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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

S.JOÃO

Incursões, 24.06.05
Noite de S. João para além do muro do meu quintal.
Do lado de cá, eu sem noite de S. João.
Porque há S. João onde o festejam.
Para mim há uma sombra de luz de fogueiras na noite,
Um ruído de gargalhadas, os baques dos saltos.
E um grito casual de quem não sabe que eu existo.


Fernando Pessoa / Álvaro de Campos
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Incursões, 23.06.05
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A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer

Sem fé, ouso pensar a vida como uma errância absurda a caminho da morte, certa. Não me coube em herança qualquer deus, nem ponto fixo sobre a terra de onde algum pudesse ver-me. Tão pouco me legaram o disfarçado fu­ror do céptico, a astúcia do racio­nalista ou a ardente candura do ateu. Não ouso por isso acusar os que só acreditam naquilo que duvi­do, nem os que fazem o culto da própria dúvida, como se não es­tivesse, também esta, rodeada de trevas. Seria eu, também, o acusa­do, pois de uma coisa estou certo: o ser humano tem uma necessidade de consolo impossível de satisfazer.Como posso, assim, viver a felici­dade? Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a caça, ati­rando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta. Quase sempre atinjo o vazio, mas, de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo, sopro dum vento que mal sobe pela árvore.Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê, entre estes dedos? Se sou solitário - uma mulher amada, um desditoso companheiro de viagem. Se sou poeta ou prisio­neiro - um arco de palavras que com assombro reteso, uma súbita suspeita de liberdade. Se sou amea­çado pela morte ou pelo mar - um animal vivo e quente, coração que pulsa sarcástico; um recife de grani­to bem sólido.Sendo tudo isso, é sempre escas­so o que tenho!

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Stig Dagerman, A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer- Fenda ed.1995


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Incursões, 21.06.05

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IRMANDADE

Sou homem: duro pouco
e é enorme a noite.
Mas olho para cima: as estrelas escrevem.
Sem entender compreendo:
também sou escritura e neste mesmo instante
alguém me soletra.
style="font-family:verdana;

">Octavio Paz

PARA EUGÉNIO DE ANDRADE

Incursões, 13.06.05
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O SORRISO

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

Eugénio de Andrade

[partiu hoje para a imortalidade um dos últimos grandes poetas do s.XX - o mais solar e luminoso deles todos - ficam-nos os seus versos, para nosso contentamento e consolo]

Em dia de aniversário de Fernando, o desassossegado Rei da nossa Baviera

Incursões, 13.06.05
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NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Valete, Fratres.

Fernando PESSOA,nascido em 13 de Junho de 1888,último poema de Mensagem

A Camões, em tempo, ainda, de «austera, apagada e vil tristeza»

Incursões, 10.06.05
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CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS

Podereis roubar-me tudo:
As ideias, as palavras, as imagens,
E também as metáforas, os temas, os motivos,
Os símbolos, e a primazia
Nas dores sofridas de uma língua nova,
No entendimento de outros, na coragem
De combater, julgar, de penetrar
Em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
Suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
Outros ladrões mais felizes..
Não importa nada: que o castigo
Será terrível. Não só quando
Vossos netos não souberem já quem sois
Terão de me saber melhor ainda
Do que fingis que não sabeis,
Como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
Reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
Tido por meu, contado como meu,
Até mesmo aquele pouco e miserável
Que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há - de ser buscado,
para passar por meu, E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Jorge de Sena, Metamorfoses

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Incursões, 08.06.05
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Para o homem superior não há outros. Ele é o outro de si próprio. Se quer imitar alguém, é a si próprio que procura imitar. Se quer contradizer alguém, é a si mesmo que busca contradizer. Procura ferir-se, a si próprio, no que de mais íntimo tem... faz partidas às suas próprias opiniões, tem longas conversas cheias de desprezo e com as sensações que sente. Todo o homem que há sou Eu. Toda a sociedade está dentro de mim. Eu sou os meus melhores amigos e os meus verdadeiros inimigos. O resto - o que está lá fora - desde as planícies e os montes até às gentes - tudo isso não é senão paisagem...

Fernando Pessoa, in Reflexões Pessoais

in citador - http://citador.weblog.com.pt/

UMA OPINIÃO

Incursões, 30.05.05

«A ficção nacional respeita o que poderíamos designar como a 'idiossincrasia lusitana:' entra de mansinho, como quem não quer a coisa, e, se entretanto não abandonarmos a leitura, achamo-nos a páginas tantas no meio da primeira de 17 crises psicológicas do protagonista-narrador.»


Albano Matos. no DN 21.05.05 - transcrita no Expresso de sábado,28

Será ?
Obs.: estarei ausente até 8 de junho.Depois volto.

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Incursões, 28.05.05
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Todo o Mundo e Ninguém



Todo-o-mundo:

Eu hei nome Todo-o-Mundo
e meu tempo todo inteiro

sempre é buscar dinheiro,

e sempre nisto me fundo


Ninguém:

Eu hei nome Ninguém
e busco a consciência


Berzebu:


Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.


Dinato:


Que escreverei, companheiro?

Berzebu:


Que Ninguém busca consciência

e Todo-o-Mundo dinheiro


Gil Vicente - Auto da Lusitânia - excerto