Estes dias que passam 122
Não sou muito de respostas que saiam da zona de comentários ao post inicial. Desta vez, todavia, recebi alguns recados de sinal diferente e pareceu-me útil escrever aqui o que penso de três coisas: o ouro de Nelson Évora e a prata de Vanessa, as bolsas dos desportistas olímpicos e a minha própria afirmação que não há cá competição suficiente, tecnologia suficiente e cultura desportiva suficiente.
Vibrei como todo e qualquer compatriota com as vitórias dos dois medalhados. É bom saber que o esforço deles (e não do país, ou dos portugueses no seu conjunto) foi recompensado. Treinaram e sofreram para isso. Isolados, desconhecidos da grande maioria que só se lembra deles quando a olimpíada já rola, que se enfurece com as “sumptuosas” bolsas (mil a mil e quinhentos euros!!!) que eles recebem, estes dois atletas merecem uma outra medalha a da solidão.
Um dos meus leitores, apontava-me o facto de Nelson, Naíde, Vanessa e Obikwelu serem atletas que sempre tiveram competidores à altura. Têm uma longa história de triunfos em campeonatos do mundo, da Europa, em “meetings” internacionais.
É verdade. Tiveram essa sorte. Sorte construída com sacrifício e muito, muito treino. Só que uma andorinha (ou quatro) não fazem a primavera. E a delegação portuguesa contava com umas larguíssimas dezenas de atletas e é desses que falo. Dos que, igualmente isolados cá, se vêem em palpos de aranha para praticar um desporto que não seja o futebol, fado – triste fado – nosso. Que penosamente conseguiram os mínimos. Que sonharam em participar, em aprender ao lado dos seus (cá) ignorados ídolos.
Alguns desses atletas receberam as famosas bolsas. Parece que alguém terá pensado que umas centenas de euros teriam de ter um retorno em medalhas como se Pekin fosse um casino onda basta apostar num número para sair um pleno. Nada mais estúpido, mais errado e mais canalha. As bolsas, na verdade baixíssimas, nem sequer dão para treinar a tempo inteiro. Um comentador do Público dizia hoje que as bolsas dos nossos olímpicos são inferiores ao ordenado da grande maioria dos jogadores de futebol da divisão de honra, isto é da segunda divisão. Está tudo dito. Uma última palavra sobre a recepção do fenómeno desportivo entre nós.
Há quase um ano escrevi por aqui sobre uma das minhas manias, para não usar a palavra paixão: o rugby. E celebrei as pequeníssimas derrotas e as imensas vitórias da selecção portuguesa, presente pela primeira vez num campeonato do mundo. Porque aquele punhado de amadores e semi-amadores entravam em campo com uma alegria, um aplomb, uma serenidade incomparáveis. E cantavam o hino com uma gana que nunca vi a futebolistas. Estavam ali pela primeira vez ao fim de anos de trabalho, de amor à camisola, de desconfiança pública (a televisão portuguesa nem sequer julgou útil transmitir os jogos da nossa selecção!!!), de entusiasmo.
E ninguém, enfim quase ninguém, protestou. Nem os jornais, nem os desportistas de bancada, nem a politicagem, sequer a criatura dos desportos.
Chama-se a isto cultura desportiva portuguesa. A mesma que ignora o atletismo, o volley, o andebol, a luta greco-romana ou a ginástica. Ou que só se lembra destas modalidades quando sucede um bambúrrio. Assim não se vai lá. Nunca se irá lá.
Uma palavra final sobre as “falhas” de Naide e Obikwelu. Façam o favor de olhar para o quadro dos premiados. Ao lado deles mas sem medalha há um cento dois, ou três, de atletas de altíssima craveira que não ganharam. Que falharam uma partida, que não conseguiram, como hoje, passar o testemunho numa “4 por 100 femininos”, como sucedeu com as atletas americanas. Estas coisas sucedem todos os dias em todas as competições. Naide já se recuperou o suficiente para afirmar que tenciona continuar. Obikwelu arrumou as botas. Todavia deu a este país, que ele escolheu, muitas vitórias e muitas alegrias, pelo menos aos poucos que o viram e o admiraram.