síndroma das Maldivas
ou
enquanto o sábio aponta a lua,
o tolo só olha para o dedo
mcr 5-8-23
às vezes, demasiadas vezes, pergunto-me se o defeito é meu ou se, de facto, andam por aí muitos alucinados.
Como os meus escassos e sacrificados leitores sabem estão em Portugal e Lisboa jovens de cerca de 150 países (ou mais, pouco importa). Também há quem diga que só está a faltar um único país a República das Maldivas, um país constituído por um bom milheiro de ilhas, muitas delas desabitadas. Situa-se em pleno Indico, perto da Índia e do Sri-Lanka e provavelmente só será conhecido de 4 ou 5% dos portugueses e apenas porque é um desses longínquos paraísos tropicais onde os eleitos se dão ao luxo de fazer férias.
Ora acontece que é precisamente este pequeno país ignorado de quase todos que é o mais falado. Justamente por não haver naturais seus aqui!
Aproveito para sussurrar que esta constante referência aos faltosos maldivianos (?) e o correspondente silêncio sobre o resto, o imenso resto do mundo é uma boa metáfora sobre o ruidoso grupo de críticos que não percebem que o seu primário anti-clericalismo além de diminuir quem o pratica é uma arma que favorece muitos católicos e, sobretudo, os mais conservadores.
O resto, esta miudagem nova, barulhenta, alegre, desinibida passa por este vozear torvo como um pato sob a chuva.
A corrente católica renovadora e inclusiva responde com o slogan todos, Igreja para todos. Este apelo feito por um velho padre jesuíta que agora é Papa, um homem idoso, com meio pulmão, várias vísceras em mau estado, mas animado pela convicção que o Vaticano e a Igreja podem mudar e tentar voltar a ser não só o centro da Europa mas sobretudo novos portadores de uma mensagem de uma novidade de dois mil e tal anos que, não é a única expressão do sentimento religioso humano mas que, de certo modo, foi a que mais influência teve na civilização do nosso tempo.
Claro que muitos e muitos homens e mulheres críticos do fenómeno religioso contribuíram fortissimamente para aquilo que hoje somos, que hoje pensamos, para muito do que desejamos. Com esses me identifico e sobretudo com todos os que advogam a tolerância, o diálogo a ideia de que nascemos iguais em direitos (e deveres) e da intrínseca dignidade do Homem.
Mas os afectados pelo síndroma das Maldivas pouco se importam com isto mesmo se da boca o gritem, Eles preferem ver” o pelo em ovo”, saborosa expressão de uma antiga amiga brasileira que já há muitos e muitos anos se admirava com esta tendência tão portuguesa, tão pequenina, tão reaccionária.
Não vale a pena elencar as barulhentas opiniões que mesmo sendo absolutamente minoritárias e desfocadas do essencial (e tanto se poderia dizer...)
mas da gritaria destacam-se algumas.
E começo por algo que desde sempre me irritou. A ideia que é preciso estar sempre a azorragarmos as nossas pobres carnes com pedidos de desculpa pelo que ao longo de tantos séculos o povo ou os dirigentes deste país fizeram.
O exemplo ais flagrante foi o bizarro pedido de desculpas feito por Mário Soares (um homem inteligente e um licenciado em História) a propósito do massacre de judeus ocorrido em 1506 em Lisboa. Como se sabe (ou melhor como parece que muita gente ignora) essecrime começou por ser atiçado por dois clérigos de D domingos mas alastrou por meia cidade com a ajuda de um bando de selvagens nacionais e larga percentagem de mareantes estrangeiros de navios estacionados no Tejo. É provável que muitos dos gatunos e assassinos que participaram no morticínio e mais ainda no roubo dos bens das vítimas bem sequer soubessem o que motivara aquele inesperado pogrom.
Soares entendeu que o paísnão se portara bem e vai daí resolveu pedir desculpa por algo acontecido há mais de quatrocentos anos, Esqueceu-se, ou não sabia, que o rei D Manuel, ausente no Alentejo, mal teve conhecimento do sucedido mandou a mta cavalos uma chusma de gente sua que logo que chegaram prenderam, julgaram, condenaram sumariamente os mentores da canalhada. Provavelmente terão mesmo sido executados não direi inocentes mas cúmplices de pouca responsabilidade. Ou seja, a “justiça” do rei foi rápida e eficaz como bem escreve frei Bartolomeu dos Mártires, um autor que ninguém lê.
Isto não apaga outras velhacarias feitas a judeus ou a cristãos novos mas no caso (e aqui que bate o ponto) a ordem foi reposta e o castigo rápido. Diante das ruinas de S Domingos lá está um pequeno e pouco inspirado monumentos a recordar a matança.
Voltando aos dias de hoje. Toda a gente sabe que desde as primeiras navegações pelo Atlântico houve escravos negros trazidos de África. A coisa era simples um barco português chegava à costa africana e rapidamente se trocavam com os potentados locais panos e quinquilharias por homens e mulheres tornados escravos em razias feitas no interior.
Este comércio altamente lucrativo nuca parou mas evoluiu notavelmente. Os portugueses não precisavam de se meter pelos sertões pois na costa havia chefes nativos que forneciam escravos trazidos do interior. Convém dizer que a escravatura não era novidade na maioria dos territórios africanos antes existia há muito e continuou a existir muito depois do fim do tráfico esclavagista. Isto não desculpa os mercadores brancos de escravos como é evidente mas é bom situar as coisas nos seus devidos e verdadeiros termos.
Em Portugal, e desde há umas dezenas de anos, corre uma “revisão” da história colonial que já neste século levou um par de imbecis a pintar de vermelho a estátua do padre António Vieira. Logo deste padre que se tornou famoso pela sua acérrima defesa dos indígenas brasileiros!
Correm petições para que seja erguido um museu da escravatura ou algo do mesmo género para “reparar” a ataque aos direitos humanos ocorrido nos séculos em que o tráfico frutificou.
Houve escravos em Portugal e não teráo sido poucos pois deixaram inclusivamente na toponímia lisboeta sinais da sua presença. E no teatro, basta recordar “O pranto da Maria Parda” de Gil Vicente.
Há uma vista de Lisboa aliás um quadro duplo onde se vê um negro com as insígnias de Santiago o que significa que ele seria pessoa de importância.
Todavia, ese elemento constitutivo da população portuguesa desapareceu, foi absorvido lenta mas seguramente por dezenas ou centenas de anos de casamentos ou de ajuntamentos co mulheres e homens portugueses. Mas disso ninguém fala, evidentemente.
Agora, e relativamente à recente história da Igreja portuguesa rebentou o escândalo da pedofilia clerical. Uma comissão nomeada pela Igreja avança o número de quase 5000 vítimas.
Para mim basta-me uma pequena vítima para me indignar da mesma maneira que para um provérbio judeu que diz que quem salva um homem salva o mundo.
Para os sacerdotes arguidos ou acusados (que de todo o modo foram uma minoria entre os seus pares), a Igreja (mas não o Papa que logo condenou) lá foi empurrada os trancos e solavancos para a condenação. Quando digo Igreja refiro-me à hierarquia (mas nem sequer toda) a qual bastaria recordar o versículo de Mateus (18,6) que reza: Entretanto, se alguém fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe seria amarrar melhor lhe seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar.
No exacto dia em que o Papa recebeu algumas das vítimas, uma comentadora da CNN que além de inteligente teria a obrigação de não se embalar com monumentos de homenagem a vítimas que precisam de outro género de reparação porventura menos vistosa mas seguramente mais apropriada, veio reduzir ou tentar reduzir a importância do que vira (ou não...) com a exigência do monumento. Duvido que as vítimas recebidas pelo Papa e por ele acarinhadas sejam da sua opinião.
Em resumo: nós portugueses não seremos castos como pretendia Pedro Homem de Melo mas adoramos sentirmo-nos infelizes. Esperávamos (alguns) que as coisas corressem mal e as coisas até agora têm corrido mais do que bem, excelentemente. Gostaríamos de ver as comunidades católicas tropeçar na sua impreparação, no nacional e notórios desastre organizacional e tudo está a provar o contrário. Como dizia uma amigo meu “nem o PC faria melhor!!
Esperávamos que aquela imensa quantidade de miúdos (enfim de jovens) pintasse manta por Lisboa (e pelo país) e eles fazem uma festa exemplar, colorida, bem disposta. A polícia (de que eu tenho desde aquela mesma idade desta rapaziada péssima e continuada má memória tem sido notável. Milhares e milhares de famílias (só em Lisboa, Loures e Setúbal foram mais de dezoito mil!!!) mostram à sua singela e generosa maneira que os versos de “Uma casa portuguesa” afinal não são uma invenção salazarenta (diabos a levem) mas pelos vistos algo de intrínseco nos nossos compatriotas.
A latere: uma dúzia de filisteus foi interromper uma missa com presença de gente LGBT. A polícia correu-os da Igreja que eles com a sua acççao de tons sacrílegos estavam a profanar (este é o termo justo). Ao fim e ao cabo, numa Igreja que o Papa e milhares de católicos que desejam de todos eles saem dela, não a aceitam. Recordem: era uma dúzia e os outros são um milhão. Isto tem de querer dizer algo (palavra do agnóstico...)