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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

estes dias que passam 901

mcr, 28.04.24

Em Santiago com o Grândola e quase sem jornais

mcr, 28-4-24

 

Não estranhem: em Santiago uma multidão cantou a senha de Abril e até o recepcionistas do hotel traziam cravos ao peito 

E não se pense que era só gente de "esquerda" mas antes galegos que desde sempre olharam para a margem esquerda do Minho com atenção, curiosidade e alegria. 

Alguma da minha modesta história da resistência ao "estado novo" passa por estas paisagens para onde no início dos anos 70 encaminhei alguns fugitivos à polícia e à tropa. 

Não faço parte dos defensores  ua Galiza independente e, pelos vistos, há uma fortíssima maioria de galegos que se encontra confortável com a autonomia da região.

Acompanhei esse processo desde sempre graças a dois amigos galegos, Luís Seoane  e Xesus Alonso Monteiro, que em 1969 vieram até Coimbra para apoiar a encenação de "Castelao e a sua época", uma criação colectiva dirigida pelo catalão Ricard Salvat para o CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra). Foi graças a esse inglório (porque a proibição da peça e a expulsão do encenador, ambas relacionadas com a  crise académica de Coimbra em 1969, destruíram o projecto) intento que conheci também o professor Rodrigues Lapa, uma autoridade nas questões da língua quer portuguesa quer galega.

"Xá falamos!" , diziam os meus conhecidos da outra margem e mesmo que ainda hoje não seja clara uma norma linguística única, a verdade é que onde quer que se vá se ouve galego, "lengua de mariñeiros e labregos" durante séculos ignorada pelas elites locais que, provavelmente nunca teriam ouvido falar dos grandes trovadores galaico portugueses, honra e glória de uma poesia amável, forte e felizmente (mesmo que porventura parcialmente) salva por um par de cancioneiros que começaram por ser editados cá e rapidamente chegaram às livraria (e mais tarde às editoras) da Galiza.

E não deixa de ser irónico que uma das mais  emblemáticas canções da "nossa" geração "Cantar da emigração" tenha sido pela primeira vez cantada nesse espectáculo abortado pela Maria João Delgado e mais tarde tornado conhecida pela voz do Adriano Correia de Oliveira, meu amigo ecolega desde caloiro. A música é do Zé Niza, outro de Coimbra  que bem conheci não só pelo seu talento como músico de Jazz, como compositor, mas também pela facto de ele mesmo ser do nosso grupo de teatro.

quando se fala do 25 A esquece-se muitas vezes o Niza (mais velho, que ele tinha um irmão o Luís, também caloiro do meu ano...). Há um inteiro disco do Adriano só com músicas dele, compostas durante um par de noites duras em Angola onde ele cumpria como médico o serviço militar. 

Se não erro, o Adriano queria chamar ao disco "Adriano canta josé Niza" mas este recusou. Modéstia a mais, digo eu  que já aqui, neste blog que tem quase vinte anos, o referi  com saudade admiração e amizade.

(e já que estamos numa de recordações musicais de Coimbra-e para responder a um casal de leitores sempre esclareço que sim, conheci o Zeca em Coimbra

mais precisamente numa tarde inesquecível no café Mandarim (o "kremlin") na Praça da República (a "praça vermelha"). Foi o Jaime Magalhães Lima, netodo velho grande senhor, e estudante de Ciências, amigo do meu irmão e mais tarde seu primeiro hospedeiro em Paris no início do seu forçado exílio, quem me chamou e apresentou o Zeca que acabara de lhe mostrar dois poemas que escrevera e estava a musicar: os vampiros e bairro negro. Foi, como se diz em "Casablanca" io início de uma bela amizade. Obviamente conhecia de ouvir discos o cantor que já o fino ouvido de meu pai me assinalara depois de comprar a "Balada de Outono". O meu pai era um coimbrinha temível, indefectível da "Briosa" cantava fado animador da Associação dos Antigos Estudantes e entristecia-se com a minha pouca fé  nas tradições da "academia". Claro que não se entusiasmou demasiadamente com as cantigas mais revolucionárias mas reconhecia naquele poeta e cantautor um talento formidável,

E sempre nesta onda mansa de recordações pré-abrilistas cabe ainda um parágrafo para recordar o Zé Mário Branco que em certa altura de penúria partilhou o meu quarto na casa da C Laura. Depois desandou para Paris e logo nos inícios de 68 tive o prazer e a enorme oportunidade de o ouvir cantar num pequeno bistrot . A primeira versão do "soldadinho" poema da Natália Correia e posteriormente cá chegado num single mal amanhado. que naturalmente perdi... 

 

 

Permiti-me citar estes meus desaparecidos amigos por isso mesmo. Por terem já morrido e por terem, sem qualquer margem para dúvidas contribuído para que o 25 A passasse de golpe militar a revolução e, ao mesmo tempo, para reafirmar que eles, e uma pequena multidão de gente como eles, foram durante anos e anos a fio os resistentes, os lutadores pela democracia e pela liberdade. Sem armas mas com talento, sem especiais ambições mas teimosamente, foram construindo a grande maré  que nestes dias  celebrou meio século, mais que meia vida no meu caso.

Voltando ao título, verifiquei que não é só cá que faltam jornais espanhóis. Em Santiago vi-me e desejei-me para comprar o El país. No casco histórico terão desparecido todos os quiosques e "estancos" onde com o tabaco se vendiam jornais. Na autoestrada as lojas anexas às bombas de gasolina pura e simplesmente não vendem qualquer tipo de imprensa. Um desastre par quem, como eu, não passa sem jornais ( e não se habitua aos jornais online.... 

Quando parámos em Tui para almoçar  e fomos por uma tabacaria demos com o nariz na porta: hora de almoço o que em Espanha pode ignificar m bom par de horas... E logo no dia em qie El país traz o suplemento literário!

Arre que é azar.

Pior: é um péssimo sinal. 

 

 

  

 

Um voto em André Villas-Boas

José Carlos Pereira, 26.04.24

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Amanhã, dia de eleições para os órgãos sociais do FC Porto, voto convictamente pela mudança, voto em André Villas-Boas. Depois do que aqui escrevi aquando das eleições de 2016 e das razões que aduzi para o meu voto em branco nas eleições de 2020, é natural a minha opção pela candidatura de André Villas-Boas.

Em 2020 votei pela primeira vez nas eleições do FC Porto e votei em branco pelo facto de não vislumbrar nas candidaturas alternativas a Pinto da Costa o "percurso, a experiência de gestão e a liderança necessária para inverter a situação" em que se encontrava o clube. Desde então, a realidade do FC Porto agravou-se de forma notória e acredito que André Villas-Boas e a sua equipa asseguram as competências necessárias para iniciar um novo ciclo na gestão do clube. Aliás, mesmo que alguns erros de percurso possam vir a ser cometidos pela novel equipa directiva, prefiro suportar esses custos de inexperiência a continuar a ver no poder uma estrutura que conduziu o FC Porto a uma situação financeira insustentável, aumentando para valores incomportáveis o passivo e a dívida, com reflexos evidentes na perda de capacidade competitiva.

Jorge Nuno Pinto da Costa foi um presidente com uma acção notável e inesquecível. O seu trajecto jamais pode ser olvidado. Contudo, a última dezena de anos foi um absoluto desastre. Os títulos passaram a escassear, a situação financeira depauperou-se com opções de gestão erradas, a dívida asfixiou o clube até ficar sob a alçada do fair-play financeiro da UEFA e perder capacidade competitiva perante os seus rivais internos. Contudo, a remuneração elevada da administração e os prémios de gestão mantiveram-se intocáveis. Os prémios foram processados e pagos mesmo em ano de pesados resultados negativos.

O FC Porto passou a ser mais falado pela incapacidade de contratar activos de valor insuspeito, pelas vendas de passes de jogadores abaixo do respectivo potencial valor de mercado, pelas margens exageradas distribuídas por agentes e intermediários, deteriorando as mais valias alcançadas com as vendas de passes de jogadores, e pela necessidade de mendigar apoio financeiro junto de entidades pouco escrupulosas. Era público que alguns desses agentes, a começar pelo filho do próprio presidente, gozavam de acesso privilegiado à administração da SAD, tal como ficámos a saber que aqueles que criaram veículos para "ajudar" financeiramente o FC Porto, agora são catapultados para os lugares de vice-presidente financeiro e CFO da SAD na candidatura de Pinto da Costa. Mal comparado, era como se as raposas fossem levadas para dentro do galinheiro.

Tudo o que se passou nos últimos tempos, já dentro do período oficial eleitoral, mostra o desespero da candidatura de Pinto da Costa. Das declarações proferidas por vários dos candidatos aos compromissos assumidos. O projecto da academia na Maia, com impacto significativo no futuro do clube, foi levado por diante sem qualquer consulta e avaliação prévia dos associados. A venda dos direitos comerciais a uma multinacional, com impacto para os próximos 25 anos, foi concluída de forma incompreensível a poucos dias das eleições. O mesmo se pode dizer da renovação por quatro anos do contrato com o treinador. Candidatos a vice-presidentes como António Oliveira, que em tempos não muito distantes se mostrou animado para uma candidatura a presidente do...Sporting, ou João Rafael Koehler, aparecem a falar em público como se já fossem da casa e conhecedores da realidade interna do clube.

Pinto da Costa, que agora até diz que não haverá prémios de gestão, não soube detalhar, em várias entrevistas, quanto custará o projecto da academia da Maia ou quais são os juros suportados pela SAD no financiamento assegurado através dos veículos associados a João Rafael Koehler. Outros saberão as respostas! Ontem, Pinto da Costa já foi admitindo que pode vir aí coima pesada da UEFA devido a incumprimento, "por dez ou 12 dias", das regras do fair-play financeiro. Enfim, é tudo mau demais.

A mudança é imprescindível. Os associados reclamam mais transparência, mais sobriedade na administração, mais ponderação nos negócios, um maior nível de escrutínio e uma estrutura mais diligente na prestação de informação. André Villas-Boas e a sua equipa transmitem as garantias necessárias para acreditar num novo ciclo assente numa gestão rigorosa, criteriosa, mas também ambiciosa. 

Voto convictamente pela mudança. Voto em André Villas-Boas!

 

 

O 25 de Abril chegou tarde a Marco de Canaveses

José Carlos Pereira, 25.04.24

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Para comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974, relembro aqui a ocasião em que o Dia da Liberdade foi evocado em cerimónia oficial na Câmara Municipal de Marco de Canaveses, após um longo período de ostracização da data e do seu significado. Foi em 25 de Abril de 2006 que isso ocorreu e pareceu-me oportuno recordar o discurso que então fiz na qualidade de coordenador do grupo municipal socialista:

"Senhor Presidente da Assembleia Municipal, Senhoras e Senhores Deputados

Senhor Presidente da Câmara Municipal, Senhora e Senhores Vereadores

Excelentíssimos Senhores e Caros Marcoenses

Encontramo-nos hoje aqui a celebrar uma data determinante do Portugal contemporâneo – o dia em que um punhado de jovens militares teve a ousadia e a coragem de conduzir uma revolução que mudou o regime político e abriu as portas à construção de um estado de direito, livre e democrático.

Não é possível comemorar o dia 25 de Abril de 1974 sem enaltecer a acção desses homens a quem tanto devemos e à frente dos quais me permito destacar, pela coragem, pela humildade, pelos valores, pelo desapego ao poder, o malogrado Fernando Salgueiro Maia.

Num poema que lhe dedicou, a poetisa Sophia de Mello Breyner evocou, de forma sublime, a dimensão humana de Salgueiro Maia:

“Aquele que na hora da vitória

Respeitou o vencido

Aquele que deu tudo e não pediu a paga

Aquele que na hora da ganância

Perdeu o apetite

Aquele que amou os outros e por isso

Não colaborou com sua ignorância ou vício

Aquele que foi “Fiel à palavra dada à ideia tida”

Como antes dele mas também por ele

Pessoa disse”

O processo revolucionário que se viveu nos anos imediatamente a seguir à revolução não foi isento de percalços, mas foram esses jovens capitães de Abril que permitiram que a minha geração e as que se lhe seguiram crescessem numa sociedade renovada, aberta, plural, receptiva a todas as formas de manifestação artística e cultural. Sem censuras, sem medos, sem ameaças. Sem polícia política e sem guerra. Com total liberdade.

O país renascido em Abril percorreu o seu caminho, por vezes com dificuldades, mas soube ganhar o respeito da comunidade internacional, e acabou por constituir um exemplo pela forma como decorreu o processo de transição para o regime democrático e a integração na União Europeia.

Senhoras e Senhores

Comemorar o 25 de Abril em Marco de Canaveses é também um motivo de particular regozijo e satisfação. Ainda há dois anos atrás, por ocasião do 30º aniversário da revolução, propus na Assembleia Municipal que a autarquia assinalasse essa efeméride condignamente, com o objectivo de fazer lembrar os mais novos da importância da data e de fomentar a participação cívica da juventude. Sugeri então que se realizassem conferências e debates nas escolas, envolvendo protagonistas da revolução e representantes dos partidos políticos, que se fizesse uma sessão solene aberta à população e que fossem homenageados os primeiros autarcas eleitos pelo regime democrático em 1976. Esta proposta não teve qualquer acolhimento por parte da Câmara Municipal.

Aliás, as comemorações do 25 de Abril em Marco de Canaveses estiveram limitadas nos últimos anos às iniciativas de um grupo de democratas, provenientes de vários quadrantes políticos mas unidos pelo propósito de defender a liberdade e os valores da cidadania responsável, de lutar pelo desenvolvimento estruturado da sua terra e pela dignificação dos marcoenses, nunca abdicando de levantar a voz contra as arbitrariedades e os atropelos.

A afirmação do poder local democrático, uma das conquistas de Abril, não teve um percurso fácil na nossa terra. Durante mais de vinte anos, o que se viveu em Marco de Canaveses foi a consagração de um projecto de poder centrado numa pessoa e nos seus interesses. Tudo foi construído e alimentado em função de um desígnio: consolidar o poder a partir da presidência da Câmara Municipal.

Essa rede de interesses envolveu empresários, clubes, associações, comunicação social e praticamente todos os agentes da sociedade civil que, por este ou aquele motivo, dependiam da autarquia para o desenvolvimento das suas actividades. Poucos foram aqueles que não sucumbiram à força do poder.

Houve adversários políticos que mudaram de campo porque isso era mais conveniente, houve quem se deixasse encantar por negócios ou assessorias, houve quem tudo fizesse em troca de um emprego para si ou para os seus. Houve mesmo quem perdesse por completo o amor-próprio e, depois de insultado ou agredido, se tivesse rendido aos encantos do poder.

Para superar este período e preparar um futuro diferente, precisamos no entanto de entender o que esteve na base do sucesso desse projecto de poder. E falo de sucesso porque, não o esqueçamos, esse poder foi sufragado por sucessivas maiorias de marcoenses durante mais de vinte anos.

O nosso concelho tem de ser uma terra de homens e mulheres livres. Onde os nossos jovens tenham sucesso na escola e na procura de emprego qualificado. Onde os empresários não necessitem de favores para verem aprovados os seus projectos.  Onde o relacionamento entre a autarquia e os clubes e associações seja sadio e transparente. Onde a comunicação social seja isenta e independente. Onde as organizações da sociedade civil sejam estimuladas e apoiadas sem necessitarem de ser subservientes com o poder. Onde as manifestações culturais fomentem a busca de novos conhecimentos e o desenvolvimento do espírito crítico. Onde a promessa de um emprego não seja meio caminho para renunciar a valores e a compromissos.

Quando estas premissas forem garantidas, não haverá lugar para mais populismos e demagogias. Cidadãos esclarecidos, activos e intervenientes são mais exigentes com os responsáveis políticos e não se deixam enganar facilmente pelos vendedores de ilusões.

Senhoras e Senhores

Trinta e dois anos depois da revolução de Abril, há ainda muito por fazer em Marco de Canaveses. Neste período, perdeu-se demasiado tempo, muitas oportunidades foram desbaratadas e muito dinheiro foi entretanto desperdiçado.

O concelho de Marco de Canaveses e a sub-região do Tâmega, onde estamos inseridos, registam indicadores de desenvolvimento dos mais atrasados do país. Seja na educação, na cultura, na economia ou no ambiente. É urgente, por isso, encontrar um rumo novo.

Não nos podemos conformar com as taxas de abandono e insucesso escolar, com o défice de iniciativas culturais, com as taxas de desemprego superiores à média da região e do país, com o definhar do comércio tradicional e da agricultura, com a ausência de empresas de capital tecnológico, com a escassa cobertura das redes de água e saneamento, com o desinvestimento na defesa e valorização da floresta, com o desaproveitamento das condições ímpares proporcionadas pelos cursos fluviais que servem o município.

O concelho precisa de fazer ouvir a sua voz, de reivindicar novas escolas, de lutar por melhores acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, de atrair projectos estruturantes, de construir equipamentos culturais e desportivos, de criar emprego e fixar os jovens quadros.

O partido que venceu as últimas eleições autárquicas tem pela frente o desafio de concretizar as propostas e os projectos apresentados aos marcoenses e será por isso julgado no final do seu mandato. O facto de não possuir maioria no órgão deliberativo do município exige capacidade de diálogo, disponibilidade para acolher propostas de outras forças políticas e total transparência nas decisões.

O Partido Socialista, através dos seus autarcas, continuará a ser uma oposição interveniente, leal e responsável, firme na defesa das suas ideias e dos seus princípios, honrando os compromissos assumidos perante os marcoenses.

Queremos ajudar a construir um futuro melhor para Marco de Canaveses. Com esperança, determinação, ousadia e ambição. Ainda e sempre, em nome de Abril!

Obrigado"

Au bonheur des dames 618

mcr, 24.04.24

Amava(mos) a vida e  a liberdade

mcr, 24-4-24

 

Quem, generosamente ,me vai lendo e aturando sabe que nestes dias, volto a um tema de sempre, a esse dia inicial e limpo e luminoso que dividiu para sempre a minha vida e a vida de todos queiram eles ou não os que, à época, por cá andavam.  

Por cá, e pelos ásperos caminhos da emigração, da clandestinidade, da aventura, da guerra  ou  e é útil e bom lembrá-lo) estavam encerrados em atrozes enxovias  de que só refiro Peniche ou Caxias (e esta foi a minha casa um largo par de vezes...)

Hoje o "Público" traz além de um par de notícias, uma singela mas justíssima homenagem a Mário Soares  e intitulava um dos textos com o título do folhetim. Mais precisamente "amava a liberdade...

Começo por essa figura incontornável que tive a honra e o prazer de conhecer no rescaldo da crise de 69, em Coimbra, na República dos Kagados, num encontro organizado pelo Luís Filipe Madeira. Soares vinha solidarizar-se com a malta de 69 e, eventualmente, recrutar alguns militantes para A ASP (antecessora do PS). Graças a uma conversa que mantive durante uma boa meia hora com Catanho de Meneses, Soares tratou-me com extrema gentileza  mesmo se eu, inebriado pelos ardores combinados da juventude e do Maio francês não tivesse (coisa de que posteriormente me arrependi e lhe comuniquei por alturas da 1ª campanha presidencial), não tivesse correspondido ao propósito da reunião. De resto, na altura, quase ninguém, tirando o Luís Filipe, tivesse assentado praça na minúscula aventura socialista. 

Nessa reportagem refere-se um modesto hotel na r. de Medicis em Paris  que conheço bem por desde 1968 ter nele pernoitado. Aliás foi quase sempre o meu hotel não só porque era a bom preço mas também porque estava a dois passos do meu mundo parisiense e, além do mais, nas traseiras da enorme livraria Joseph Gibert, quatro ou cinco andares de livros!

Para alguns presumidos (e presunçosos) "pais da democracia" é provável que não se lembrem, ou façam por não se lembrar desta enorme figura que, desde os anos quarenta e picos, esteve em todos os combates e em várias prisões, para não falar na deportação em S Tomé e no exílio.

Também farão por não se lembrar de uma série enorme de portugueses eportuguesas  que comeram o pão que o diabo e a ditadura amassaram , enquanto eles ainda não tinham "visto a luz" nem percorrido a sua especial "estrada de Damasco". 

E, se essas excelentíssimas figuras me permitem, quero aqui chamar  Rui Feijó, Jorge Delgado, Paulo Quintela, Luís de Albuquerque, Joaquim Namorado, Marcos Viana, "Fred" Fernandes Martins JJ Teixeira Ribeiro. Judite Mendes de Abreu, Alcinda Delgado, para só citar algumas das figuras mais velhas com quem privei, com quem aprendi, que admirei e a quem estou profundamente reconhecido.

E acrescentaria, já agora, "rapazes  e raparigas" do meu tempo, a Fernanda da Bernarda, a Fernanda Granado,              o António Mendes de Abreu, o Luís Bagulho, o João Quintela, os dois Alfredos (Fernandes Martins e Soveral Martins), João Bilhau, Alfredo Estrela Esteves,  Abílio Vieira, Jorge Bretão, Carlos Candal, Helena Aguiar, José Augusto Rocha, João Amaral, Aníbal Almeida, José Barros Moura, António Taborda, Francisco Delgado, José Luis Nunes, Mário Brochado Coelho, Irene Namorado, Manuel Sousa Pereira e mais dez, cem, mil com quem convivi, com quem partilhei a prisão, com quem conspirei, todos já desaparecidos.

E se os cito, esquecendo seguramente muitos mais, é apenas porque, desde sempre, pretendi e acredito que a História se faz colectivamente, mesmo se, como a floresta esteja pejada de árvores de todos os tamanhos  que ajudam, protegem  e contribuem para a paisagem, o clima, a retenção da água e do carbono. 

O 25 é isto, o resultado disto, a história disto, um misto de generosidade, civismo, coragem, angústia e esperança. E teimosia, claro, trabalho miudinho, constante sem se perceberem bem os resultados.

Estes meus amigos, todos já mortos, semearam a liberdade e agora fecundam a mãe terra e deixam em quem os recorda um terno, suave, alento

Celebremo-los amanhã seja de que modo for. Marchando Avenida abaixo, reunindo com amigos, conversando cm filhos e netos,  passeando à beira mar e relembrando as canções daquele tempo por exemplo esta com letra de Carlos de Oliveira, outro que tal, luminoso poeta escritos da Gândara que nos deixou um par de livros que teimam em estar vivos e legíveis. A música é, como não poderia deixar de ser, de Fernando Lopes Graça

 

......................

 Terra Pátria serás nossa,

Livre e descoberta enfim,

Serás nossa,

Ou este sangue o teu fim.

 

E se a loucura da sorte 

assim nos quiser perder, 

Abre os teus braços de morte 

E deixa-nos aquecer.‎ 

 

 

*  o poema chama-se Mãe pobre e faz parte das "Canções Heroicas" de Fernando Lopes Graça

Vai o folhetim para Mª João Delgado, Teresa e Luisa Feijó, Isabel Punro, Isabel Coutubo, amélia Campos, João Vasconcelos Costa, Francisco Guedes, Mª Jsé Carvalho e Drancisco Belard 

E em homenagem a dois poetas maiores amigos certos que escreveram em vários tons a vida e a liberdade: Fernando Assis Pacheco e Manuel António Pina

au bonheur des dames 617

mcr, 21.04.24

De minibus curat pretor?

mcr, 21-4-24

 

 

O sr. tenente coronel Vasco Lourenço, auto proclamado representante da "revolução dos cravos veio, outra vez dizer o habitual par de banalidades que usa desde sempre para falar da sua  posição sobre Abril. A criatura vai-se repetindo, ano após ano graças a jornalistas com pouca imaginação que sabem que ali tem sempre uma dúzia de narizes de cera sore a aventura dos "capitães" de Abril. 

Desta feita o entrevistador de serviço escolheu para realçar a chamada à leitura  pouco entusiasmante do monólogo de VL  a frase " os verdadeiros pais da democracia são os capitães de Abril". 

(Quanto às mães nada!)

 

Digamos que, a propósito da jactância do brioso militar, Brecht escreveu o poema "perguntas de um operário leitor" de que só cito um par de versos. 

"César bateu os Gálios.

 Não ter consigo um cozinheiro ao menos?" 

Conviria lembrar, se é que vale a pena, que juntamente com os militares profissionais de que VL faz parte marcharam umas dezenas de jovens oficiais milicianos bem como uma chusma de soldados que faziam o smo.

 

Pelos vistos não partilham a paternidade de VL  mesmo se, como foi o caso, quase todos soubessem o que arriscavam

Também, pelos vistos, no país que sofria as agruras de um regime implantado por militares (os de Maio, sustentado anos a fio por esses mesmos cavalheiros) ninguém se incomodava. 

Ora, correndo o risco de me auto elogiar (eu e milhares de companheiros, colegas e amigos da mesma idade de VL que, desde 1960 fazíamos o que podíamos nas universidades mas não só)contra  o Estado Novo) mesmo sem querermos ser pais, mães, tios, avós ou sequer primos da Democracia versão Lourenço, nunca nos negámos aocombate. É verdade que não tínhamos armas, nem provavemente as saberíamos usar, ma passamos pelas cadeias políticas  vezes sem conta, andámos na clandestinidade, em fuga, no exílio ou, ironia da sorte muitos foram mobilizados e morreram em África ou de lá regressaram fortemente traumatizados.

Mas além desta malta da minha geração, outras houve, e desde o dia 29 de Maio de 1926 que se opusera, que lutaram, que resistiram, que deram com os ossos no Tarrafal ou em Peniche  sem que os militares da altura e mesmo os do tempo do sr tenente coronel se dessem por achados,

Convenhamos, demorou muito tempo, pelo menos uma boa dúzia de anos para que, finalmente, no seio da tropa, despontasse um movimento que começou como se sabe por questões de estatuto militar e que, graças a uma guerra que paulatinamente assumia proporções de tragédia (portuguesa e africana) e que era condenada em toda a parte, para que os que tinham armas, conhecimento delas, tiopas ao dispor se fartassem, se indignassem se revoltassem.

Ninguém nega ao sr. tenente coronel Lourenço e a todos (todos, todos...) os que marcharam na noite de 24 para 25 até Lisboa um aplauso e a gratidão que logo e revelou nas ruas de Lisboa  e do resto do país logo que começaram a ouvir-se as primeiras (e confusas) notícias. 

No Largo do Carmo, e nas ruas que para lá convergiam ainda Salgueiro Maia não tinha mandado disparar um só tiro e já uma multidão de paisanos se aglomerava, se pendurava nos tanques, oferecia cigarros e comida aos soldados e berrava a plenos pulmões contra a GNR, o regime, Marcelo Caetano  enfim clamava, aplaudia a liberdade que ainda parecia duvidosa. 

O programa do MFA transmitido pela televisão ao inicio da noite era, queira VL ou não um punhado de boas intenções mas não um verdadeiro projecto de Democracia. Até ali tudo o que se proclamava cheirava a mero golpe de Estado mas não a revolução democrática. Nem sequer estava clra a libertação ds presos políticos que, aliás, ainda andou embrulhada numa estúpida distinção entre crimes ...

O MFA iniciou um processo que num par de meses se transformou em Revolução. Esta foi-se fazendo ao longo de tempos nem sempre fáceis e em boa verdade só depois de Novembro do ano seguinte, começou a ser  pensada e reconduzida a estrictos caminhos democráticos. E mesmo depois, já com uma Constituição, eleições, Governos  ainda houve uma forte intromissão dos putativos pais da democracia  ou de quem era seu delegado (refiro-me ao Conselho d Revolução de que VL foi membro até à sua tardia extinção)tenente  

 Por outras palavras, os militares tardaram em regressar aos quartéis. E não foi por acaso que até a Presidência da República  foi primeiro (e por duas vezes) disputada por militares.

o tenente coronel Vasco Lourenço pode não ter tido a oportunidade de se distinguir como Salgueiro Maia, Otelo (que depois deu no que deu...) ou Melo Antunes. 

De todo o modo sobreviveu a todos e é o presidente da Associação 25 de Abril. Todavia, é ele quem todos os anos distribui os louvores e as repreensões  aos políticos. É provaável que estes façam orelhas moucas ao papel deste censor das sensibilidades democráticas mas  enquanto houver jornalistas sem assunto e lugares comuns para debitar teremos e sempre na mesma data Vasco Lourenço

Seria bom que alguém lhe explicasse que os movimentos colectivos são isso mesmo, colectivos sem pai nem mãe ou então com uma gigantesca quantidade de actores que felizmente não se atribuem mais louros do que os devidos

E, já agora, seria igualmente interessante que alguém lhe dissesse que foram militares e quase só militares os fautores do 28 de Maio, os protectores do dr Salazar, os defensores do regime por ele instituído e, durante largas dezenas de anos os beneficiários desse regime. Depois, uma guerra inútil e fora do tempo, lá os foi lentamente convencendo de um par de verdades contemporâneas. Mas demoraram bastante tempo a percebê-lo

 

(o título deste folhetim refere uma famosa frase jurídica "de minibus non curat praetor" que significa que o julgador não trata de trivialidades. Porém,  eu estou como o jornalista sem novidades. E não tendo o bey de Tunes à mão socorri-me da prata da casa. )

estes dias que passam 900

mcr, 17.04.24

Onze anos depois 

(ou cinquenta e cinco ou mais de setenta)

mcr, 16-4-24 

 

 

Falta pouco mais de uma semana para os festejos do cinquentenário. 

Por razões que não vale a pena esmiuçar caí num texto meu de 13 de Agosto de 2013. Reli-o e achei que republicá-lo sem alterar uma vírgula seria uma boa maneira de começar a referir-me a esse dia antigo e justo.

E, entretanto, pergunto-me se o menino referido que se chamaria Joel  realizou ou está a realizar alguns dos seus sonhos.

Sonhos simples, decentes, que num país civilizado, europeu, no sec XXI pareceriam fáceis  de se tornarem em realidade. 

Tenho porém um mau feitio que a idade só tem agravado e temo bem que aquele grito de alarme televisivo e posteriormente o meu post tenham sido engolidos pelo nevoeiro. 

 

 De todo o  modo, amanhã, 17 de Abril passa mais um aniversário do início da crise de 69. Recordo, entre tantos papéis publicados um que falava dos "companheiros de bibe e pião" que a nossa geração vira ficar pelo caminho.

No meu caso, dos meus colegas da quarta classe só eu cheguei à universidade. A grande, esmagadora maioria ficou-se pela pesca artesanal ou longínqua e alguns, raros, terão tido pequenos mas meos arriscados trabalhos e empregos. Não é exactamente um remorso o que sinto mas apenas um sentimento absoluto de revolta que o tempo  (e neste caso já lá vão mais de setenta anos...) não conseguiu apagar. Eis o texto que reencontrei

 

 

 estes dias, 297 13-8-2013

 

  

Mal, muito mal,

 

Meu caro Portugal

 

 

 

Ai Portugal se ao menos fosses só três sílabas, sul sol e sal, escrevia alguém, assim ou parecido, já não recordo e daqui deste lugar diante do mar, destino antigo, fado nosso, agora só bom para turistas de pé descalço e esgoto, quero escrever sobre o menino, ontem entrevisto na televisão.

 

A história é simples:

 

Um miúdo, que vive em cu de judas mais velho, para lá duma serrania de que esqueci o nome, um miúdo de dez anos brinca com o telemóvel enquanto guarda um cento de ovelhas pertencentes(?) à família.

 

O garoto é esperto, rápido na resposta e, segundo testemunhos familiares, bom aluno. Vai entrar no 5º ano com uma média de quase 5. Quer ser algo mais e algo melhor do que pastor de cabras numa montanha antiga e íngreme. O pai – e um irmão que também falou – querem para ele as oportunidades que não tiveram. E têm orgulho no pequeno que guarda bem o rebanho enquanto num caderno fatigado vai fazendo contas “para não esquecer o que já aprendeu”.

 

E sonha em ir à praia que nunca viu mas imagina (ou sabe pela televisão) que tem água, “muita água, gente, areia e sol”. E, sonha, porque não?, em ir ao centro comercial onde há “lojas de roupa e de brinquedos”. Detrás do adulto à força espreitam dez intensos anos e um horizonte de brincadeiras.

 

Mas, entretanto, enquanto o Verão vai correndo, ele tem cabras todo o dia, o caderninho das contas para ”se não esquecer”, um telemóvel onde joga algum jogo e a montanha desumana, íngreme e quente.

 

Ao domingo, brinca com os primos... E, como no poema de Prévert, ou quase, não tem tempo para se aborrecer por saber que a seguir vem uma segunda feira de cabras, monte, canseira e o temor de algum lobo à espreita.

 

Que merda de país é este onde um menino, muitos, demasiados meninos, não têm outras férias que não estas de trabalho adulto e estes desejos tão simples, tão pueris, de ver um centro comercial e uma praia onde há areia, gente e muita água. E ele lá atrás das montanhas que se orgulha de saber nadar...

 

Oiço, irritado e triste, uns políticos quaisquer (neste momento um rapazola do PPD, outro do PS logo de seguida e finalmente uma rapariguinha do bloco todos a “mandar vir” um par de ninharias, dois narizes de cera, um chorrilho de imbecilidades que, todas espremidas, não dão água que valha para matar a sede a uma cabra no monte para lá do sol posto onde um pequeno cidadão escreve números num caderninho e sonha com o mar, tanto mar e um pobre brinquedo à venda numa loja de um centro comercial.

 

Desculpem se isto vos parece piegas ou, pior, populista. É que, às vezes, o cronista, para não começar seriamente a bater esta gentalha a tiro de caçadeira, tem de olhar para o lado para um cachopo com um metro e pouco de olho azougado e que se chama, será assim?, Joel, Joel guardador de rebanhos.

 

E sonha um mundo melhor. Mas, logo de seguida,

 

“E eu pensando em tudo isto,

 

fiquei outra vez menos feliz...

 

fiquei sombrio e adoecido e soturno

 

como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça

 

e nem sequer de noite chega...”

 

(Pessoa/Caeiro “o guardador de rebanhos, IV, in fine)

 

   

 

 

Estes dias que passam 899

mcr, 14.04.24

Será o Irão um tigre de papel?

mcr, 14.4.24

 

É o provável que os meus leitores não conheçam ou já não recordem a expressão "tigre d papel" que Mão Zedong (Mao tse tung) utilizou para caracterizar os Estados Unidos.

Estava-se em pleno tempo do conflito sino-soviético e Mao terá tentado troçar dos dirigentes da URSS e do seu alegado respeito pelas bombas atómicas do arsenal americano.

Os soviéticos teráo ripostado com algum humor dizendo que o tigre americano poderia ser de papel mas tinha dentes atómicos. 

tantos  anos depois, ocorreu-me que o Irão ao atacar Israel provou ser algo semelhante. De facto com trezentos drones, misseis balísticos e de cruzeiro praticamente todos abatidos antes mesmo de chegar aos céus israelitas a sua vingança depois de Damasco não terá impressionado ninguém mesmo se a sua acção alucinada deixe um rasto de questões e de ameaças quanto a uma guerra regional. 

Na verdade não só não surtiram efeito as ameaças aos países vizinhos de Israel que permitiram ou se resignaram a ver o seu espaço aéreo sulcado por aviões israelitas  (e isto depois das ameaças específicas de Teerão) que interceptaam com inegável eficácia a grande maioria das armas iranianas mas sobretudo fizeram com que o mundo não aplaudisse ou mesmo condenasse a acção dos militares iranianos que, ainda por cima celebram uma "grande vitória" por terem atingido uma base aérea no Neguev. Para já a base manteve-se em actividade e, pelos vistos, nenhum dos aviões (que provavelmente estariam no ar ou noutro sítio) foi destruído. Em segundo lugar, o Irão que nunca foi especialmente estimado pelos países do Médio Oriente  concitou as críticas de todos eles e terá mesmo levado alguns (quase todos) a "conversar" com Israel. 

No resto do mundo também não se anunciam apoios significativos à descerebrada tentativa iraniana. E é provável que mesmo as milícias que no Líbano, na Síria ou no Iémen lhe servem de aliados não se sintam particularmente felizes porquanto será sobre elas que recairão as bombas hebraicas. Isto se Israel não ripostar directamente contra a república dos ayatolahs. 

E aqui lembraria que por um lado os locais de tratamento de urânio são mais que conhecidos mas sobretudo que Israel tem dentes atómicos

Finalmente a desastrada intervenção aérea proporcionou uma nova e generalizada  vaga de apoio a Israel e mais uma vez dá-lhe mãos livres para o derradeiro assalto ao sul de Gaza. 

Eu não sou militar, muito menos especialista em questões deste teor mas depois de ouvir alguns peritos de várias nacionalidades começo a suspeitar que o milhão de militares iranianos  não seja eventualmente algo de especialmente perigoso.

 

Isto não significa que subitamente eu me esqueça do que em posts recentíssimos disse sobre Israel. Disse o mantenho todas as acusações feitas. 

Todavia, sobre o estado islâmico iraniano não tenho qualquer espécie de  simpatia, bem pelo contrário. E nisto, creio que estou de acordo com a maioria dos países árabes (todos sunitas) que não se comoveriam com a derrota, uma pesada derrota, dos iranianos E junto a esses o Afeganistão dos talibans ou o Paquistão, países ultimamente atacados por iranianos.

E também não creio que a Rússia corra em socorro do seu fornecedor de drones. Tem mais com que se preocupar com a Ucrânia. 

Sem rentar ser irónico, verifico que o sr Presidente da República convocou o Conselho de Defesa Nacional... 

o leitor (im)penitente 267

mcr, 12.04.24

Terra desolada*

(a propósito de Eugénio Lisboa)

mcr 12-4-24

 

"abril é o mais cruel dos meses, germina

lilases da terra morta, mistura

memória   e desejo, aviva

agónicas raízes com  a chuva da primavera

.................

(T S Elliot, "A Terra desolada, trad. de Ivan Junqueira

Nova Fronteira ,Rio de Janeiro, 1981)

 

Morreu anteontem Eugénio Lisboa, um dos mais importantes intelectuais de Moçambique (pré-independência), afastado da terra onde nasceu, onde resistiu, onde deu a conhecer autores também nascidos  nessa margem do Índico e igualmente maltratados por um poder autocrático, absurdo e, sobretudo, estúpido,  cuja governação ainda hoje assombra o território, sobretudo o norte.

Tirando o consulado de Joaquim Chissano, meu colega de liceu, no 2º ciclo, as desventuras do povo de Moçambique foram e são (ainda) muitas e trágicas.

ainda por estes dias um barco de pesca carregado de refugiados do cólera naufragou à vista da Ilha de Moçambique  deixando na baía mais de cem vítimas.

E quando não é doença, é a fome e sobretudo a guerra larvar que contamina toda a extensa zona de Cabo Delgado e ameaça as terras de Nampula.

Um Governo impotente para deter uma pequena seita islamista e fanática, obrigado a pedir ajuda a tropas de países vizinhos, a braços com mais de meio milhão de deslocados, eis o dramático panorama de uma terra  que poderia ser feliz, rica e livre.

Eugénio Lisboa, nascido na então Lourenço Marques, num bairro branco mas periférico, habitado por colonos pobres, engenheiro de profissão deixa uma vasta produção literária de notável qualidade onde, para além dos estudos sobre Régio, abundam crónicas, poemas, ficções e uma notável autobiografia  ("Acta est fábula, memórias", Opera Omnia, Lisboa) narra  no vol III,  a partir da p 423 os surpreendentes mas dramáticos anos de 1974 a 76 que a partir de uma esperança de descolonização necessária e sensata descambaram numa temporada de insânia onde, lado a lado, comungaram os brancos mais burros e incapazes com os africanos mais exaltados e radicais. Juntos conseguiram  tornar Moçambique num país que ainda não conseguiu escapar à situação de Estado quase falhado.

É verdade que uma boa parte dos portugueses que abandonaram o território (e muitos nem esperaram pela independência para o fazer)  tinham razões (más) de sobra para o fazer. Não lhes passava pela cabecinha ignorante e racista a ideia de serem governados pela maioria negra.

Todavia, houve um número também importante de portugueses  (e aqui cabem mulatos, negros, indianos e brancos)que nunca pensaram noutra pátria que não fosse aquela onde tinham nascido. que eram essenciais a todos os ramos de actividade; que  eram, como se verificou, insubstituíveis pelos "conselheiros" socialistas, mormente alemães da RDA que afluíram sem conhecer aquela realidade e, provavelmente, sem especial interesse em a perceber.

Também é verdade que muitos dos cooperantes vindos de Portugal só se distinguiam dos anteriores citados por falarem português. No resto supunham-se apóstolos de radicalismos esquerdistas que provaram dolorosamente a sua absoluta ineficácia e tornaram ainda mais dura a vida das pessoas. Outros mais sensatos e capazes não conseguiram impor-se aos primeiros e, regra geral, regressaram desiludidos  à ex-metrópole colonial (conheci pessoalmente uma boa dúzia e sei de muitos mais). Pela parte que me toca, colaborei à distancia, e sempre pro bono, em alguns projectos  e guardo com particular carinho um livro editado  em Maputo, Kutsemba carão edições, 2010,  prescindo eu, gostosamente, dos direitos de tradução de "Cem garrafas na parede" obra da minha amiga cubana Ena Lucia Portela, autora várias vezes premiada e muito traduzida. 

De certa maneira, o exílio forçado DE Eugénio Lisboa (como o de Rui Knopfly, um grande poeta de Moçambique que teve o azar de nascer branco (e a lista de intelectuais cientistas e técnicos de rara ompetência que subitamente se viram despojados da terra em que se criaram, cresceram e ajudaram a prosperar é enorme) permitiu a Portugal ter diplomatas valiosos que para  aqui vieram  forçados. 

E não vale a pena mencionar os vexames, perseguições e violências várias que sofreram por terem permanecido naquilo a que chamaram pátria. E nesta lista cabem nomes que, hoje, passada a insana borrasca pseudo revolucionária da época Machel, são reclamados como pais fundadores de um país que cinquenta anos depois ainda não viu nem a paz nem democracia. 

A ditadura de Machel não poupou militanntes históricos da frelimo com provas dadas na resistencia interoiopr e na guerrilha. assim, sebastião mabote, general, foi destituido dos seus cargos, enviado para cuba, penou 14 meses numa prisão até conseguir ser libertado mesmo se, já não pode voltar, às fileiras militares.

outro resistente conhecido , Matias Zefanias  M'Boa depois de ter passado sete anos preso durante o período colonial, foi julgado (Julgamento dos 300) em 1978 e condenado a mais cinco anos desta feita no Moçambique "libertado". Saiu da prisão directamente para o Cmité Central  da FRELIMO!!!

Malangata, o genial pintor, também não foi poupado mesmo se, no mesmo julgamento mencionado, nada se provasse contra ele. Foi deportado para o Norte de Moçambique para um campo de trabalho onde passou uma temporada dura sobretudo para um homem que já passara dos cinquenta anos. Após a época de Machel foi cumulado de honrarias pelas mesmas (ou quae) driaturas que o tinham perseguido.

como, acima narrei, esse famoso julgamento dos 300 nem sequer foi conduzido por qualquer instância judicial mas tão só por membros da FRELIMO que em pensaram que estavam a usurpar funções e a transformar o país numa ditadura autocrática.

 

 

De certa maneira, a elite branca e democrática que foi obrigada a sair de Moçambique logo nos primórdios revolucionários, teve imensa sorte. Caso tivessem conseguido ficar, é muito provável que não bastassem penas de prisão para os silenciar e punir...

 

Ainda não li (nem comprei) o "epílogo" das memórias para verificar se Eugénio Lisboa se debruça sobre os ásperos tempos  já posteriores à sua saída. Sei tofavia, que, em Cascais onde veio a morrer tinha como eventual vizinha Noémia de Sousa, "a mãe dos poetas moçambicanos" que já por várias vezes aqui referi- Mais uma intelectual que, como Bertina Lopes a "mãe dos pintores moçambicanos" (se me é permitido usar a citação sobre Noémia), morreu em Roma. É bem verdadeiro o título de um belo livro de poemas do cabo-verdiano Daniel Filipe "Pátria, lugar de exílio"  

 

 

Passos Coelho pulou a cerca

José Carlos Pereira, 10.04.24

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O antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho parece ter-se cansado do silêncio e recato a que se votou durante bastante tempo e que até tinha reforçado a simpatia que muitos sectores da direita democrática nutriam por si. Contudo, nos últimos meses algo mudou e Passos Coelho tem surgido em público com mais frequência, a querer marcar a agenda da sua área política, mesmo que isso seja um entrave à liderança do PSD.

Passos Coelho foi infeliz quando veio dizer que António Costa saiu por "indecente e má figura", deixando claro que tem contas por acertar com o ex-líder socialista desde que em 2015 se viu apeado do governo. Mais tarde, o antigo primeiro-ministro não temeu perturbar a campanha de Luís Montenegro ao associar imigração e insegurança, à boa maneira da extrema-direita, incentivando Montenegro a fazer tudo o que fosse preciso para assegurar a maioria, acolhendo se necessário o contributo do Chega e de André Ventura.

Agora, e em definitivo, Passos Coelho, pulou a cerca para a área da direita mais conservadora e reaccionária, nas ideias, nos costumes e nos valores. Ao apresentar o livro "Identidade e Família", Passos Coelho colocou-se do lado dos que olham de esguelha para o papel da mulher na sociedade e para a legislação do divórcio e são contra o direito ao aborto, a eutanásia, o casamento e a adopção por pessoas do mesmo sexo e a educação para a cidadania na escola pública, que procura preparar os mais novos para a diversidade dos dias de hoje. Esses sectores falam da família como se tivéssemos recuado 60 anos e erigem a dita "ideologia de género", seja lá isso o que for, como o maior mal das nossas sociedades.

Ver Passos Coelho aos sorrisos e cumprimentos com André Ventura e Diogo Pacheco de Amorim nesse evento, com palavras de incentivo a uma intervenção dialogante no parlamento, foi a cereja no topo do bolo, levando ao êxtase a extrema-direita "intelectual" que campeia pelas redes sociais. Ainda bem que não faltaram vozes dignas e qualificadas da direita e do PSD a distanciarem-se do discurso de Passos Coelho e das ideias veiculadas pelo livro. Portugal avançou e não deixará que se recue em valores fundamentais.

Nos últimos anos, costumava dizer que a mais valia de um eventual regresso de Passos Coelho seria fazer secar o Chega, recuperando boa parte do seu eleitorado para o PSD. Já não digo isso. Passos Coelho não vê mal no Chega e até parece contar com o partido de Ventura para os seus projectos políticos de futuro. O país saberá responder.

estes dias que passam 898

mcr, 08.04.24

são misteriosos os caminhos da Justiça

(ou 'parecem)

ou o que parece é

mcr, 6-4-24

 

 

Não tenho especial simpatia pelo dr António Costa  como já não tinha pelo seu antecessor. Aliás, uma vez, disse que entre um e outro eram mais as semelhanças do que as diferenças. A Teresa Portugal ia-se passando. Acusou-me sem especial convicção que eu os confundia com Dupont e Dupond (vê-se que essa excelente amiga tinha as suas leituras de Hergé). Eu nunca fui um fanático do Tintin mesmo se reconheço a qualidade mas também nunca me lembraria de utilizar os dois heróis de bd para caracterizar políticos portugueses. Ou estrangeiros, a menos que os admire. 

No caso em apreço  mesmo se não me sinta órfão de Costa, uma coisa é segura. A constituição de arguido num processo nebuloso cujas primeiras fases redundaram numa clara derrota da  acusação levou-o  à demissão e esta levou o Presidente da República a marcar eleições. Nenhuma das posições foi brilhante, sequer necessária.

E, agora, quase cinco meses passados, Costa pede para ser ouvido. C0nvenamos que 150 dias é já uma pesada pena e inibe qualquer pessoa de planear o seu futuro. A situação de arguido condena-a a um limbo miserável e, no caso em concreto, condena-o a não se apresentar como candidato  a qualquer cargo político, português ou europeu.  

por outras palavras há aqui um intromissão da justiça. na política que, ainda por cima, dado o que se conhece do processo pode dar em nada.

De resto, e quase simetricamente, também o presidente do Governo Regional da Madeira está em situação idêntica e às voltas com um processo cujos contornos parecem também eles pouco sólidos. disse "parecem" e não disse "são". Este processo caracterizou-se ainda por cima num penoso e pouco legítimo arrastar de dias em qe pessoas entretanto presas nem sequer puderam ser atempadamente ouvidas. 

quem, nos tempos da outra senhora, passou por incómodos semelhantes  (e é o meu caso) tenta perceber sem o conseguir onde estão as diferenças daquele tempo obscuro com o actual. E o mesmo desprezo pelos direitos do cidadão se bem neste caso os prazos de redução da liberdade não se comparem. Todavia, e este é o ponto, a privação da liberdade mesmo por um dia tem de ser claramente justificada. 

Ora a ideia quepassa passa para a opinião pública, custe isto o que custar aos senhores procuradores, é a de que se usa a prisão como muito à vontade, com arrogância e deixa também a ideia de que uns dias numa cela talvez intimidem o preso e o levem a confessar algo que não fez, ou que não fez daquela maneira. 

Também, quanto ao sr Albuquerque nada me liga. Não o conheço, passarei muito bem sem o conhecer mas a verdade é que esta situação de arguido mesmo em liberdade pode custar-lhe todo o seu futuro político.

 

A suspeita que é lançada deixa sempre traços e conhecem-se mais casos de carreiras políticas destroçadas mesmo se os processos levantados deram em nada. 

A suspeição atirada à  opinião pública pelo MP  é, queira este ou não, uma pena acessória de condenação inapagável. Não vou, se bem que me apeteça, lançar paralelos com os processos de outros tempos em que o simples rótulo de "comunista" ou o carimbo "ps (politicamente suspeito) tinha pesadas consequências até ao nível do emprego. 

Grande número, quase todos, dos processos levados ao plenário terminavam com condenação e pena acessória de medidas de segurança pr tempos longos. Isso também trazia consequências para osreus condenados. De certa maneira a coisa estava prevista nos códigos penais da época mas a época era farta em códigos e pobre em direitos fossem eles quais fossem. 

Cinquenta anos depois de Abril seria bom pôr fim a estas referências de arguido sem que rapidamente, imediatamente, se ouçam os incriminados. Pode pensar-se que há uma agenda oculta e justicialista nas actuações do MP o que seria, caso fosse verdade, uma tragédia para a democracia . 

Tenho por mim que uma das primeiras leis (seguramente consensual)a negociar entre PSD e PS seria exactamente sobre esta questão. Não deve ser dicil evitar a referência a arguido quando não está em caua a liberdade dele e sobretudo quando não se prevês a sua comparência muito breve diante de um magistrado. 

E como se vê Costa (há mais de cinco meses) e Albuquerque (há dois meses e meio) estão à espera não se sabe bem de quê. se é que mesmo esse "quê" exista ou tenha possibilidades de vir a existir.

 

 

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