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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 980

mcr, 25.04.25

Doppo Marx, Aprile 

(doppo Aprille, mai)

mcr, 25 de Abril, outra vez

Convenhamos: anda por aí alguma confusão, a menos que se trate de má fé. Ou seja: o Governo  (que não foi votado por mim) entendeu que os 3 dias de luto pelo Papa, deveriam fazer adira as festas que ele Governo organiza. Não as eliminou, apenas as deixou para a semana que vem. 

Imaginemos que não faia isto. Logo surgiriam vozes a acusar o Governo de transformar o luto em nada ou quase nada. 

Todavia, o Governo irá à AR como é hábito e nãao proibiu nenhuma manifestação prrivada ou particular nem deu ordens para as Câmaras eliminarem quaisquer manifestações, desfiles, reuniões celebrativas. 

 

2 Os jornais recordam o dia 25 de 75, data da primeira eleição livre. Em boa verdade, esta eleição foi forçada pelo Presidente Costa Gomes que a impôs avariados grupos e organizações que exaltadamente insistiam (com alguns militares..., diga-se de passagem) na recusa de eleições "burguesas".

O "Pública" dá em três p´ginas o testemnhos de pessoas que (e muito bem) reivindicam este dia 25-4-1975) como absolutamente excepcional, como uma primeira consolidação da Democracia.

3 Nesse dia todos os eus numerosos familiares emidade de votar acorreram às urnas  quase todos para votar pela primeira vez. Apenas alguns dos mais idosos teriam participado em eleições antes de 28 de Maio. É provável que os mais conservadores tenham ido às urnas durante o Estado Novo, pelo menos em eleições presidenciais, mormente na de 1958. 

Na parte que toca fui bem cedo para a minha assembleia de voto pelo que rapidamente cumpri o meu dever e exerci, orgulhosa e comovidamente, o meu direito de voto.

3 Todavia, não foi esta a primeira, mas antes a segunda vez, que votei. Na verdade, em 1969, a Oposição Democrática entendeu não desistir das eleições legilativas apesar de se conhecerem demasiadamente bem os limites existentes ao voto popular. Fiz parte com centenas de estudantes de Coimbra da Comissão Promotora do Voto,  colaborei activamente, ma campanha sendo orador em três comícios e forneci um documento importantíssimo sobre os "acontecimentos de Macau, a repressão colonial e as abjectas desculpas do Governo de Macau depois de uma forte pressão do governador da província chinesa fronteiriça. Insisto: Bastou uma nota dura de um governo local chinês para pôr em sentido as autoridades portuguesas de Macau. A coisa foi cuidadosamente escondida em Portugal (metrópole)  mas eu consegui apanhar o documento e entregá-lo ao Aníbal Almeida para ser divulgado pela CDE de Coimbra. Mais tarde o Aníbal divulgou esse e outros documentos num livrinho editado pela nossa editora resistente "Centelha" (na altura chamava-se "nosso tempo") com o título "sobre o Ultramar - fascismo e guerra colonial", 1974

Depois da campanha pr-voto, fui um dos delegados da oposição (CDE) de Coimbra às mesas de voto. Calhou-me a freguesia dos Olivais e devo dizer que, se não me receberam com simpatia também não me traaram mal. Os restantes membros da mesa de voto eram obviamente todos do Estado Novo, por convicção uns, por oportunismo outros ou mesmo por dinheiro. Sabiam perfeitamente que a oposição não tinha a mínima hipótese,que provavelmente nem era necessária qualquer chapelada, dada a composição do escasso corpo eleitoral  da época. De todo o modo devo confessar que fui para a assembleia de voto orgulhoso ("é altura destes biltres verem um democrata sem medo", escrevi num caderninho que conservei até o perder num incêndio já nos anos 80. claro que desta minha façanha há registo pidesco em um dos 14 processos de que fui alvo. Houve mesmo um insprector da pide que me interrogou durante a minha penúltima prisão que me declarou que "não considerava crime" essa minha participação!...

Portanto, neste duplo aniversário golpe militar e eleições no ano seguinte, tenho por mim que o primeiro voto em liberdade me soube bem mas sem o encanto de ter feito o mesmo quando as coisas eram muito, mas muito, mais difíceis. E prometi a mim mesmo votar sempre que houvesse eleições autárquicas, legislativas ou presidenciais e até hoje não galhei nenhuma. Antes mesmo de tomar o primeiro café da manhã apresento-me na assembleia de voto e pimba!, voto.Actualmente, e desde há um par de eleições voto branco por não aceitar que algo tão importante quanrto a escolha dos nossos representantes seja escolher uma molhada de criaturas (no Porto são 36 se não estou em erro) indicadas pelo aparelho do partido. desta forma nenhum eleitor pode pedir explicações ao deputado A, B ou X sobre o sentido do seu voto seja sobre que problema for. Convenhamos isto é pouco democrático e sobretudo torna as criaturas eleitas totalmente irresponsáveis pois ninguém as pode interpelar ou negar-lhe o voto na eleição seguinte. Mais uma originalidade nacional!...

 

(o título desta crónica baseia-se num título italiano de um livro de Maria Antonietta Macchiochi (a 1`parte) e um acrescento meu que pretende dizer que depois dos acontecimentos que marcaram os últimos meses de 74 e os primeiros de 75, isto é a tentativa de subverter os princípios de Abril para eventualmente recriar caricaturalmente a data de Outubro de 1917 Portanto "depois de Abril (de 74 e de 75)  entendo que os portugueses disseram e repetem eleição após eleição que nunca (mai) adoptarão ideologias que tendam para ditaduras fascistas, iliberais ou do proletariado que, de resto, no caso desta última, foram fragorosamente enterradas sob os escombros da implosão da URSS e do derrube do muro de Berlin.  

 

 

 

 

estes dias que passam 979

mcr, 21.04.25

Francisco

mcr, 21-4-25

 

tudo neste homem foi impressionante, a começar pela vida dele antes de sentir a vocação até à sua luta discreta mas indómita contra a miserável Junta ditatorial da Srgentina. O seu trabalho enquanto bispo e arcebispo de Buenos Aires, a sua alegria comunicativa, o seu entusiasmo pelo futebol e o modo simples e directo com que falaa com a gente da rua.

No dia em que, já Papa, se apresentou à multidão na praça de S Pedro,,  terminou desejando a todos um "bom almoço"  o que, convenhamos, contrasta(va) com a habitual seriedde dos seus antecesspres. As solas dos sapatos modestos em mau estado, a recusa em se alojar nos principescos aposentos dos anteriores Papas, tudo deixava logo no primeiro dia pensar que estávamos diante de um Papa diferente. A começar pelo nome escolhido, Francisco, recordando esse santo que, de certo modo, incendiou a fé e tentou mudar a Igrja.

Ei não passo de um pobre agnóstico, estou longe da Igreja católica, na qual fui educado, mas tenho que reconhecer que, desta vez, e muitos anos depois de João XXIII, algo de novo ilumina  a Santa Sé.

A própria história desta súbita (mas não inesperada) morte, na madrugada seguinte `Páscoa onde ainda apareceu, debilitado mas recusando-se a dar parte de fraco e deixando, mais uma vez, uma mensagem contra as guerras (e ele enumerou-as!...) que afligem o mundo.

Havia neste argentino algo do mítico gaucho das nossas histórias de infância, coragem, simplicidade, fé e um forte apego ao próximo. E como esses gaúchos míticos, também ele morre com as botas calçadas.

vai fazer falta, muita falta, inclusive a nós, agnósticos que o víamos como alguém com quem poderíamos conversar, dialogar, discutir e, muitas vezes, concordar.

"Onde está, morte, a tua vitória?"

 

 

 

o leitor (im)penitente 286

mcr, 19.04.25

Há mortes e mortes mas, no fim, nem todas vão dar ao mesmo

E no caso em apreço há um quarteirão de grandes romances

mcr, 16-4-25

 

Eu sei que no Sudão, em Gaza ou na Ucrânia  as pessoas caem que nem tordos, inutilmente , sem especial ganho para o matador como uma longa teoria de guerras e massacres (basta não ir mais longe do que o século passado para perceber o verso de Prévert Oh Barbara quelle conerie la guerre...)

Desta feita não destas guerras que quero falar, destas mortes, da imensa canalhice de um presidente que confunde (por imbecilidade, burrice, má fé ou canalhice) agressor e agredido afirmando que foi este que iniciou uma guerra contra um inimigo vinte vezes mais poderoso,  mas apenas de três mortes infelizmente esperadas dada a idade dos defuntos. Comecemos por Mário Vargas Llosa, peruano, Nobel, autor de mais de um quarteirão de grandes livros, quase todos romances. MVL é, de certo modo o mais importante escritor dessa fileira de autores sul americanos que surpreenderam o mundo com uma escrita miraculosa, inebriante, inteligente, muitas vezes divertida mas sempre, sempre profundamente comprometida com o povo do continente de onde vinham  ou, atrevo-me, com todos os povos do mundo. Quando digo "o mais importante escritor, quero apenas referir a quantidade de obras que escreveu mesmo sublinhando que, julgo, "1oo anos de solidão" a melhor obra  deste enorme conjunto de autores e obras 

(claro que não esqueço uma boa dúzia, mais, até, de autores da mesma época (entre todos, Rulfo um mexicano genial). Por várias razões, mesmo algumas não literárias, MVL  marcou os último 60 anos. Inclusive, a sua famosa campanha presidencial em que foi derrotado por  um cavalheiro chamado Alberto Fujimori que não chegou ao fim do mandato e que foi condenado por corrupção e violação de direitos humanos, depois de ter andado fugido durante anos. 

Além do Nobel, MVL teve todos os grandes prémios literários hispano-americanos  mais conhecidos      ("tómulo Gallegos", "Cervantes", "Pricipe de Astúrias...")

 Dentre as suas múltiplas campanhas em defesa da liberdade, há que destacar a defesa de uma grande obra, eventualmente, a mais importante publicada no sec XX em Cuba "Paradiso" (de José Lezama Lima que, com Guillermo Cabrera Infante e Alejo Carpentier compõe o grande trio de escritores cubanos do sec XX Todavia,  foi a defesa de Herberto Padilla, o poeta que ganhou o premio  da Union Nacional de Escritores Cubanos de 1968. A direcção desta instituição discordou do júri e fez udo quanto podia para alterar a distinção a Padilla (e tmbém ao premiado de teatro, Anton Arrufat) Padilla chegou a estar preso e posteriormente exilou-se. O outro premiado só conseguiu ver a sua peça (Los siete contra Tebas) representada vinte anos depois!!!

(tive desta história que fede a processo de Moscovo tropical,  conhecimento em primeira mão graças a Ricardo Salvat, professor, ensaísta e encenador teatral que foi encenador do CITAC em 1969, Salvat, segundo recordo, esteve como membro de um júri em Cuba no ano de 68 e terá mesmo sido um dos premiadores de Arrufat. contou-me todas estas tristes andanças literário-políticas cubanas durante a sua estadia em Portugal de onde foi expulso na sequência da crise de Coimbra1969)

MVL nunca deixou de se bater pela liberdade e pelos direitos humanos  mesmo quando, derrotado nas eleições presidenciais e obviamente acusado pela "esquerda" peruana  de fazer parte da direita mais reaccionária, pode assistir ao fim inglório de seu adversário envolto nua teia de corrupção e crimes contra os direitos humanos que, primeiro o fizerram fugir para o Japão e posteriormente ser julgado e condenado a uma dura pena de prisão no Peru.

Tive oportunidade de, numa estadia em Paris, encontrar no pequeno hotel onde me alojava uma humilde empregada peruana que escolhera aquele hotel para trabalhar por ficar em frente a uma casa onde MVL durante alguns anos vivera (ou vivia ainda).  Ainda não recebera nenhuma das grandes distinções literárias mas aquela senhora peruana tinha um enorme orgulho naquele escritor . Num rompante fui à "librairie espagnole", (que era perto, na rue de Seine) comprei e ofereci-lhe dois livros de MVL. Ao fim de uns dias, já lera o primeiro e preparava-se para o segundo  com entusiasmo. O hotel foi vendido e actualmente no seu lugar está um cinco estrelas  fora das possibilidades da minha bolsa.

 

Dos outros dois mortos que também foram meus amigos escreverei mais tarde pois este texto alongou-se e outras tarefas interromperam  os meus projectos. A preguiça e o facto de ser um trapalhão velho e relho ajudaram.

Boa Páscoa e aproveitem a ocasião para ler este admirável Mario Vargas Llosa

*para quem já leu vários livros deste autor , recomendaria uma interessante e inteligente autobiografia com o título "pez en el água". Ignoro se há tradução em português mas garanto qe vale a pena o esforço.

 

au bonheur des dames 592

d'oliveira, 17.04.25

56 anos depois....

Coimbra, !7 de Abril de 1969

Mcr, 17-4-25

 

Os mais novos andarão pelos 74 anos (73, no caso de alguém ter entrado na universidade  aos 17...).

Os mais velhos, e eu serei um deles, tem mais um largo par de anos, Caso estejam vivos, entenda-se. 

Ainda há pouco choramos o Rui Namorado, poeta, professor, cooperativista, meu amigo desde 60/61, companheiro de cela na minha primeira prisão. O Rui escreveu sobre aquilo que aconteceu (“Movimento estudantil e política Educacional, Centelha ed,1972) O mesmo fizeram outros e são  muitas as publicações que celebram esse dia e a crise que se seguiu, a única crise estudantil durante o Estado  Novo  em que os estudantes venceram . Ministro, reitor da universidade caíram ao fim de um ano tremendo, todos os processos levantados aos dirigentes estudantis foram arquivados, a chamada extemporânea de umas dezenas de  activistas  associativos para Mafra foi anulada. De todo o modo, a direcção da AAC do ano seguinte (onde eu estava incluído) não foi homologada  e obviamente nada apaga as prisões efectuadas (onde, mais uma vez fui incluído tendo mesmo o recorde de tempo de prisão  sofrido. Má sina, mala pata, azar dos Távoras , chamem-lhe o que quiserem...)

Durante uma boa dúzia de anos o Rui mandava aos companheiros do “cong” (ou seja “congeminação”, reunião informal dos dirigentes formais e informais da crise( um poema alusivo ao dia. No ano passado ja o não fez. Temi o pior e soube que estava já mal. Morreu pouco depois como aqui escrevi. 

A crise de Coimbra deixou uma funda marca e, de certo modo, houve muita gente que, em Lisboa ou no Porto, tentou tomar uma tardia boleia, jurando que nessas duas academias a crise também ocorrera. Não ocorreu, mesmo se se tivessem notado manifestações de simpatia. 1969 foi Coimbra e nada mais. 

A fotografia que serve de vinheta é ultra conhecida mas, de certo modo, diz muito do que então se passava, Convém dizer  que os soldados estariam sem munições nas espingardas (coisa que aliás desconhecíamos mas que naquele momento não só não nos assustou como de certo modo nos enraiveceu)

Entre um futuro como soldado em África e um ensino académico medíocre e ultrapassado, num pais cinzento e altamente policiado, o futuro aparecia carregado de sombras. Cinco anos depois, as coisas mudaram e, basta ir a uma hemeroteca, compulsar jornais e depressa darão com muita malta de Coimbra 69  entre os jovens milicianos presentes no golpe militar. (apenas recordo dois: o João Anjos e o  Carlos Marvão  que se recusaram a intervir contra uma greve de trabalhadores dos CTT. Claro que não escaparam a uma punição do novo poder democrático Foram presos e deram origem a uma campanha:  -“Anjos Marvão- Libertação”)

Neste blog participaram durante algum tempo mais dois dessa Coimbra rebelde: Manuel Simas Santos,  juiz conselheiro jubilado e autor demais de 80 livros de Direito  e António Manuel Lopes Dias, poeta e advogado.

Vai esta para muitos de que destaco apenas quatro Fernanda da Bernarda, Osvaldo (Vává) de Castro, António Mendes de Abreu e João Bilhau

 

 

 

estes dias que passam 978

mcr, 14.04.25

O oficial comando que lia a "seara Nova"

mcr, 14-4-25

 

Ainda há um par de meses dei aqui (o leitor impenitente, 271, 10-9-24) conta do lançamento de "Guiné, os oficiais milicianos e o 25 de Abril " No texto ou na conversa posterior alguém recordava o facto de um oficial comando se passear por Bissau com a  "Seara Nova" debaixo do braço. 

Esse oficial era do quadro permanente, e notabilizara-se naquele teatro de guerra por ter levado a cabo operações de alto risco. algumas das quais fora da fronteira guineense.

Tratava-se de Carlos Matos Gomes, um dos primeiros elementos do MFA  que, mais tarde se tornaria conhecido como romancista (sob o pseudónimo de Carlos do Vale Ferraz)  e sobretudo como notável historiador militar (cito apenas, por os possuir e ter lido, Geração D e, em parceria com Aniceto Afonso, "Os anos da Guerra Colonial" e "Guerra colonial, um repórter em África". Trata-se de textos de excelente factura, precisão (militar!...) muito bem documentados e essenciais para quem queira seriamente aber como as coisas aconteceram. 

 

Conheci Carlos Matos Gomes por ocasião do festival "Ler em Viagem" que se celebra em Matosinhos e que se de deve ao infatigável Francisco Guedes recentemente desaparecido. 

Coincidimos durante um par de refeições e pude assim verificar a qualidade do homem que agora, aos 78 anos, a desapareceu. Foram horas de excelente convívio, troca de impressões sobre um assunto que a ambos, quase da mesma geração interessava (e interessa cada vez mais dada a ignorância miserável e insultuosa de uma turbamulta inculta e esparvoada que vai da extrema esquerda à extrema direita , irmanada na desfaçatez e no desconhecimento da nossa história mais recente).

Não fiz a guerra, menos ainda a tropa por um bambúrrio da sorte que me permitiu ir à inspecção militar (às sortes como se dizia e, no meu caso, à grande sorte)  meses antes do eclodir da guerra. 

Nos anos que mediaram entre 62 e 74  tomei partido contra guerra e na medida do possível levei a cabo algumas acções contra ela, incluindo o ser "passador" fronteiriço de pouco mais de uma dúzia de refractários ou desertores. 

Todavia, como aqui, já dei conta, nunca considerai  que o milhão de portugueses que foi para as colónias mobilizado e participou  nos combates,  fosse merecedor de crítica. A alternativa era o exílio, a dura vida em terras desconhecidas,  abandono da família e a a perspectiva de empregos miseráveis  e de condições de vida nada fáceis. 

Aliás, o 25 de Abril foi, em larga medida, feito por militares que durante uma dúzia de anos se bateram nas partes de África até se aperceberem que não havia uma solução política para a persistência  do "Império"

Carlos Matos Gomes, o oficial comando, é bem um exemplo de como  um português, um homem,  se apercebe da injustiça de uma situação e, pouco a pouco, se vê eticamente obrigado a intervir.

Na hora da sua morte, eis um exemplo de vida dedicada a Portugal e à democracia, à paz e à honra que merece ser destacado.

 

 

 

 

estes dias que passam 977

mcr, 10.04.25

 O que foi, o que não foi?

O que será e o que não será?

mcr, 10-4-25

 

Ontem passou mais um aniversário da batalha de La  Lys, um tremendo desastre para o Corpo Expedicionário Português na primeira guerra mundial.

A única tentativa de desculpar o facto assenta numa defeituosa mudança de tropas  entre a linha da frente e a de substituição. De todo  o modo a participação portuguesa na Flandres foi um erro político e militar. Não só a preparação das tropas  (o "milagre de Tancos") foi apressada e deficiente como aind por  cima não era desejada pelos aliados. Por junto, parece que a França veria com simpatia a cedeência de artilharia portuguesa. O resto é o que se sabe (ou não sabe!...) A tropa portuguesa foi transportada em navios ingleses, foi depois treinada por ingleses já m território francês, foi equipada por ingleses e, naturalmente, foi dirigida militarmente pelos ingleses. 

A ideia de enviar tropas para a frente europeia foi dos 2fuerristas", gente do partido democrático que fundamentalmente apostava no reconhecimento da jovem República Portuguesa.

Hoje, é dacil afirmar que essas tropas praticamente irrelevantes na Flandres poderiam ter sido mais bem usadas nas frentes africanas contra os alemães.  Todavia, também aí (sul de Angola e norte de Moçambique) o Exército não brilhou especialmente.

Porém não era disto que queria falar e que, aliás, passou despercebido graças à trapalhices (ia escrever trampalhices para usar  uma forçada homonimia) do senhor Trump.

Já ninguém sabe exactamente como e quando vão ser aplicadas as espaventosas tarifas que atingem mesmo territórios que nunca comerciaram (nem provavelmente comerciarão) com os EUA. Agora a errática criatura afirma que haverá uma pausa de 90 dias entre o dia do decreto e o início da sua aplicação. 

 De qualquer modo o que hoje é dito amanhã pode ser negado.

Eu, sobre a criatura, já ha muito que lhe tirei os azimutes. Bastou-me ver aTrum Tower há muitos anos na única vez que fui a Nova Yorque. Depois, num dia  de insónia, dei comigo a ver (na tv)  parte do interior da casa dele . Falar a propósito de mau gosto é supérfluo, como superfluo será falar dos seus discursos e do seu escasso vocabulário,  Todavia ganhou duas eleições e isso, para um apreciador de jazz, da grande literatura americana, do cinema de tantos e tão extraordinários cineastas, é um mistério insolúvel.

Conheci ao longo da vida um largo par de americanos, fui (ou ainda sou) amigo de alguns (os sobreviventes). Ia-me esquecendo da música popular de que andam por aqui mas centenas de discos,

Nada disto me preparou para este vendaval onde, de resto emergem os Musk, os Vance e outroa fantasmas  que me fazem acreditar que a KKK era uma brincadeira de rapazolas infantilóides. 

Ainda há pouco tempo, ao ver o homenzinho entre s convidados para a inauguração de Notre Dame perguntei-me se ele perceberia o que era aquilo, o que representava aquilo. 

Na única vez que estive na América comi  em restaurantes quase sempre de outras partes do mundo comprei jeans feitos também noutro sítio e de original só mesmo a catrefada de discos de jazz que trouxe comigo. Gostei de Nova Yorque, do políca sialeiro que na passadeira de uma avenida nos perguntou se tínhamos tido uma boa Páscoa, do bar tender portorriquenho (?) que ao ouvir a minha mulher perguntar-me o que era "bourbon" logo lhe ofereceu um cálice para ela provar. E dos voluntários da Frick Collection que ao me verem curvado a ver uma prateleira de livrosme perguntaram porque o fazia. E quando expliquei que queria saber o que o milionário lia logo se entusiasmaram  Com aquele "europeu curioso" e me rodearam de atenções e perguntas. E via-se que estavam contentes com a minha curiosidade...

Gostei da América que vi e nada, nenhum trump, me vai fazer mudar de opinião. Espero que caia depressa mesmo se já causou um enorme rombo à pátria de Lincoln, Roosevelt, Obama ou Martin Luther King.

E acredito, pelo menos espero ardentemente, que num futuro que gostaria que fosse breve, esta criatura afocinhasse na fossa ideológica  de onde, em má hora, surdiu.

estes dias que passam 976

mcr, 07.04.25

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para uma teoria da fêmea ibérica, 

sub-espécie lusitana

mcr, 7-4-25

 

A notícia dos jornais ou o resumo televisivo poderia ser assim:

degenerada e viciosa mulher de 16 anos viola três rapazinhos entre os 17 e os 19 anos e obriga-os a publicar nas redes sociais o vídeo do nefando acto.

 

Na realidade a coisa não foi noticiada desta maneira,  provavelmente porque os meios de comunicação social não foram capazes de abarcar toda a complexidade sa decisão do tribunal que, ao que sei, decidiu após participação do hospital onde a menor foi observada (e eventualmente, socorrida) obrigar os três mariolas á apresentação periódica numa esquadra de polícia. 

O vídeo a que me refiro teve até ser retirado 36.000 visualizações.

Os trªes compinchas juram que n\ao houve volação, aprsar dos sinais em contrário que motivaram a participação hospitalar.

Estão também impedidos de comunicar com a vítima.

Foi tido em conta o facto de os três alegados violadores não terem antecedentes criminais- Ningúem, presume-se, se importou com as trinta e seis mil visualizações do acto, coisa qu marcará para sempre a vida da rapariga.

Parece que os rapazolas seriam "influencers", barbarismo moderno que indica gente que se expõe na internet emitindo burrices, baboseiras  e vagas mentirolas que, pelos vistos, rendem grossas maquias. 

Eu sou actualmente o que se chama um jurista não praticante, E ainda bem! Se ainda tivesse alguma ligação a mundo do direito andaria por aí, cabisbaixo e envergonhado.

Poderá ser ignorância minha, conceito estapafúrdio da ética judicial, das boas práticas jurídicas, conservadorismo, inconformidade com os novos tempos, o que quaerem, mas acho esta atitude do tribunal aberrante. 

Alguém informou que o tribunal apenas seguiu a posição do MP e que a mais não era obrigado.  ainda bem que o MP não acusou a miúda de sedução ao grupo violador. 

No julgamento, se sequer julgamento houver, inda virá um advogadeco manhoso dzer que a culpa foi da violada que provocou com palavras, acções, roupa inadequada a libido dos rapazes que nestas idades estão sempre em estado de excitação máxima!.

E ninguém afirmará que tÇes rapazes na força da idade contra uma rapariga mais nova é, pelo menos, uma cobardia infame, uma violência enorme , um acto que rebaixa qualquer pessoa seja qual for a sua idade, situação e origem social

Em Portugal bem que se poe dizer que, em certas alturas e circunstâncias, este país não é para mulheres. Ou raparigas.

nota: não sou feminista  mas odeio o machismo mesmo naquela versão exculpatória de um certo cientista social que se defende dizendo que basceu num tempo em que o piropo e ceras atitudes mais evidentes eram uma coisa natural. com a mesmíssima idade, e reclamando-me da Esquerda de que ele se afirma arauto, tenho a dizer que nesses longínquos anos sessenta já havia entre a malta progressista uma clara condenação dos hábitos que ele aponta a seu favor.  

E ninguém, entre nós, se imaginaria, uma vez adulto e com responsabilidades académicas ou outras, a assediar mulheres que obviamente estão na nossa directa dependência como professores, orientadores ou meros colegas mais velhos e com maior autoridade. 

Às vezes penso que há pessoas com fama de inteligentes que na prática se desculpam de forma tão tonta  que ou são parvos ou nos querem fazer passar por parvos. Arre!

o leitor (im)penitente 285

mcr, 03.04.25

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uma grande escritora, uma grande Senhora

mcr, 2 -4-25

 

Conheci um largo número de escritores mais por acaso do que por vontade de os procurar ou conhecer.  O facto de durante anos ter frequentado as "correntes de escritas" e o "Literatura em viagem", festivais inventados por Francisco Guedes, carreou para o meu inexistente \album mais dois ou três quarteirões de autores  

 A leitura, vício provavelmente mais caro do que a cocaína, o facto de, durante décadas, frequentar livrarias (no tempo em que havia sempre uma pequena ou grande tertúlia que lá se juntava)  também controbuiram para acabar por conhecer mais uns tantos romancistas e poetas (e aí destaco Herberto Hélder e Manuel da Fonseca, com quem passei uma inteira ttarde à conversa e de que guardo uma anedota que não resisto a contar; Manuel da Fonseca entendeu a certo momento folhear um livro escolar para a disciplina de português. Ao descobrir um poema seu ficou comovido e contente, Continuando a folhear  o mesmo exemplar foi dando com mais contribuições suas  que, a certa altura, o perturbaram. "Esta gente não terá mais autores a quem pilhar poemas?"

Em boa verdade aquilo já ia ou ultrapassava a dezena, se é que bem me lembro.

O livreiro ainda tentou dizer que aquilo era "uma homenagem", Eu achei que para homenagem a coisa ia longe demais. Fonseca, já  irritado e contristado jurava que ninguém lhe pedira autorização. ou sequer o avisara.

alguém, também presente, opinou que aquilo era um roubo ou pelo menos uma maneira de fugir a direitos deautor. O Herberto que seguira a cena, calado, tentou deitar água na fervura: "Ó Manuel a mim ninguém me publica em livros para a juventude analfabeta!"

Ainda estive para afirmar que HH não corria o risco de ser seleccionado por nenhuma professorinha autora de livros bem rendosos. A razão era simples e óbvia: não o entendia!

Ambos fazem parte da minha especial selecçao de autores por quem nutro admiração e carinho. Há mais, desde o Fernando Assis Pacheco, o Manuel António Pina, o José Cardozo Pires e a Isabel da Nóbrega que, ao fim e ao cabo é o motivo deste folhetim.

Conheci a Isabel em Matosinhos por ocasião de uma  edição do LEV  no qual colaborava  como habitual moderador de uma ou duas mesas .

Logo na sessão inaugural, fiquei intrigado por uma senhora bem mais velha, bonita e discreta mas elegantemente vestida.  Era, logo ali, uma presença fascinante no meio de uma boa centena de pessoas displicentemente vestidas, a maioria abaixo do cinquenta anos. Nesse mesmo dia, à noite, eis que ela reaparece com uma roupa diferente, igualmente elegante e por mero acaso sentou-se na mesa em que, com mais gente, eu estava. Depois de concluir (sem esforço) que ela seria escritora, entendi que talvez valesse a pena tentar conversar com ela. Na primeira meia hora, depois de reparar nos lindíssimos olhos dela, hum rosto que apesar da muita idade conservava traços de uma neleza notável, e porque não sabia o nome dela, fiz de cavalheiro, apresentei-me e ela finalmente disse que se chamava Isabel da Nóbrega. Dei um salto (onterior, pelo menos). Nos anos sessenta lera o seu admirável romance "Viver com os outros" e ao longo de uma boa quarentena de anos relera-o inteiramente, ou apenas certas partes . A coisa era simples, Se por algum acaso, mexia na estante onde o livro estava, acabava por o agarrar e folhear durante alguns minutos ou mais longamente quando acertava num trecho particularmente interessante. E disse-lhe isso mesmo fazendo notar que aquilo também ocorria com mais umas duas ou três dúzias de autores, poetas sobretudo.

A partir dessa notite mágica, encontrámo-mos todos os dias nas mesas onde à noite se discutia forte e feio os livros, os autores, tudo. Quando o LEV terminou tive a ousadia de lhe oferecer um livro meu sob o pretexto que durante a viagem de regresso aquilo a induziria a dormir no cmboio. 

Dois dias depois, toca o telefone e, do outro lao, estava uma Isabel a agradecer-me pela segunda vez o livrinho e a comenta-lo com uma gentileza e afeição  que me embeveceu. Que lera o livro de fio a pavio que até já o emprestara a pesoa amiga, enfim, cresci durante o telefonema mais de dez centímetros. Melhor dizenfo, o meu ego cresceu que eu continuo com a mesma fraca figura de sempre.

Ainda falámos mais um par de vezes, prometi (e muiseravelmente não cumpri) visitá-la, e comecei a comprar nos alfarrabistas o livro para oferecer a amigos leitores seleccionafos. Em boa verdade foram poucas as vezes em que encontrei o "viver... . Faço o mesmo com mais três livros todos de Aquilino ("A retirada dos 10 000", "É a guerra" e "Alemanha ensanguentada", com alguns Eças (sempre não ficção...) e com o Prevert  E recentemente, descobrindo alguns Voltaire repetidos já estou a preparar nova ronda de ofertas)

Quem vê a gravura, logo percebe que tudo isto é provocado pela úliima edição da Revista do Expresso onde se recorda um pouco a Isabel e  a merdosa retirada das dedicatórias nos livros que Saramago publicou enquanto viveu com ela.

Um conhecido poeta, meu amigo, uma vez afirmou: "Saramago? Não li e não gostei " Eu li alguns mas nunca fui especial admirador. No dia do Nobel ao encontrar-me com o meu tio Quim, um grande leitor e um quase irmão, ambos lamentámos que o prémio não tivesse ido para o Cardoso Pires.

Conviria recordar que até Isabel da Nóbrega encontrar Saramago a produção literária dele era de qualidade mais do que medíocre. Foi ela, como de resto consta por toda a parte, quem o educou literariamente e não só, quem o propôs  ou impôs nos círculos literários onde brilhava. Para os mais conhecedores há mesmo um rasto visível dela no mais conhecidos livros por ele escritos enquanto viveu com ela.

Alguém me dirá que a troca de companheira de vida por uma mulher mais nova (a boi velho erva tenra...) é já uma tradição no meio literário. É provável, basta ver a lista de escriitores qie no ocaso da vida se separam da antiga mulher (Cela, por exemplo) ou já vúvos começam o que julgam ser uma nova vida com mulheres que poderiam ser suas filhas. Em certos casos, persiste a ideia de que, nestes enredos, uma das partes não estará inteiramente de boa fé...

Todavia, não me interessa especialmente saber das razões ou desrazões dos encontros e desencontros amorosos. 

Há porém, na retirada das dedicatórias algo que  me parece uma espécie de velhacaria. Aqueles livros que levam uma dedicatória normalmente a justificá-los  dizem-nos muito da história, da origem, da sus factura, da sua oficina. Costuma dizer-se que por trás de um grande homem há sempre uma mulher e isso é extensível a toda a espécie de criadores  e artistas. Há mesmo um caso extraordinário que revela até que ponto a sobrevivência de uma obra se deve à mulher do escritor. Refiro-me ao casal Ossip/Nadejda Mandelstam  que, depois da prisão e assassínio do marido, conseguiu decorar parte da obra deste e mais tarde publicá-la. Ao mesmo tempo, escritora de grande talento e perspicácia, escreveu umas memórias que não são apenas brilhantes mas também mostram muito do clima intelectual e político da finada URSS. (está traduzida em português: "contra toda a esperança", Imprensa da Universidade de Lisboa).

Deixemos, no entanto, este apontamento sobre  alguém que também não percebeu que, ao eliminar uma dedicatória, assim se diminuía e tornava menos legível o livro , para recomendar a leitura de "Viver om os outros" um grande romance, que mantém toda a frescura inicial que me encantou. E recordar a escritora que ao longo de muitos anos publicou mais de três mil crónicas de que valeria a pena, editar uma antologia.