estes dias que passam 901
Em Santiago com o Grândola e quase sem jornais
mcr, 28-4-24
Não estranhem: em Santiago uma multidão cantou a senha de Abril e até o recepcionistas do hotel traziam cravos ao peito
E não se pense que era só gente de "esquerda" mas antes galegos que desde sempre olharam para a margem esquerda do Minho com atenção, curiosidade e alegria.
Alguma da minha modesta história da resistência ao "estado novo" passa por estas paisagens para onde no início dos anos 70 encaminhei alguns fugitivos à polícia e à tropa.
Não faço parte dos defensores ua Galiza independente e, pelos vistos, há uma fortíssima maioria de galegos que se encontra confortável com a autonomia da região.
Acompanhei esse processo desde sempre graças a dois amigos galegos, Luís Seoane e Xesus Alonso Monteiro, que em 1969 vieram até Coimbra para apoiar a encenação de "Castelao e a sua época", uma criação colectiva dirigida pelo catalão Ricard Salvat para o CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra). Foi graças a esse inglório (porque a proibição da peça e a expulsão do encenador, ambas relacionadas com a crise académica de Coimbra em 1969, destruíram o projecto) intento que conheci também o professor Rodrigues Lapa, uma autoridade nas questões da língua quer portuguesa quer galega.
"Xá falamos!" , diziam os meus conhecidos da outra margem e mesmo que ainda hoje não seja clara uma norma linguística única, a verdade é que onde quer que se vá se ouve galego, "lengua de mariñeiros e labregos" durante séculos ignorada pelas elites locais que, provavelmente nunca teriam ouvido falar dos grandes trovadores galaico portugueses, honra e glória de uma poesia amável, forte e felizmente (mesmo que porventura parcialmente) salva por um par de cancioneiros que começaram por ser editados cá e rapidamente chegaram às livraria (e mais tarde às editoras) da Galiza.
E não deixa de ser irónico que uma das mais emblemáticas canções da "nossa" geração "Cantar da emigração" tenha sido pela primeira vez cantada nesse espectáculo abortado pela Maria João Delgado e mais tarde tornado conhecida pela voz do Adriano Correia de Oliveira, meu amigo ecolega desde caloiro. A música é do Zé Niza, outro de Coimbra que bem conheci não só pelo seu talento como músico de Jazz, como compositor, mas também pela facto de ele mesmo ser do nosso grupo de teatro.
quando se fala do 25 A esquece-se muitas vezes o Niza (mais velho, que ele tinha um irmão o Luís, também caloiro do meu ano...). Há um inteiro disco do Adriano só com músicas dele, compostas durante um par de noites duras em Angola onde ele cumpria como médico o serviço militar.
Se não erro, o Adriano queria chamar ao disco "Adriano canta josé Niza" mas este recusou. Modéstia a mais, digo eu que já aqui, neste blog que tem quase vinte anos, o referi com saudade admiração e amizade.
(e já que estamos numa de recordações musicais de Coimbra-e para responder a um casal de leitores sempre esclareço que sim, conheci o Zeca em Coimbra
mais precisamente numa tarde inesquecível no café Mandarim (o "kremlin") na Praça da República (a "praça vermelha"). Foi o Jaime Magalhães Lima, netodo velho grande senhor, e estudante de Ciências, amigo do meu irmão e mais tarde seu primeiro hospedeiro em Paris no início do seu forçado exílio, quem me chamou e apresentou o Zeca que acabara de lhe mostrar dois poemas que escrevera e estava a musicar: os vampiros e bairro negro. Foi, como se diz em "Casablanca" io início de uma bela amizade. Obviamente conhecia de ouvir discos o cantor que já o fino ouvido de meu pai me assinalara depois de comprar a "Balada de Outono". O meu pai era um coimbrinha temível, indefectível da "Briosa" cantava fado animador da Associação dos Antigos Estudantes e entristecia-se com a minha pouca fé nas tradições da "academia". Claro que não se entusiasmou demasiadamente com as cantigas mais revolucionárias mas reconhecia naquele poeta e cantautor um talento formidável,
E sempre nesta onda mansa de recordações pré-abrilistas cabe ainda um parágrafo para recordar o Zé Mário Branco que em certa altura de penúria partilhou o meu quarto na casa da C Laura. Depois desandou para Paris e logo nos inícios de 68 tive o prazer e a enorme oportunidade de o ouvir cantar num pequeno bistrot . A primeira versão do "soldadinho" poema da Natália Correia e posteriormente cá chegado num single mal amanhado. que naturalmente perdi...
Permiti-me citar estes meus desaparecidos amigos por isso mesmo. Por terem já morrido e por terem, sem qualquer margem para dúvidas contribuído para que o 25 A passasse de golpe militar a revolução e, ao mesmo tempo, para reafirmar que eles, e uma pequena multidão de gente como eles, foram durante anos e anos a fio os resistentes, os lutadores pela democracia e pela liberdade. Sem armas mas com talento, sem especiais ambições mas teimosamente, foram construindo a grande maré que nestes dias celebrou meio século, mais que meia vida no meu caso.
Voltando ao título, verifiquei que não é só cá que faltam jornais espanhóis. Em Santiago vi-me e desejei-me para comprar o El país. No casco histórico terão desparecido todos os quiosques e "estancos" onde com o tabaco se vendiam jornais. Na autoestrada as lojas anexas às bombas de gasolina pura e simplesmente não vendem qualquer tipo de imprensa. Um desastre par quem, como eu, não passa sem jornais ( e não se habitua aos jornais online....
Quando parámos em Tui para almoçar e fomos por uma tabacaria demos com o nariz na porta: hora de almoço o que em Espanha pode ignificar m bom par de horas... E logo no dia em qie El país traz o suplemento literário!
Arre que é azar.
Pior: é um péssimo sinal.