estes dias que passam 820
Mais reflexões do agnóstico do costume
mcr, 31-7-23
Comecemos pelo mais simples: anda por aí um coro escandalizado com os ajustes directos feitos pelo Estado e por Lisboa para obras relativas à Jornada Mundial da Juventude.
É verdade que a coisa tem ar duvidoso mas também não há d dúvidas que a pandemia e a mudança na Câmara de Lisboa dõ argumentos de peso para o expediente.
Todavia, e para além disso, não deixa de ser oportuno lembrar que em Portugal há o péssimo hábito de deixar tudo para a última hora, de atrasar sistematicamente decisões dec onfiar no improviso e naquilo a que piedosamente muitos chamam o "desenrrascanço" português.
Saliente-se, porém, que não foi este o mote das vozes condenatórias acima referidas. Convenhamos que nesse coro havia muito de anticlericalismo, de relentos do pior republicanismo jacobino que foi uma das causas da morte prematura da 1ª República.
Lembremos que por cá há o habito de esbanjar dinheiro e recursos em soluções político-financeiras que respondem apenas a perversões ideológicas. O caso mais flagrante é o da TAP onde foram enterrados mais de três mil milhões de euros naquilo que uns patriotaços chamavam a reversão da privatização infame operada pelo governo de Passos Coelho. E recordemos que já antes, melhor dizendo, desde sempre a TAP dava prejuízo. E que, se porventura alguma vez se justificou foi tão só porque o país tinha colónias e necessitava de transportes mais rápidos que os prestados por duas companhias marítimas que sugestivamente se chamavam Companhia Nacional ou Colonial de Navegação. Morreu o império morreram de morte macaca as duas empresas.
A TAP deixou de ter dois apetecíveis mercados (Angola e Moçambique ) que eram caça guardada sua. Claro que o nacional patrioteirismo enche a boca com as "comunidades emigradas portuguesas" na tola convicção que, elas preferem uma TAP cara ao low cost! Como se os emigrantes fossem parolos e ansiassem por ouvir falar português durante uma viajem para e de Portugal!...
Eu não sei se as espectativas do dr Carlos Moedas (300 milhões de retorno para os 35 gastos) são certas. Que seja apenas metade já é um forte lucro. Além do que acidade de Lisboa ganha um parque de 30 hectares enquanto Loures (que provavelmente também há de ter adiantado uns cacauzinhos) "abifa" o dobro.
Por outro lado o Governo defende-se explicando que os quatro mil jornalistas estrangeiros e o milhão de jovens que por aí virão serão embaixadores de Portugal, dos seus encantos, da boa comida, e barata!, da simpatia natural dos portugueses. Convenhamos que esta operação é um momento único na campanha publicitária do produto Portugal e que se fosse paga custaria muito mais.
Mesmo o famoso e custoso palco do novel parque poderá eventualmente pagar-se com a possibilidade já avançada de sítio privilegiado para espectáculos de toda a ordem.
Se as coisas correrem normalmente, isto é bem, o país poderá regozijar-se tanto mais que o que parece, tudo está pronto, a tempo e horas.
Eu tenho seguido via televisão as reportagens sobre a chegada e acolhimento dos peregrinos. Mesmo que tenha havido algum cuidado na escolha parece mais que visível que dezenas de milhares de jovens se sentem bem recebidos, melhor acolhidos e que isso mesmo transmitirão a familiares e amigos. E isso conta, Ou melhor: isso não tem preço.
Por uma vez, sem exemplo, estou de acordo com o Presidente da República, com o Governo, com o dr Moedas e com a Igreja ou pelo menos com o seu representante, o novíssimo cardeal que com alguma sensatez pede que as críticas sejam equilibradas.
Não vale a pena referir algum argumentário imbecil do qual destaco a ideia de que com estes milhões poderia ter-se dado uma casinha a uns milhares de portugueses.
Com o dinheiro estoirado pela TAP quase que se construiriam duas ou três cidades!
o populismo baratucho vai criando raízes, e fundas, no torrãozinho de açúcar, mas espero que não renda demasiados votos aos seus propagandistas.. Confiemos em que a silly season que agora começa faça esquecer rapidamente estas rosnadelas .
Deixemos para o fim o "acro cultural" (!!!) da passadeira concebida por uma criatura que se faz chamar Bordalo II. Se em vez de cultural lhe chamássemos manifestação política pouco teria a dizer É um direito constitucionalmente consagrado e que deve ser "religiosamente" (passe o termo) salvaguardado.
Poderia discutir o bom gosto da manifestação ou a sua oportunidade. Ou o oportunismo. É que num ápice este mais que ignorado Bordalo II ganhou uma gigantesca publicidade gratuita e já pouca gente haverá que pelo menos o não conheça de nome. Há dois dias que a passadeira a desenrolar-se na escadaria do altar entra em todos os noticiários em a qualquer hora. OA criatura é seguramente mais conheci da que, por exemplo, Eduardo Batarda um artista com uma carreira de 50 anos e centenas de páginas de crítica entusiasmada (eu mesmo já aqui o referi um bom par de vezes!).
Claro que é provável que depois deste breve intermezzo a criatura Bordalo II volte à obscuridade de onde surdiu. Mas foi notícia e isso afaga muitos pequenos egos e cria a ilusão do favor público perante a "arte" ou pelo menos esta "arte" feita à base da fotografia de uma nota de quinhentos euros.
(a tempo: no noticiário da tarde da SIC revela-se que alguns hotéis tem quartos vagos. É bom lembrar que há umas semanas se falava de preços absurdos na hotelaria. A fé pode mover montanhas mas os fieis não são assim tão idiotas.)