REGRESSADO DO CATIVEIRO
Um deles teve a ver com um assunto que me trouxe de novo ao pensamento os privilégios dos magistrados, que conheci bem quando acedi ao honroso (falo a sério!) convite de ir de Coimbra para Lisboa, para o CEJ, como docente, e depois para desempenhar o cargo de director-adjunto, à minha custa (leram bem: à minha custa!).
O assunto é a realização de acções de formação para órgãos de polícia criminal no âmbito do II Plano Nacional contra a Violência Doméstica, a realizar a partir de Setembro deste ano; o que me trouxe ao pensamento os privilégios foi um excerto de um dos documentos que recebi, onde pude ler (sem espanto, de resto!):
“[quanto] à questão do pagamento aos formadores, foi transmitida pela representante do MAI [Ministério da Administração Interna] a informação de que, tal como discutido em anterior reunião, e ao contrário dos demais, os magistrados não auferirão qualquer remuneração”.
Passa poucos das 09 horas, e este dia começou diferente dos anteriores. Não começou nos 7 m2, começou no alpendre de minha casa e mais tarde. E a primeira curiosidade não foi saber o que tinha de novo em cima da secretária ou no mail, mas se no jacarandá já despontava o violeta. Ainda não!
Tenho acumulado nestes dias informação que não consegui ler. Tenho de ir amanhã a Lisboa, para dinamizador uma sessão sobre linguagem judiciária num curso da formação permanente do CEJ e fechar o nº102 da Revista do Ministério Público (podem contar com ele no final de Junho, e promete!). Tenho de estudar duas situações melindrosas, de dois miúdos, que agora “caíram”. Por isso, para já, vou ficar por aqui.
A propósito, dizia o Prof. Boaventura Sousa Santos, na 3ª feira à noite, num jantar-debate organizado pela “República do Direito” no Hotel Astória, cujo mote foi o actual momento da Justiça, que a rotina impede os magistrados de estudar e de aumentar o seu conhecimento da realidade. Não posso estar mais de acordo. E será ainda pior se o sentido das reformas continuar a ser o de considerar este sector como sendo de “mão-de-obra intensiva”, como já aqui referi noutra altura. Foi um debate interessante em que a esmagadora maioria dos presentes eram advogados, aos académicos foi marcada falta, e os magistrados (mais procuradores do que juízes) estavam timidamente representados.
Uma nota vale a pena realçar. Uma nota que faltava na intervenção inicial do conferencista, que tinha acabado de chegar da reunião dos notáveis chamados pelo Ministro da Justiça. Uma nota importantíssima, na minha opinião, para perceber o actual estado das coisas, que ficou bem marcada e que aquele acabou por publicamente assumir como devendo integrar também o seu diagnóstico: o poder político, pelo menos uma parte influente com poder de decisão, aposta na fragilização e no descrédito do sistema de justiça. Este é um passo necessário para o formatar como um sistema de resposta eficaz às rotinas e o impedir, de facto, de qualquer ousadia de interferência nas relações íntimas entre o poder político e o poder económico, mesmo que para cumprimento das leis da República.
Pelo que disse, tenho para mim que é cada vez mais importante que se reflicta sobre a separação e a interdependência de poderes, sobre o lugar dos tribunais na organização do poder político, sobre a jurisdição, sobre a organização judiciária, sobre o estatuto das magistraturas, sobre a ética e a deontologia. E é cada vez mais preocupante ver que estas são questões não tratadas nas Universidades, que não mobilizam muitos para o debate e sobre as quais a generalidade dos candidatos à admissão ao CEJ, mesmo entre os mais bem preparados, manifestam um profundo desconhecimento.
São 10h30m. Vou passar da reflexão à acção.