![thumbnail_IMG_1554.jpg]()
Mário Pinto de Andrade
um quase desconhecido em Angola
mcr, 10-2-24
Há uns dias (4-2.24) o jornal "Público" dedicava duas páginas a Mário Pinto de Andrade, fundador do MPLA e intelectual africano de primeira grandeza como se verificará adiante.
O pretexto era a estreia de um filme de Bill Woodberry ("Mário") num festival de cinema na Holanda.
O título do texto era "Mário Pinto de Andrade deveria ser reconhecido como um grande pensador" e dever-se-á ao realizador do filme mencionado.
Convenhamos: MPA é, pelos poucos que o conheceram lendo-o e acompanhando a sua carreira, de facto um pensador, u intelectual engajado, um escritor que merece ser lido e um revolucionário que o actual poder (e o anterior) em Luanda finge desconhecer.
Sucedeu-lhe o mesmo que a Viriato Cruz um poeta atropelado pela "História oficial" de Angola moldada pela clique que se apoderou do MPLA ainda antes da independência. Se eles ainda são referidos é em Portugal que se devem tentar encontrar as notícias escassas e também os livros que escreveram (e não todos...)
Com a idade que levo ainda apanhei as obras de ambos, nomeadamente os poemas do Viriato, editados, nos anos 60 pela Casa dos Estudantes do Império bem como uma excelente antologia "La poeie africaine d'expression portugaise" (Pierre Jen Oswald ed, 1969, mais tarde traduzida em português e publicada em 1983 pela Africa editora (com a participação oo poeta Francisco José Tenreiro, outro autor negligenciado.
Em 1977, com a preciosa e honrada colaboração de José Eduardo Agualusa surgiu (também traduzido do francês) "Origens do Nacionalismo Africano" (publicações D quixote)
Três anos depois apareceu "Mário Pinto de Andrade, um intelectual na política" da autoria de Inocência Maia e Laura Padilha (edições Colibri, 2000).
É provável que haja mais alguma referência editorial mas não consta na minha biblioteca.
MPA, exilou-se cedo em Paris e entre outras actividades foi director da revista "Prºesence Africaine", durante quase uma dezena de anos. Registe-se a enorme importância desta revista, o eco da sua acçãoe a qualidade ímpar dos seus colaboradores neste período.
Foi coordenador de várias organizações africanas e nomeadamente da Conferencia
das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas mas nada diso impediu o regime angolano e Agostinho Neto de o forçarem a um exílio que durou até à sua morte.
Se agora destaco MPA é não só porque um artigo do Público o vem lembrar mas sobretudo porque a comunicação social portuguesa está inçada por uma quantidade de articulistas que se reclamam da "afro-descendência" e, de passo, ao mesmo tempo, se situam num exacerbado anti-racismo e anti-colonialismo sem porém, se interessarem pelasorte dos países africanos onde os seus antepassados nasceram, sofreram e terão porventura lutado ou sido vítimas do sistema "imperial" . De África nada sabem ou muito pouco e de Portugal, pelos vistos, também não vislumbram grane coisa. Note-se que, genericamente pertencem a uma elite cultural e social que tem pouco a ver com a realidade que atinge as populações africanas e vindas das ex-colónias. Eu percebo que se sintam um pouco numa "terra de ninguém" pela cor e pela sensação de não pertencerem a nenhuma das comunidades de onde vieram (a portuguesa, branca e a a africana negra).
Curiosamente, não os vejo a intervir nas antigas colónias, a defender um par de valores hoje em perigo. A começar pela defesa das línguas vernáculas que, a chamada língua oficial nacional relega para o não uso e para o esquecimento.
Os leitores talvez não saibam mas é difícil encontrar dicionários e, creio, os que existem publicados, são todos de autores portugueses, nomeadamente missionários. Durante anos fui-os encontrando e comprando a finada Livraria Portugal em Lisboa e actualmente nem em alfarrabistas se veem.
Não vale a pena referir literatura africana produzida nas ex-colónias porquanto contam-se poucas edições e muitas delas estão eventualmente disponíveis (e só em alfarrabistas) apenas porque houve co-edição portuguesa, da antiga metrópole do país colonialista, racista e não sei que mais "ista"
Por exemplo, numa consulta à wook verifiquei que de Noémia de Sousa exista apenas uma edição francesa e não há resquícíos de uma bem antiga edição patrocinada pelos Caminhos de Ferro de Moçambique. Apenas refiro a Noémia porque se trata de uma grande autora, perseguida, que acabou por morrer em Portugal. Pelos vistos há, actualmente uma edição brasileira (Kapulana ed) disponível que reedita os poemas aparecidos em "Coração em África" que mão amiga me conseguiu com fortes empenhos em Moçambique.
Este rosário de lamúrias poderia prosseguir por páginas e páginas.
Não vale a pena ou, melhor dizendo, isso é pregar no deserto. Sirva a título de exemplo, a sorte que tiveram algumas excelentes publicações da Diamang, Museu do Dundo, todas sobre o povo kioko (Tchokué) Foram publicadas uma série de monografias em que se destacam as dirigidas por Marie Louise Bastin,, José Redinha, Mesquitela Lima ou J Osório Oliveira.
A primeira teve honras de reedição numa colaboração entre os museus do Fundo e Antropológico da Universidade de Coimbra (o problema é conseguir comprar a obra!....)
As restantes pela raridade atingem no mercado preços elevadíssimos e, normalmente, não se conseguem encontrar. Devo dizer que, por um bambúrrio monumental, consegui de uma só penada quatro delas pagando obviamente um preço forte que, todavia, andou, naquele milagroso caso, e surpreendentemente, muito abaixo do que se anunciava.
Se mais uma vez vim a este género de temas é porque acredito que, apesar de tudo o que penso do fenómeno colonial, algumas coisas houve que correram bem, que permitiram um avanço no conhecimento científico e etnográfico de África e que deveriam ser conhecidas por todos quantos amam África.
vai esta em memória do António Neto asassinado em Luanda durante o golpe nitista, do Mário Brochado Coelho, advogado incansável de Joaquim Pinto de Andrade, , da Noémia que eu conheci num violento "dia do Estudante", na cantina do Técnico, tão frágil e tão encantadora, da malta de "O Brado Africano de que fui assinante, da "Tribuna" de Lourenço Marques, um jornal muito à frente do seu tempo e do Manuel Fernando Magalhães, jornalista de mão cheia e autor de uma pequena novela "3x9=21" (Coimbra, Atlântida ed, 1960), péssimo aluno a matemática e perseguido pelo regime colonial e pela FRELIMO durante o seu auge governamental e anti-popular.
Na vinheta: algumas das monografias editadas pela Diamang (A arte do povo cokué, M-L Bastin, Paredes Pintadas do Lunda, Máscaras da Lunda e do Alto Zambeze, Campanha Etnográfica ao Tchiboco, todos de José Redinha, Os Akike de Mesquitela Lima e Cabaças gravadas da Lunda de J Osório Oliveira. Naturalmente a máscara (mácara Muquiche -ua-Puo) é da etnia Tchokué.