• resposta a um leitor (in)transigente
• mcr, 22-1-24
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• ...de jornais, isto e de calúnias
• de jornais, ou seja de lixo
• em cada coluna a insídia
• em cada parágrafo, uma suspeita...
• Marina Tsevietaieva (15-11-1935)
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• Cai a palavra de pedra
• sobre um peito ainda vivo
• não é grave , estava preparada
• aprenderei a viver de novo
• Ana akmatova (A sentença in Requiem 22-6-1939)
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• Melhor dizendo isto nem sequer é uma resposta mas apenas aquilo a que se poderia chamar uma declaração de interesses.
• E começo por declarar que as posições "russistas" cabem na minha compreensão mesmo se as considere intelectualmente intoleráveis. Passei muitos anos a ver textos meus cortados (desde a Vértice até ao "Comércio do funchal" para aplaudir uma qualquer censura a pessoas que até podem estar de boa fé.
• Compreender, porém, não significa, de modo algum, aceitar.
• V., leitor, quase me diz que eu sou um horrendo inimigo da Rússia porque persisto em afirmar que uma invasão é uma invasão e não um gesto de cortesia ou uma bondosa tentativa de livrar um povo escravizado por Zelensky e capangas à r sujeito à mais brutal nazificação que o mundo conheceu;
• percebo que, eventualmente, V ainda veja a Rússia de Putin como um eco da URSS, país que para muitos era o sol da terra, a terra do leite e do mel, a fraternidade operária no seu mais alto grau , o último e milagroso grau da libertação do proletariado.
• Lamento dizer-lhe que nada disso foi, sequer por breves momentos, verdade, mesmo se o suicidado Maiakovsky o por outro breve instante o sonhou.
• A URSS logo depois da revolução de Outiubro tornou-se uma espécie de capital da "revolução mundial" coisa que durou largos anos mesmo se o principal teórico desse evento maior (Trotsky) tivesse sido obrigado a exilar-se., perseguido sem descanso pelos homens de mão de Stalin
• De resto não foi preciso sequer chegar ao quinto aniversário da revolução para se verificar que havia .que arrepiar caminho no que toca à economia (e inventar uma, também curta, NEP) ao mesmo tempo que a chamada "ditadura do proletariado" acabava com toda e qualquer veleidade de independência dos sindicatos e dos societs que, de resto, também já estavam moribundos depois da proibição de todos os restantes partidos mesmo aqueles cujo progressismo ninguém, no exterior da URSS, punha em causa.
• Não foi por acaso que, logo em 1918, Lenin sofreu o atentado que finalmente, anos mais tarde o ajudou a morrer, não foi por acaso que um certo Djugatchivilli, conhecido por Stalin, se foi tornando o mais forte e poderoso membro do politburo, nem foi por acaso que os partidos comunistas nascidos sob a égide da 3ª internacional se tornaram e desde a nascença meras correias de transmissão do Komintern, tendo até, ao lado das direcções legais e públicas, outras instancias secretas que as controlavam e penas respondiam perante a Internacional
• Essa URSS que ia crescendo, viu-se obrigada a abandonar a ideia de revolução internacional ainda em tempos de Lenin e se é verdade que concitou desde a origem a hostilidae dos governos "burgueses" também é verdade que alguns destes ainda tentaram auxiliar a desordenada contra-revolução que durante dois ásperos anos fez perigar a nova república. De resto, esta sobreviveu não só graças ao esforço dos seus militantes mas também porque a divisão dos adversários impediu que a ""Rússia branca" triunfasse.
• Curiosamente, é com o consulado (a ditadura) de Stalin que ao trucidar milhares de responsáveis comunistas em processos delirantes terá como que garantido aos capitalistas que a URSS se tornara um Estado quase normal mesmo se nesse percurso tivesse sacrificado alguns milhões de cidadãos (isto sem falar no "holospodeor" ucraniano que sangrou esta república entre três e cinco milhões de habitantes que nem sequer puderam fugir da fom imposta por se lhe terem fechado todas as fronteiras internas).
• Antes da eclosão da 2ª Guerra, a URSS celebrou com o IIIº Reich um pacto infame que permitiu a Hitler ficar com as mãos livres para travar a guerra na frente ocidental ao mesmo tempo que permitiu à URSS ocupar os países bálticos e metade da Polónia.
• quando a Alemanha invadiu a URSS , esta só aguentou o primeiro embate graças a uma ajuda gigantesca dos EUA (no estes dias 685 de Maio de 2022 forneço uma reduzida mas significativa lista dessa ajuda)
• Terminada a guerra, a URSS conseguiu que na ONU tomassem lugar duas repúblicas socialistas e soviéticas (a Bielorússia e a Ucrânia) o que, a luz do Direito Internacional poderia significar que estas eram países independentes.
• A partir do fim das hostilidades o Exercito Vermelho ocupou os países que tinha libertado desde a Polónia à Checoslováquia, da Bulgária à Roménia, mantendo entretanto os países bálticos sob o anterior controlo. Apenas escapou a Jugoslávia, apesar de ter um país socialista (transviado) que graças a Tito conseguiu libertar-se a si próprio com forte ajuda britânica.
• Entre o 17 de junho berlinense (1953) e o esmagamento da primavera de Praga, a URSS interveio na Hungria e manteve todos os restantes membros do pacto de Varsóvia sob estricto controle com poderosas guarnições estacionadas em cada país. Não vale a pena relembrar o bloqueio de Berlin ou o muro que matou mais de 800 cidadãos que só queriam fugir.
• A URSS implodiu como se sabe sem precisar de qualquer ajuda ocidental ou da NATO.
• Os países ex-socialistas saíram sem qualquer contrariedade daquele colete de forças e ao que se vai vendo mesmo sem a NATO, que dormia o sono dos justos, e logo mostraram um a forte animosidade ao antigo protector/libertador/ocupante
• Por dentro a Rússia viu evaporar-se o partido comunista que agora é apenas uma espécie de pequeno auxiliar de Putin. para as tarefas menos reluzentes. Existe apenas porque é tolerado. Os seus antigos quadros mais capazes ou mais ousados devotaram-se à tarefa de criarem colossais fortunas tomando de assalto as antigas empresas estatais da URSS.
• No meio disto tudo, desta dolorosa transformação, que vai de Leningrado a S Petersburgo, uma vítima há: o povo russo que vive pior que os seus antigos súbditos ora encarniçados "ocidentais" e possíveis "agressores" enquanto membros da NATO
• Faço parte de uma geração que ou se deslumbrou com a URSS ou pelo menos, no meu caso, sempre admirou a grande cultura russa, o seu cinema, a sua música, a sua poesia e alguns dos mais extraordinários romances dos dois últimos séculos. Até gosto, e muito, da música religiosa ortodoxa que, meu ver, só tem comparação, com o milagroso e belíssimo canto gregoriano. Ateu sim, mas nunca no capítulo da música.
• Percebo que para os saudosos de um regime que se suicidou ou se deixou morrer por falta de força anímica, de energia, de aceitação popular, a ideia de regressar à glória da autocracia czarista ou da ditadura soviética passe, para já, pela conquista da Ucrânia (e depois, logo seguirão os bálticos)
• A famosa operação militar especial era para durar suas, três ou até quatro semanas de um quase passeio triunfal por um país que amava estremecidamente a "mãe russa" (para citar o inesquecível Stalin e os seus ainda vivos admiradores).
• Infelizmente, maldosamente, o raio da Ucrânia ou o seu povo não estiveram de acordo apesar da gigantesca desproporção de meios, de armas, de soldados.
• Vir dizer que é a NATO ou os ocidentais que estão na origem deste "diferendo" é absurdo, é, perdoará, má fé. A Ucrânia resistiu não pelas armas que tardaram e tardam sempre em chegar, não pelos belos olhos de Biden ou Macron ou da senhora von der leyen. Resistiu sozinha o tempo suficiente para se começar a perceber que queria, quer, ser independente. Independente como os solenes tratados entre ela e Rússia reconheciam sem limites.
• Para "soberania limitada" bastou a história do bloco socialista e do Pacto de Varsóvia que cunhou essa expressão. É delirante e cabe na categoria de teoria da conspiração permanente a ideia que foram os americanos e os seus aliados que se deslocaram para a praça Maidan para fazer cair um regime que, aliás, estava a armado, matou e só caiu por verificar que não tinha qualquer apoio popular.
• A ideia de que um par de agentes mal intencionados pode provocar tais levantamentos é, para quem queira ler as actas dos processos de Moscovo, uma repetição da História e conviria lembrar que esta pode repetir-se mas com resultados sempre trágicos.
• A Rússia tem problemas bem mais importantes para resolver. Basta recordar a quebra da natalidade russa ao contrário da dos povos não russos no seu interior, a fraca produtividade da sua economia, a falta de apoio internacional (ainda que a Eritreia, a Venezuela ou a coreia do Norte a apoiem!,,d) A referência à Coreia do Norte, e já agora, ao Irão como fornecedores de armas diz muito de como as coisas estão. A outra ideia (do finado Prigogin) de ir buscar soldados às prisões também merece ser citada apenas para se perceber como um erro de cálculo e de perspectiva pode gerar uma catástrofe.
• Putin era apenas um coronel da Polícia política e secreta. Continua a ser isso mas em mais velho e mais poderoso graças ao encarceramento dos seus oponentes e à fuga de um número impressionante de cidadãos jovens, qualificados que desertaram em número gigantesco de uma situação sem futuro.
• E, por último:
• estou a escrever isto diante de uma estante carregada de livros de História russa, soviética e de tempos mais remotos. Não citei nunca, nem citarei, wikipédias duvidosas. e redes sociais que não frequento. Desde os anos sessenta venho assistindo, debatendo, lentando informar-me do que se passa no mundo. Sem antolhos ideológicos. Conheci demasiado bem (aliás mal ou mal para mim) a vaga caricatura de regime autoritário que me levou trinta e cinco anos de vida, para agora embandeirar em loas seja a que regime for. Os factos e só eles e a verificação da sua autenticidade são os pilares de que me socorro para escrever e estão neste blog mil e muitos texto (eventualmente até quase dois mil) a provar o que afirmo. Mas se for preciso uma só frase bastará esta: há neste caso um agredido e um agressor. com um pequeno apêndice: a história dos agressores está sempre pejada de justificações mas para o agredido basta uma: Está a ser atacado. Tudo o resto é conversa.
• Leitor, V pode ser intransigente com a Ucrânia mas leva a sua infinita transigência com a Rússia a limites admiráveis- É obra!
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• os dois excertos de da autoria de Marina Tsevietaieva e de ana Akmatova permitem "ver" o universo concentracionário em que viveram. Marina, suicidou-se nos anos 40 depois da ter estado presa e da execução do marido. Ana foi tardiamente reabilitada mas passou muitos anos sem poder publicar.