estes dias que passam 950
Novembro mês de castanha(da)
mcr, 26-11-24
Durante muitos anos da minha vida, trinta e quatro para ser mais preciso, o 25 de Novembro era o dia da "Tomada da Bastilha", feriado estudantil em Coimbra, celebrando a "conquista" de um vago clube de lentes que foi transformado em sede da então novel Associação Académica.
Nos largos anos passaos em coimbra, sempre desfilei no cortejo de archotes, geralmente reivindicativo, que percorria as ruas da cidade já noite bem entrada.
Todavia, chegado que foi o ano de 75, a data tomou outro significado. Pessoalmente, entendo que o 25 de Novembro significou um par de coisas mais do que evidentes para quem então vivia intensamente a política diária. Em breves palavras, o 25 de Novembro defendeu e confirmou o 25 de Abril. Sou quem viveu esses anos de brasa é que recorda a tentativa mal sucedida de
assalto ao poder operada pelas franjas mais esquerdistas com um indisfarçável beneplácito do PC.
Todavia, a partir da manifestação da fonte luminosa, momento em que o PS finalmente mostrou a sua real força na rua, havia já entre muitos militantes da extrem esquerda uma forte suspeita de que a aventura esquerdizante tinha os seus dias contados. O patético discurso de Vasco Gonçalves em Almada, o slogan "força,força , comanheiro Vasco nós somos a muralha de aço" era como se verificou mais um dobre de finados do que um anúncio de um qualquer Outubro bolchebique. O cerco do Parlamento onde uma maioria de praticamente 80% dos deputados reduzia o PC e o seu fiel aliado MDP a uma minoria sem apelo nem agravo, demonstrava que havia uma clara tentativa de conquista do poder em Lisbos sem qualquer correspondência real na província.
Os militares moderados (e o grupo dos nove) puseram em cheque as poucas dúzias de oficiais alegafamente "progressistas" e revolucionários e o pequeno grupo de "comissários políticos" que subitamente surgiram.
O Presidente da República (Costa Gomes) logo que se deu conta do apoio dos socialistas e das restantes forças à direita destes, não só afastou Vasco Gonçalves mas também manobrou no sentido de isolar e sibstituir Otelo, então chefe do Copcon e de o substituir no comando das principais unidades militares de Lisboa por Vasco Lourenço. Aliás,Otelo, movido uma vez sem exemplo por alguma racionalidade, afstou-se voluntariamente da projectada insurreição.
Alvaro Cunhal que pouco antes garantira que a maioria parlamentar não tinha qualquer importância para a "revolução em curso" teve, também ele, o bom senso de conter as suas brigadas de choque que, entretanto, ainsa se juntaram em alguns locais à espera de ordem para constituir milicias populares e apoiar as forças militares revoltosas. Neste cenário, até Rosa Coutinho, o almirante "vermelho" terá contido os fuzileiros que se deixaram ficar nos seus quartéis.
Em boa verdade o golºe foi mais um acto desesperado do que uma verdadeira tentativa de tomar o poder. Foi também um erro de cálculo e uma manifesta imprudência para não falar do completo desconhecimento do país em estavam. Mesmo que tivessem ganho Lisboa não tinham qualquer hipótese de ganhar o país.
O 25 de Novembro foi um aventureirismo, um "esquerdelhismo" (para recordar um epíteto que o PC dava aos grupúsculos à sua esquerda) gritante.
Todavia, pelos vistos, ainda há quem faça o luto dessa jornada que foi patética em vez de heroica, insensata em vez de revolucionária.
É, porem, bom que se afirme claramente ue de facto houve um golpe e que foi contido por um contra-golpe. A versão actual que nunca houve acção golpista mas apenas mais uma intentona de Direita para abafar Abril é tão absurda como idiota. Os seus actuaisdefensores não perceberam ainda que se, de facto, a acção militar vitoriosa tivesse existido sozinha, Abril seria eventualmente mais uma memóris e teríamos, na melhor e mais branda hipóteses, uma espécie de versão hungara de governo.
Recordo-me de ao meio dia ter convidado um amigo vagamente novembrista para almoçar num restaurante onde se juntavam os socialistas mais aguerridos que, um tanto ou quanto estupefactos, nos viram entrar. De facto, no Porto vários antigos camaradas meus (eu saíra há pouco do MES) entenderam "passar à clandestinidade" refugiando-se sem grande critério em casa de amigos onde poderiam ser facilmente encontrados no caso de as forças vitoriosas (e para eles "reaccionárias") os quisessem procurar e deter. Aquilo era uma caricatura de Outubro de 17 onde se não avistava sequer um marinheiro de Kronstadt quanto mais um Lenin, um Trotsky ou um stalin...
Pelos vistos uns patetas de Direita que se tomam por radicais acham que tiveram algo a ver com a data. Não tiveram! Ponto, parágrafo! Excepção feita do terrorista MLDP lançador de bombas ou dos entusiastas de um cónego de Braga também muito activo, a direita saudosa de Salazar estava acagaçada e refugiada em casa e não se mexia. Esperava que o temporal passasse. Quem ganhou foi Soares e Sá Carneiro e também Freitas do Amaral.
O facto de o PC ter decidido não participar na sessão comemorativa, e de o BE ter apenas uma pessoa na sala mostra, quarenta e nove anos depois, que se consideram derrotados nesse dia, esquecendo-se que ao "borregar" um acto "revolucionário" não conquistaram sequer o direito de virem agora afirmar que Novembro traiu Abril .
Sem Novembro, no caso pouco plausível de vitória daquele frenética e pobre intentona, poderíamos estar hoje a suportar uma espécie de Maduro ou um qualquer lacaio de Putin (isto, porém, é tentar recordar a tese do nariz de Cleópatra e do seu eventual comprimento) Pensar Portugal como uma Cuba ibérica ou como uma Albânia sem Enver Hodja é um exercício fútil até para os derradeiros abencerragens dessas duas aventuras nacionais, uma das quais finada e outra com sinais de má saúde.
O que me surpreende (ou nem isso...) é o facto do partido vencedor de Novembro não ter sabido cortar o passo aos arruaceiros de direita.
Quanto à AD, começo a suspeitar que ainda não perceberam bem que qualquer apagamento perante propostas do Chega não os favorece nem agora nem no futuro.
Nem sequer os dois discursos marcantes na AR (Presidentes da República e da AR) retiram a formação política do estado de amnésia e anemia ideológica e política que manifestam.
De qualquer modo, o país não pareceu comover-se excessivamente com a jornada parlamentar e, provavelmente, em Coimbra, os estudantes terão celebrado a sua "Tomada da Bastilha". Se o fizeram, honra lhes seja.