora, sequer que trouxesse grande originalidade. Todavia, a coisa foi ainda mais longe. Não trouxe  nada de novo, sequer de velho. Aquilo parecia a leve brisa nocturna sobre o campo seco e prestes a morrer. Ou seja nada, rigorosamente nada. Provavelmente, não ocorreu nada, talvez nem sequer haja uma TAP, um par de demissões e o ministro Galamba é apenas uma miragem no deserto de ideias nascido no estenuado pensamento de quem escreveu cem páginas noves fora um. De facto serão 99 páginas a que a prova dos noves dá a solidez que se esperava.

De resto, alguém de boa fé, mas prevenido, esperava algo de diferente?

Será que este texto  que alguns definem como frete ao governo enquanto outros sugerem que nem isso, poderia ser diferente?

Será que os deputados, escolhidos como se sabe por um aparelho que está ali para vigiar a disciplina, a obediência, a falta de sentido crítico, alguma vez aceitaria que um(a) deles “mijasse fora da púcara” e permitisse uma crítica, mesmo leve, a quem, de um modo ou doutro, pode definir-lhe um futuro radioso, um lugarzinho ao sol, um momento efémero de glória passageira?

 Portanto, a discussão  está desde o início inquinada. Não se esperava um relatório muito diferente mas tão só mais inteligente, menos criticável, escrito num português menos pobre para não o definir como subportugês.

Ou, de outra maneira, este relatório preliminar e duvidosamente modificável, poderia ser, se fosse mais inteligente, subscrito por alguém como o sr Lavrov esse paladino da linguagem diplomática mais refalsada e da invençãoo de argumentos vazios. Infelizmente, as lições de Lavrov mesmo se recebidas não foram especialmente aprendidas. Deve ser da incapacidade linguística de quem é alegadamente (e apenas alegadamente...) autor(a) daquela papel  sem serventia política conhecida sobretudo porque atirado à cara de milhares ou dezenas de milhares de espectadores portugueses.

 

 

 

 

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