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Incursões

Instância de Retemperação.

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Sobre amigos, música e a cidade

Sílvia, 28.01.06
Ia para uma rua que não sabia bem onde era, tinha o endereço e o bairro: Botafogo.

Ia assistir a uma apresentação de um trio de jazz, convidada por amigos que me garantiam ser muito bons os músicos.

Ia apesar da distância do lugar onde moro. Moro num bairro afastado, a
quase uma hora de distância, mas gosto de música e havia me comprometido a estar lá. A cidade como é de conhecimento de todos é violenta, e as pessoas se preocupam quando uma mulher sai sozinha e vai retornar à casa tarde ( neste caso nem tão tarde ) da noite.

Ia apesar de estar cansada do dia de trabalho, era uma quarta feira, e porque a violência da cidade nunca me impediu de sair de casa, fosse a que hora fosse. Vou e volto dirigindo meu carro. Já passei por acidentes, no caminho, automóveis destruídos. Nunca por assaltos ou tiroteios. Tomo cuidados, é certo. Mantenho os vidros fechados e presto atenção aos sinais. Mas tiros ou assaltos ainda não vi.

Ia porque gosto de divertir-me e ouvir blues e jazz tem o efeito de repor minhas energias, ou humor, ou seja lá como decidam chamar. O fato é que a música é-me importante. Muito.

Ia , sem dúvidas, também porque é um prazer dirigir ao longo das praias, à noite, a lua refletida no mar, Metade desta cidade são praias. É nelas, em torno delas que as pessoas passeiam, divertem-se, se encontram.

Ia naquela noite de lua cheia, a ver as pessoas andando nas calçadas à beira mar. É verão mas estava fresco.

Ia encontrar-me com amigos e música, um bom motivo para ir.

Ia, mas não conhecia muito bem a rua exata e ao chegar onde pensava ser, errei o lugar. Parei o carro numa esquina e perguntei ao vendedor que estava dentro de uma van que vendia cachorros-quentes, onde era a rua tal. Ele respondeu-me que eu errara a rua por uns cinquenta metros. É logo perto, aquela esquina que a senhora passou, disse-me. Um seu cliente que comia ali, de pé, acrescentou apontando: lá, ó. E eu raciocinando a volta que teria que dar, por onde, e quanto tempo levaria, por causa de um erro de metros, quando o tal homem me diz : faça o seguinte, dê a ré, porque é tão perto que não vale a pena dar uma volta tão grande, eu cuido do trânsito se vier algum carro. Interrompeu seu lanche e foi para o meio da rua, mais trás de onde estávamos, fazendo sinais para que eu fosse e para que os carros que vinham parassem por um instante. Dei a ré em segundos e entrei na rua que procurava, agradecendo com um acenar de mão, obrigada! Pude ver pelo retrovisor, o seu sorriso enquanto saía do meio da rua e voltava ao seu sanduiche.

Ia para uma pequena rua em Botafogo encontrar amigos e ouvir música. A casa onde o show se realizou era um bar num sobrado recuperado ao tempo, de excelente gosto e usando materias de demolição, portão de ferro batido em desenhos bordados do início do século passado, fora da casa, mas já dentro do pequeno jardim, uns guarda-sóis brancos quadrados logo junto às janelas abertas que se localizavam perto do pequeno tablado onde o trio tocaria, portas de pinho-de-riga muito altas, lindamente trabalhadas, pé direito muito alto, lá dentro mesas de desenho moderno distribuídas sem aperto. No segundo andar uma pequena galeria de arte com uma coleção de cadeiras assinadas, de design, a “mania”, disseram, do proprietário do bar.

Ia encontrar amigos e música e encontrei mais que isso. Encontrei mais uma vez a solidariedade de pessoas que sequer me conheciam (esta coisa tão tipicamente carioca ), uma bela casa com um bar acolhedor, música de qualidade, e, claro, os amigos, a conversa depois do show, um bom vinho, e petiscos, estas perdições.

Silvia Chueire


Este texto vai dedicado à Kamikaze que me perguntava outro dia porque não escrevo sobre o Brasil, a cidade, psiquiatria. Sobre psiquiatria, assuntos correlatos, quaquer dia escrevo. Perdoem-me a prosa. Não é dos meus fortes.

Antes que me esqueça, van é uma carrinha, como vocês que dizem aí. Cariocas, suponho que vocês saibam que é como se chamam às pessoas nascidas no Rio de Janeiro (ou pela cidade adotadas).

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