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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 373

d'oliveira, 21.08.18

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Quaterque beatus

(um grande professor e um “homem bom”)

mcr 21.08.18

 

Soube demasiadamente tarde da morte do Professor Doutor Rui Alarcão. Mesmo detestando enterros cumpria-me estar lá. Por várias e ponderosas razões: como aluno; como conhecido; como democrata que ainda se lembra do outro tempo, do tempo do medo e da coragem e de como era raro ver um professor ao lado dos estudantes como sempre foi o caso de Rui Alarcão; como velho amigo da Eliana, sua mulher que tive a sorte de conhecer mal cheguei à Faculdade. E, finalmente, mesmo se, eventualmente, já não mereça o título, como jurista. 

O jornal onde leio a notícia fala do “Magnífico Reitor”, título com que se adornam , muitas vezes sem fundamento, os reitores da velha universidade. No caso de Rui Alarcão (como ocorreu com outros dois grandes professores meus: José Joaquim Teixeira Ribeiro e António de Arruda Férrer Correia) o título assentava como uma luva. Grandes mestres, homens civilizadíssimos, cultos, resistentes desde sempre, sabedores. Com mais dois ou três outros salvaram a Faculdade de Direito e a Universidade de Coimbra (neste caso com mais contributos de outras faculdades evidentemente). Recordo dois outros professores que me aturaram com bonomia e a quem devo o mesmo que aos já citados: Jorge Figueiredo Dias e Carlos Mota Pinto. Estes homens além de ensinarem, de respeitarem os alunos, davam lições de cidadania e solidariedade. E marcaram várias gerações de estudantes. Com alguns privei muito de perto mas a todos devo muito.

Todavia, é de Rui Alarcão que queria falar. O título deste folhetim, mais uma latinada significa alguém, uma pessoa, quatro vezes abençoada, feliz se quiserem.  Ora Rui Alarcão nasceu sob uma estrela amável: inteligente, culto, persistente e sábio. Eis quatro qualidades que, para efeitos do que quero, reduzirei a duas, emparelhando-as. Era também um excelente professor. E. last but not the least, teve a sorte de ter ao seu lado (e não atrás, como às vezes se diz, uma mulher que, todos quantos a conhecemos e estimamos,  poderão garantir que também ela é, foi sempre, um somatório de qualidades. Como estudante fez parte, e parte muito activa (Presidente do Conselho Feminino), do renascimento da Associação Académica, foi um dos nomes sonantes e intervenientes do CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra), era a par de excelente aluna, uma militante democrata de sempre e mais tarde, enquanto jurista distinguiu-se pela actividade que desenvolveu mormente nas questões que diziam respeito  aos direitos de família e aos da juventude. Falo obviamente de Eliana Gersão, a quem daqui mando um comovido e sentido abraço. E era esta a quarta felicidade ou sorte de Rui Alarcão.

Costuma dizer-se que a morte de alguém é uma terrível perda. De Rui Alarcão subsiste, para além do respeito e da admiração de centenas de ex-alunos, uma enorme lição de vida e de dignidade, de coragem e de discrição, de humor e de cultura. Quisesse ele, e poderia ter sido mais coisas, poderia ter feito uma carreira política se é que isso acrescentaria algo ao seu enorme legado de professor e jurista. Não quis. Era um homem discreto e, provavelmente, a luz crua dos projectores mediáticos incomodá-lo-ia. Escolheu as suas trincheiras e nele se manteve sempre com hombridade e determinação. E coragem, claro que os anos da primeira parte da sua vida foram passados durante o Estado Novo. E não foi por acaso que, depois desempenhou durante três mandatos o sempre difícil cargo de Reitor da Universidade. Sabiam os seu eleitores (quer os estudantes quer os seus pares) que aquele homem cortês e discreto prestigiaria o cargo e, sobretudo, a Universidade. Olhando para a história das universidades portuguesas não abundam exemplos destes. Com oitenta e oito anos, Rui Alarcão podia gabar-se, de ter tido uma vida cheia, útil e estimulante para quantos o conheciam. Deixa um legado e, sobretudo, um grande, imenso exemplo de como, mesmo nas piores situações, um Homem pode ser livre e ajudar a libertar os seus concidadãos. Além das belíssimas lições de Direito deu-nos lições de vida e de firmeza perante situações asfixiantes.

Foi uma honra ter sido aluno dele.  

Estes dias que passam 377

d'oliveira, 09.08.18

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Fogo que arde e que se vê

mcr 9-8-18

 

 

A serra (e muita da zona envolvente) de Monchique arde há quase uma semana. 23.000 hectares já estão perdidos mas a coisa não ficará por aqui. Também já se foram casas, hortas, animais domésticos (já nem se fala nos selvagens), as cinzas atingem Albufeira, Portimão e o céu é cinzento há vários dias. A televisão mostra-nos impiedosamente mais este enorme desastre. Mostra-o até à exaustão e, como de costume, mistura tudo: odesespero das gentes que se sentem abandonadas, a angustia de moradores forçados manu militari, a partir a inanidade dos meios, filas de “meios terrestres” aparentemente à espera (de quê? De quem? De Godot?), aviões e helicópteros a despejar água e opiniões de todos os que são apanhados pelos microfones dos repórteres. Nem sempre as pessoas terão razão, não são especialistas mas apenas vítimas, ninguém lhes explica nada, dão-lhes ordens e pronto...

Ontem apareceu o senhor 1º Ministro impante e rotundo: que está atento, que este fogo é a prova por excepção da bondade das políticas governamentais, que uma árvore a arder não se composta como uma vela num bolo de aniversário. Tudo naquele tom protetor de quem ainda não percebeu que do outro lado estão portugueses com os mesmíssimos direitos e deveres de Sª Ex.ª.

De portugueses que andaram estes meses todos a ouvir que agora sim, agora é que vai ser, qual incêndio qual quê, isto vai ser “trigo limpo farinha Amparo”. À bolha imobiliária segue-se pesadamente a bolha incendiária. E as desculpas com o calor, com o sucesso de outros fogos rapidamente extintos como se não soubéssemos que, mesmo com o calor, o tempo mais que clemente do fim da Primavera e do principio do Verão criaram solos menos permeáveis ao fogo.

Em Monchique arde hoje, o que já ardeu ontem. E ontem, ardeu o que já ardera anteontem. É o fado, o destino, as Erínias, o azar, a preguiça das gentes, o eucalipto que faz viver uma inteira comunidade que ainda está presente e não abandonou as terras.

Uma associação de produtores florestais acusou as “autoridades” de nada terem feito em prol da implementação de um plano de ordenamento florestal apresentado e discutido durante vários meses. Uma secretariante criatura veio desmentir a associação: que não havia plano, que se acaso existia, só era para se iniciar em 2019, que (sempre depois das anteriores alegações serem documentalmente desmentidas) faltavam uns documentos importantíssimos (entre eles uma acta de assembleia geral e uma comunicação dos nomes eleitos nela) coisas tremendas, devastadoramente importantes que reduziam a nada o plano, os projectos, as reuniões, os ofícios trocados, as espectativas e tudo o resto.

A este respeito, a propósito do respeitinho pelo pormenor bu(r)rocrático recordo duas histórias: A mais antiga tem como protagonistas um grande médico e grande democrata, Sizenando Ribeiro da Cunha, homem da zona de Aveiro. Tinha este exemplar cidadão uma propriedade numa encosta onde além da clínica onde atendia ricos e pobres, muitos pobres, a casa onde habitava situada mais no alto. Uma estrada limitava a propriedade numas dezenas ou centenas de metros desde a entrada da clínica até à porta da casa familiar. Do outro lado da rua/estrada uma ou duas dúzias de casas de gente com reduzidos meios. Sizenando lembrou-se de ir à Junta da Freguesia e propor custar pavimentação da rua. Alegria geral. Apesar de opositor do poder instalado (o Estado Novo) ali estava um benemérito que ia gastar mais de cem contos de reis na obra de interesse geral. Quando tudo se encaminhava para o feliz desfecho, o presidente da Junta veio, de chapéu na mão prevenir o médico de que era necessári o um requerimento. Em papel selado e assinatura reconhecida notarialmente. O médico explodiu: “E quanto custa isso?”, -Cinco escudos do papel e outros tantos pelo reconhecimento!, respondeu-lhe a autoridade. Já não tenho mais dinheiro”, respondeu o indignado cidadão. E a obra não se fez.

 

Anos, muitos, mais tarde, dois responsáveis por uma entidade pública regional, dotada de autonomia administrativa e financeira, verificaram que não chegara atempadamente uma quantia da responsabilidade do Estado para pagar os salários de uma vintena de trabalhadores de uma sala de espectáculos gerida pela instituição. Os dois funcionários perceberam que a falta de pagamento afectaria o bom nome do Ministério, da entidade regional e, pior, a estabilidade das famílias dependentes dos salários em atraso. E entenderam adiantar os dinheiros necessários, pagando os salários do seu próprio bolso. Com o aplauso do senhor Chefe de Gabinete, do senhor Secretário de Estado e de uma ranchada de Directores e Subdirectores Gerais. “Bonito gesto! Sentido de Estado! Devoção à causa pública!”

Passaram-se meses, um ano mais meses! E do dinheirinho adiantado nem novas nem mandados. A soma emprestada era, apesar de tudo, importante para os dois servidores públicos. Até ao dia em que um director geral, exultante, os requereu em Lisboa, asinha, asinha. Já há dinheiro para vos pagar. Já a reunião ia a todo o vapor quando apareceram os papéis e ios cheques para solver a dívida do Estado. O Director Geral compulsou-os e empalideceu: “Isto não pode ser!” com os cheques que pagariam apenas e só as somas emprestadas, vinha também uma cobrança de imposto de selo ou algo semelhante. O dirctor geral pediu desculpa pelo facto e, num gesto, muito dele, muito do grande funcionário público que ele realmente era, pagou do seu bolso a merda da quantia referente à merda do tal selo (ou lá o que era) exigido.

Eis o Estado em todo o seu esplendor. Ao contrário do brocardo latino (de minibus non curat praetor), em Portugal, o pormenorzinho, a virgulazinha, a merdice importa mais do que a questão central. E o fogo vem. O fogo que “lixa o mexilhão” e aquece suavemente a alminha caridosa do senhor 1º Ministro... E lhe permite o arrobo vagamente poético da metáfora da vela no meio do bolo.

Ora porra!

 

 

 

 

Estes dias que passam 376

d'oliveira, 08.08.18

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As opiniões do meritíssimo

mcr 8.8.2018

 

Eu não me posso confessar como um entusiasta das polícias por muito civis e civilizadas que elas sejam. Por trás desta minha má vontade há toda uma vida, toda uma história. Tudo começou num fim de tarde bracarense (também eu, me quoque- ora tomem lá latim shakespeareano me passeei mesmo se brevemente por Braga a idolátrica) nos idos de 1958. Saía de um filme, eventualmente “Uma ilha ao sol” (R Rossen, realizador com Harry Belafonte e Dorothy Dandridge, música sublime) quando uns policiais cavernícolas entenderam que aquilo, aquela multidão que saía de um cinema, constituía uma manifestação de apoio ao General Humberto Delgado. Vai dái foram-nos empurrando à bastonada para a “Avenida” onde, de facto, havia centenas de adeptos da “oposicrática” que esperavam o candidato às eleições presidenciais.

Não gostei de sentir os meus jovens lombos acariciados rudemente pelos cassetetes da “bófia”. Dois ou três anos depois, por ocasião de uma farsa denominada eleições para deputados (1961), fiz parte, consciente dessa vez, de uma manif que protestava contra a proibição de um comício no Teatro Avenida em Coimbra. (Recordo-me, como se fosse hoje, das instruções do advogado Alberto Vilaça ao reduzido grupo de agitadores no qual eu era ainda caloiro). Foi em plena Portagem em Combra que percebi que tinha uma desgraçada predisposição para ser espancado pela polícia. No ano seguinte, o ano da crise académica de 1962, voltei a levar traulitada das forças da (des)Ordem. E nunca mais acabou este circo de protestos, corridas, e bordoada avonde. Eu não falhava uma manif e a polícia quando eu não me conseguia escapulir, não me falhava o magro corpinho. Em finais de 60, inícios dos setenta internacionalizei-me. Paris em 69, Berlim em 70, Madrid em 75 e Pescara (Itália) em 72.

Paralelamente, comecei a minha via crucis de prisões e cárceres variados quase todos na pátria madrasta com uma excepção aliás curtíssima , duas horas na fronteira espanhola, onde fui brevemente detido como “passador” clandestino. A polícia desconfiou que eu me dedicava à rendosa tarefa de passar uns desgraçados que abalavam para as franças e araganças em busca de melhor e mais bem pago trabalho. De facto, eu passava fugidos políticos, no caso em apreço uma querido amigo que recorreu aos meus préstimos para uma viagem só de ida a Paris.

Deste rosário de desditas na minha “juventude, divino tesoro”, vem a ojeriza a fardas mormente policiais (mas extensiva a outras, desde militares a contínuos e porteiros disfarçados de almirante ou de groom de hotel de várias estrelas. Também fiquei farto de batinas religiosas ou seculares e estudantis, mas isso é para outro momento).

Todavia, cedo percebi que nem todos os polícias são brutos como portões de quinta e que podem ter uma função importante nas sociedades em que nos movemos.

Ler a espantosa declaração de um senhor juiz Neto de Moura de que todos os polícias mentem em tribunal, sobretudo em casos de violação do código da estrada raia o ridículo, acaso a indecência e seguramente a mais completa falta à verdade. Uma afirmação dessas mesmo no caso de defesa em tribunal (onde a vivacidade de linguagem e agressividade verbal parecem campear) parece-me mesmo sinal de irresponsabilidade o que só é atenuado por clara falta de inteligência. Em qualquer caso condenável sobretudo se vinda de um magistrado judicial

Saber que, num tribunal de 2ª instância essa sua posição foi considerada e que daí não só tenha decorrido uma anulação do primeiro julgamento mas uma condenação de três polícias ao pagamento de multa por denúncia caluniosa de uns milhares de euros que acresceram à depauperada bolsa do senhor juiz, faz-me pensar se não estaremos a viver numa Venezuela alucinada onde as botijas de gás que explodem assumem a forma de drones manipulados pelo senhor José Manuel Santos, actual presidente da Colômbia...

Suponho, mesmo se isso me interesse pouco (o senhor Neto de Moura é-me absolutamente indiferente enquanto ser vivente e só entra neste folhetim por ser juiz) que o meritíssimo juiz não conheceu as polícias a que, acima, me referi. Gostaria bem de o ver dizer o mesmo naquela altura mesmo se suspeite (dadas outras declarações, desde os considerandos sobre o adultério até às surpreendentes citações bíblicas –que diabo de Bíblia a criatura terá lido?- ) estaria de bico muito fechado, mais calado do que uma carpa no seu tanque de água lodosa. A democracia permite a qualquer um dizer os dislates que muito bem entende sem que disso decorra qualquer pena.

Já Joaquim Namorado (poeta, 1914-1986) citava o seu famoso “Código Civil ( artº 1 e único: é proibido ser estúpido; parágrafo único: fica revogada toda a legislação em contrário) combatia esta perversão da palavra e da civilização propondo a pena de riso incontrolável perante as tolices que a cegueira nos obriga a dizer.

O problema aqui é, porém, outro. Este magistrado está no activo, vai continuar a julgar, vai não restam dúvidas, usar os seus critérios morais e os seus códigos linguísticos na apreciação de causas que lhe caírem à mão. Que confiança poderemos ter num tribunal em que este juiz seja julgador? Que confiança poderemos ter num tribunal e nas pessoas que o compõem que desobriga um juiz reu e carrega violentamente sobre os vários polícias (no caso GNR) que o acusam? Como é que um tribunal pode considerar mancomunados três ou mais agentes? Será necessário fazer acompanhar cada patrulha de uma máquina de vídeo? E será que o tribunal não duvidará de manipulação da mesma? Poderá a opinião pública acreditar que a sentença que dá razão ao juiz (antes condenado) não se deve a mero (mas provável) favoritismo?

Haja quem responda.

*a ilustração Honoré Daumier "Tribunais"

 

 

 

Estes dias que passam 375

d'oliveira, 30.07.18

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A ver se nos entendemos

(ou nem todos os robles são carvalhos)

mcr 30.07.18

 

 

(não conheço nem tenciono vir a conhecer o senhor Ricardo Robles. Não que lhe tenha alguma ojeriza, longe disso. Não gosto de criaturas dogmáticas e o homenzinho provou abundantemente ser isso com a sua campanha sobre alojamento e arrendamento. Aliás a sua formação política é, neste capítulo, um exemplo de gritaria e agressão verbal. Fosse este caso com outro, mormente alguém do PPD ou do CDS, e teríamos uma autêntica antologia do vitupério e da condenação política. Portanto: RR só o Rolls-Royce- e dos antigos nada dessas modernices que por aí circulam. Fico-me pelos primeiros Phantom, eventualmente o III. Algo que provavelmente o jovem robles acharia uma velharia)

 

Vamos por partes.

O cidadão Ricardo comprou com uma mana um prédio em Alfama por cerca de 370.000 euros. Fez-lhe obras no valor de 650.000. È dinheiro, muito dinheiro mas qualquer um pode ser rico sem qie isso o obrigue a “pagar a crise” mesmo se alguns camaradas de Robles tenham esse mote por justo e estratégico.

As obras implicaram a saída de inquilinos, um dos quais vem agora queixar-se de ter sido despejado e por isso terem sido anulados quatro postos de trabalho (Verdade? Mentira?)

O mesmo cidadão Ricardo optou por uma renovação do imóvel que abrange 11 apartamentos T1 aptos para arrendamento de curta duração a turistas e três lojas.

Concluídas as obras o prédio foi posto à venda por mais de 5 milhões de euros e na publicidade referia-se justamente a virtualidade de arrendamentos de curta duração.

Seis meses depois (fins de 2017 ou inícios de 2018?), desapareceu a menção de venda.

Robles alega que o prédio era para habitação dele e de uma familiar mas entende-se mal que, tendo a possibilidade de viver numa casa com espaço, lhe preferisse um cochicho de escassas dezenas de m2. De resto habitava em casa própria, bem mais ampla e depois terá comprado uma terceira habitação igualmente maior do que qualquer dos apartamentinhos para ACD.

Nada disto é ilegal. Comprar e vender, alugar, aproveitar o boom antes que a bolha rebente. Eu mesmo, proprietário bem mais pequeno do Ricardo de bom grado venderia um prédio na zona nobre pelos mesmos milhões. Todavia, não ando a bradar aos céus e à terra contra os malvados senhorios, contra a “especulação” imoral e imobiliária que grassa em Lisboa. Bem pelo contrário, aguento em silêncio, as pequenas falhas dos inquilinos as rendas miseráveis que pagam e enfureço-me com a CML (de que o senhor Ricardo é um dos expoentes mais ruidosos). Até já tive uma familiar de uma inquilina que, abusivamente e em nome da mãe, entendeu baixar unilateralmente uma renda. E passou a pagar menos cem euros! Dessa vez não perdoámos: processo para despejo. A pobre mãe entendeu a burrice da filha e lá veio recompor a situação...

O que neste caso é de relevar é a tentativa tosca, grotesca, ingénua de Robles para disfarça algo que nem precisava de desculpa.

Dizer que o preço de venda do prédio saíra direitinho da cabeça da agência vendedora brada aos céus. O pobre do Ricardinho nem saberia disso. Ou nem ousara opor-se. Ou...

Agora, de corda ao pescoço, mas sempre firme no seu posto de vereador, vem dizer que vai pôr as suas partes no mercado de habitação. E lembra que tem uns inquilinos velhinhos a pagar 170 euros. Por esses preço alugo já tês apartamentos, prometo estimá-los e juro que não os subalugarei. Servirão para guardar a livralhada e servir de poiso a mim e aos familiares quando se vai a Lisboa.

Se alguém conhece este brioso senhorio social por favor avise-o desta minha proposta que eu sou pessoa de palavra.

As esforçadas raparigas do Bloco já disseram sobre isto tudo o que poderia ser dito e que só não faz rir porque elas carecem de sentido de humor. A senhora Martins chegou mesmo a falar de conspiração. Jornais, revistas, televisão, políticos de vários quadrantes, o engraxador da esquina, dois estudantes à procura de um nicho, todos sem excepção conspiram contra o bom nome e honra do bloquismo puro e purificador.

Esta gente não aprende, nunca aprenderá e jamais perceberá que os telhados de vidro aparecem invariavelmente nas casas onde se acoitam. As pedras que se atiram aos outros às vezes, funcionam como boomerang. Ora descalcem lá essa bota.

 

(apareceu, na esplanada onde dou ao dedinho, uma amiga e o tempo passou bem agradavelmente do que na companhia de Robles, Martins et alia.)

Entretanto, dizem-me que a criatura se demitiu de vereador e de todos os cargos no BE.

Tarde piou. Deveria tê-lo feito quando lhe descobriram a careca. Agora .a demissão é só a confissão pungente e derrotada de uma mentirola que nos queria fazer passar por idiotas.

Sic transit gloria mundi, mesmo a escassa gloria de um arcanjo justiceiro com asas de cera. Perdeu-se um político dado ao esconjuro imoderado e eventualmente ganhou-se um especulador imobiliário. Cheira-me que já não consigo alugar-lhe os apartamentos a preço de bloco.

 

A figura: máscara Fang   do tipo dito "jano"E

Estes dias que passam 374

d'oliveira, 21.06.18

Direitos humanos...

mcr 21 Jun 2018

 

Parece que a razão avançada pela administração Trump para abandonar a comissão de Direitos Humanos da ONU residiria na solidariedade com Israel. Ou seja, em vez de nesse fórum defender com clareza e denodo o Estado israelita, os americanos desistiram, reconheceram a derrota perante uma súcia de Estados párias que só querem fogar os judeus no Mediterrâneo...

Tudo isto no exacto momento em que o presidente americano aperta a mão do norte coreano inimigo (agora milagreiramente descrito como homem inteligente e de bom senso)! É obra!

Vejamos, então, com mais pormenor o imenso respeito da administração Trump pelos direitos humanos.

Deixemos de lado o discurso sobre o muro que Trump (à imagem dos soviéticos em Berlim) pretende construir na fronteira com o México. Por enquanto essa bizarra construção só existe na mente paradoxal (ia dizer paranoica) do Presidente que pretende obrigar o vizinho do Sul a pagá-la integralmente.

Deixemos, também, as descrições e, sobretudo, as reportagens televisivas da actual fronteira onde, à falta de muro, há milhares de polícias rurais, de voluntários (!!!) de sensores luminosos e de som e batidas diárias em profundidade para apanhar os desgraçados que conseguem passar a fronteira. Às vezes, penso que a tenebrosa caça à raposa em Inglaterra tem mais fair play do que esta perseguição, este acosso, esta volúpia dos energúmenos caçadores todos, sem excepção, descendentes de outros desgraçados emigrantes que, ao cabo de inumeráveis sacrifícios, aportaram ao Novo Mundo.

Fixemo-nos, tão só nas jaulas onde estão encerradas milhares de crianças de todas as idades, assustadas, sozinhas, longe de pais e mãe, sem saber falar a língua dos carcereiros. Como crescerão estes meninos e meninas? Que traumas os atormentarão vida fora? Que segurança terão nestas jaulas pouco, ou nada, diferentes daqueloutras no Iraque onde a soldadesca enfiava suspeitos que, depois, humilhava, maltratava, violava ou, simples mas misericordiosamente, assassinava?

Dir-me-ão que, agora, perante a onde fortíssima de protestos na América, a administração Trump promete rever o seu procedimento. Em boa verdade, até isso parece surpreendente: então as justificações entretanto avançadas, incluindo excertos descontextualizados da Bíblia, deixam de ser ditas? São renegadas? Foi tudo uma infeliz má interpretação do que realmente se diz? Serão, sabe-se lá, “fake news” ou, apenas, uma versão “alternativa” dos factos como aquela das fotografias das multidões que celebraram a tomada de posse de Trump e de Obama?

A mim, já com largos anos às costas, poucas coisas ainda conseguem surpreender-me. Nasci durante a grande guerra, soube do gulag, do “grande salto em frente, fui testemunha ocular do que era o muro de Berlin que, com dificuldade, passei muitas vezes perante o olhar desconfiado do “Vopos” que multiplicavam os processos de busca e detecção nos carros raros que demandavam Berlin Leste. Vi demasiadas coisas, vivi outras tantas (e entre elas a prisão neste jardim à beira mar plantado) e permaneci em permanente estado de indignaçãoo até esta se tornar tão rotineira e me impregnar de pessimismo em relação ao futuro. Perdi a fé, recuei na esperança e creio pouco na caridade mesmo se, à falta de melhor, de Estado, de solidariedade activa e constante, esta me pareça uma forma, quase a única de tentar combater a desigualdade e a infelicidade de outros.

Todavia, crianças em jaulas é uma imagem idêntica à do menino judeu de braços no ar e estrla de David na aba do casaquinho, do outro menino árabe, esse, morto pelos soldados israelitas (vítimas como se sabe da sanha persecutória da comissão de direitos humanos da ONU...), do pequenino refugiado afogado que jazia numa praia do Mediterrâneo oriental, das crianças rohingya, de meninos africanos uns mortos outros armados com armas maiores do que eles. E por aí fora...

Dirão que confundo planos, realidades, situações, que misturo alhos com bugalhos. É provável. Porém, seja que imagem for, isto é inaguentável, indigna-me, faz-me chorar e envergonha-me. Profundamente!

Começa hoje o Verão. Começa exactamente daqui a minutos quando acabar de publicar este post. Apetece citar Shakespeare: Now is winter of our discontent (Richard III.)

Na peça este inverno é transformado em verão glorioso graças ao filho (ou ao sol) de York. Não ha, todavia, nada de glorioso neste início de estação. Nada!

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Estes dias que passam 373

d'oliveira, 31.05.18

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Valha-nos Nossa Senhora da Boa Morte

Coisas simples e evidentes

mcr 31.05.2018

 

Uma Manuel (Maria) e um Manuel, gente do mais estimável e inteligente que por aí anda, ofenderam-se muito comigo quando lhes resumi sucintamente (demasiadamente sucinto) o meu post sobre a votação da eutanásia.

O Manuel quase que me gritou que eu seria contra a “despenalização”, acusando-me de querer mandar para a prisão, para o cadafalso ou para Vorkuta qualquer criatura que ajudasse outra a morrer.

A Maria Manuel avançou com o tema do aborto, com a luta de dez anos (aliás até reconhecia que dois sucessivos referendos não tinham tido consequências por falta de votantes).

Eu, velho ou novo reaccionário empedernido, lá ia dizendo que a AR entendera pronunciar-se sobre uma questão que não fora discutida pelos partidos e pelos deputados nela integrados durante a última campanha eleitoral. Que isso, só isso, feria a votação de ilegitimidade ética e política; que a famigerada discussão ampla e generalizada nunca existira, que o chamado direito à morte nunca por nunca poderá ser paralelo ao direito à vida; que os cidadãos eleitores tem o direito de conhecer as opiniões dos que solicitam durante um escasso mês o voto popular; que o facto de a eleição dos deputados não se fazer uninominalmente como em qualquer país civilizado em que o cidadão sabe perfeitamente que vota em A ou B e não numa turbamulta; que, no caso das cidades mais importantes (Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Coimbra ou Setúbal), a votação e eleição aparecem absolutamente opacas perante os eleitores mostrando os candidatos como simples peões de brega, fungíveis, como se de coisas simples se tratasse, torna esta Assembleia numa espécie de tablado onde os partidos levam a “voz cantante” e os deputados apenas levantam e sentam o cu para votar como manda o chefe que, por sua vez, mais não é do que uma correia de transmissão do aparelho obscuro que governa de facto o Partido; que –e isto é o mais importante – não basta legislar sobre a eutanásia mas sim sobre como se morre em Portugal.

Morre-se mal ou muito mal por cá. Cuidados continuados são como qualquer pessoa minimamente séria sabe mais raros do que os milionários do totoloto. Cuidados paliativos, idem, aspas, aspas. Quem tem dinheiro, desanda para as escassas instituições privadas que existem e são obviamente caras. Quem não tem morre no hospital ou é rapidamente mandado para casa onde morre na mesma no meio do desamparo e da mágoa impotente dos familiares.

Isto queridos, Manuel e Manuel, perturba-me, ofende-me, indigna-me. È que, a esmagadora maioria dos moribundos não quer morrer. Agarra-se à vida como a lapa ao rochedo. E os seus familiares, honra lhes seja, também não o querem ver desaparecer. Centenas de milhares, para não falar em milhões de portugueses tentam tudo para acompanhar os seus na hora da verdade. E isso vê-se até na hora da morte ou no dia dos mortos altura em que os cemitérios florescem desmedidamente como se as pessoas quisessem lembrar aos seus mortos que eles estão, por um simples dia, vivos, pelo menos na memória dos mais próximos.

Pessoalmente, gostaria que me evitassem sofrimentos inúteis, tratamentos caros e também inúteis para já não falar no temendo sacrifício que uma pessoa em fim de vida, doente ,incapaz e sofredor, impõe aos seus familiares. Vi, como morreu o meu Avô Alcino, uma caricatura de velho doente e envergonhado ( o Parkinson afectara-lhe a fala, retira-lhe o controlo de várias funções excrescentes o que o envergonhava medonhamente. Estava à mercê do filho, da nora, deste neto inepto ou de alguma empregada doméstica que provavelmente pensava que “não era para aquilo que a pagavam”. Vi o meu tio Joaquim, vaguear pelo Alzheimer, balbuciando palavras desconexas, o olhar enlouquecido não reconhecendo amigos ou inimigos, mulher parentes ou filho. Anos a fio... sofria? Não sofria? Logo ele que adorava ler, conversar, passear que se ria e pensava!

Todavia em um nem outro são, penso, candidatos a uma morte piedosa. O “famoso” sofrimento irreprimível não ocorrerá nestas duas cada vez mais presentes doenças da velhice.

Mas eu gostaria de ser poupado à humilhação (claríssima e sentidíssima no caso do Avô) de acabar assim os meus dias. E para isto não há, ninguém prevê, uma solução que preserve a decência da vida e limite no possível a tremenda decadência da pessoa.

Ou há: cuidados continuados, cuidados paliativos residências medicalisadas para os cada vez mais numerosos anciãos que sobrevivem mas subvivem.

Alguém lembrou isto durante essa inexistente e absurda discussão, durante essa desoladora votação?

Mas há mais e pior: Foram votados quatro projectos: convenhamos que eram profundamente semelhantes e as diferenças poderiam, caso houvesse votação na especialidade, ser praticamente apagadas. Então não é que as votações foram sempre diferentes. Que houve deputados, mormente no PS e no PSD que só votaram os “seus” projectos e contariam os restantes? Isto pode ser chamado de “voto de consciência”? Isto foi de um “elevado nível”? As intervenções foram, e estou a ser simpático, de uma vulgar mediania, recheadas de narizes de cera que mais pareciam trombas de elefante. O Parlamento deu-se em espectáculo a si meso e merecia um Eça e uma “campanha alegre” para descrever o que se passou.

Mas deixemos isto que é triste e penoso e passemos a um argumento refalsadamente indecente: a comparação com o processo da despenalização do aborto. A campanha durou anos e anos e baseava-se numa incontornável realidade: a prática transversal e generalizada do aborto clandestino. Ao que, na altura, se afirmou, em Portugal realizar-se-iam ano bom, ano mau, quarenta mil abortos. Quarenta mil entre os praticados por médicos clandestinamente e regiamente pagos aos “selvagens” no recôndito das aldeias ou das casas por métodos bárbaros que causavam a morte a não poucas mulheres e que deixavam muitas mais profundamente marcadas ou incapacitadas em diferentes graus.

A prática do aborto clandestino fazia parte do modo de ser português como aliás do modo de ser de muitos povos e países. A urgência em lhe pôr cobro era sentida por uma larguíssima maioria dos portugueses. Só que, neste caso, havia uma fracção ruidosa e disciplinada que era contra. Que ainda é contra. Que em certos países é violentamente contra. Que, por isso, chega a matar, a pôr bombas.

E havia mais: havia o perigo das malformações dos fetos; o resultado insuportável de violações de mulheres indefesas; a ignorância de muitas raparigas que, só tarde e a más horas, percebia que no amor nem tudo são rosas, ou sendo-o também há espinhos. Entre os mais pobres havia o terror de não poder alimentar mais uma boca.

Ou, por outras palavras: havia uma profunda consciência dos males de uma política sanitária de interrupção da gravidez não desejada ou perigosa. E tanto era assim que o recurso desesperado ao aborto clandestino e perigoso era banal, tocava todas as classes, religiosos e não religiosos. Havia, digamo-lo, uma clara reprovação da ilicitude de tal prática. E o sentimento generalizado de que urgia acomodar a lei às espectativas reais das pessoas, mormente das mulheres principais interessadas e principais vítimas. Por isso, uma vez, finalmente, votada a “lei do aborto” não se verificou nenhum protesto digno de nota nem sequer por parte dos que à lei se opunham.

E no que toca à eutanásia? Aqui as questões são diferentes. Em primeiro lugar, há a percepção de que ajudar a morrer é, ainda, matar. Depois, convirá fazer uma simples pergunta: quantos dos leitores que, como eu, não querem morrer na indignidade, no sofrimento intolerável e também não desejam que o seu pesadelo seja extensivo aos seres mais queridos e mais próximos, já tiveram a precaução de registar o seu “testamento vital”? Não pergunto, para não embaraçar nenhum/a dos deputados/as favoráveis aos projectos chumbados, se algum/a sequer se lembrou dessa pequena, fácil formalidade?

Se não erro, ainda não há vinte mil portugueses registados. Vinte mil num universo de nove (mas que fossem só oito...) milhões de adultos! Ou seja: perante a hipóteses de serem atingidos por doença ou acidente com consequências mortais e intenso sofrimento (para não falar na hipóteses de uma agonia lenta e extremamente onerosa para o próprio e para os familiares), apenas uma pequeníssima, insignificante minoria decidiu dar um passo, fácil e gratuito. Dispor que, em caso de impossibilidade futura de manifestar a sua vontade, o cidadão recusa tratamentos inúteis e nomeia simultaneamente um ou mais procuradores que velarão pelo respeito da sua vontade livremente tomada em plena consciência. Vinte mil, ou um pouco menos!

Esta é, para já, a imagem de uma sociedade que mais de cem auto-proclamados políticos afirmaram compreender, defender e representar. Não vou perder tempo e palavras com muitos, a grande maioria dos que no Parlamento lhes fizeram frente. Nem sequer, piedosamente, desejar que algum dia estejam perante o dilema da morte piedosa, seja a deles ou dos seus entes queridos. Não vá suceder como aquando do aborto em que à janela o atacavam e no quarto dos fundos ou numa clínica cara, o praticavam. Como bem prega frei Tomás: Olhai para o que diz e nunca para o que faz.

Mas isso é já uma outra guerra...

(nb Também não queria recordar um pequeno pormenor que parece ter escapado a muitos, senão a todos: Na União Europeia apenas três países, Holanda, Bélgica e Luxemburgo legiferaram sobre o tema. Por outras palavras, apenas 10% dos europeus da UE... Mesmo sendo um principio (com já 15 anos), é pouco. E revelador do estado da discussão ou do receio de a iniciar. Convém avisar que, justamente, nestes países, iniciadores da UE, existe uma excelente taxa de cobertura médica e de cuidados paliativos e continuados. Nada que lembre Portugal...)

* Na imagem: Nª Srª da Boa Morte  (Igreja de S Roque?)

Estes dias que passam 372

mcr, 29.05.18

Nem sim nem não

 

mcr 29.V.18 

 

 

O Parlamento chumbou as propostas de legalização da eutanasia. Porém, o grande problema do distinto areópago era outro: nenhum dos senhores e senhoras deputados/as estava mandatado para se pronunciar sobre esta questão. Retificando: o PAN teria colocado a questão no seu programa eleitoral. Os restantes, nada.

Percebe-se, aliás, a razão, desta omissão tremenda da defesa dos direitos humanos: há custos, altos custos, eleitorais neste tipo de propostas fracturantes. 

A senhora coordenadora do BE já disse que voltará ao Parlamento com proposta idêntica. Espero que, dessa vez, o faça confortada com o voto dos seus eleitores. O mesmo desejo para os restantes. É bom, é salutarmente democrático, que os eleitores saibam o que farão os deputados com os votos por aqueles conferidos. Espero, mesmo  com fortes dúvidas, que todos os que vierem solicitar o nosso voto tenham a coragem de em plena campanha se assumirem como defensores ou opositores da eutanásia. 

Pessoalmente, quero ser eu a decidir sobre a minha morte. Recuso-me, todavia, a obrigar quem quer que seja, mormente médicos ou enfermeiros do SNS, a aceitar a minha decisão e a (eventualmente) violar a sua consciência.Em segundo lugar, devo advertir que a famoa discussão pública foi escassa, quase inexistente. 

E, já agora, gostaria de saber porque raio não me é permitido pedir a um par de amigos que me atirem ao mar. Parece que isso, com ou sem eutanásia, é proibido. Notem que nem falo de um pobre vivente mesmo em coma inexorável e em grande sofrimento: falo do meu desditoso futuro cadáver. 

Ou será que alguém pretende proteger as funerárias que à falta de se poderem cevar no morto, cobram balúrdios aos vivos que sobram? Senhores deputados, esta causa não é fracturante, não defende especiais direitos humanos mas tambem não ofende as crenças de quem quer que seja.O mar dá-se melhor com um cadáver do que com o plástico, o lixo, os óleos contra o sol e outras porcarias do mesmo tipo. Desejo-vos boa vida e, se possível, melhor morte.

 

 

Estes dias que passam 371

d'oliveira, 16.05.18

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  1. Alguém acredita?

 

Alguém acredita que cinquenta malfeitores de cara tapada, urrando como possessos. Entrem portas adentro do Centro de Estágios do Sportinge comecem a desancar toda a gente com que se cruzam, sobretudo jogadores (“meninos mimados” segundo o execrável presidente do clube), treinador, restante equipa técnica e mais uns avulsos pertencentes ao pessoal?

Alguém acredita que, depois terem severamente espancado as suas vítimas e rebentado com o mobiliário, se retiraram em autêntica ordem militar, como um gang bem organizado mesmo se a GNR tenha já encontrado uma vintena de canalhas?

Alguém acredita que tudo isto, esta autêntica conspirata que faz ir de vários sítios para Alcochete os gloriosos cruzados da invencibilidade do clube o tivessem feito espontânea e livremente, inspirados tão só pela indignação gerada por uma derrota (ainda por cima justa) no Funchal, frenta a um clube que raramente permite que os adversários ganhem no seu terreno?

Alguém acredita que a campanha contínua (nas redes sociais) do senhor Bruno de Carvalho é apenas uma mera coincidência? Que as ameaças explícitas ou implícitas a jogadores e treinador (alegadamente ameaçado, ontem mesmo, de “processo disciplinar) não produziram na cabeça esparvoada e façanhuda dos trauliteiros sportinguistas, o efeito perverso que conduziu ao raid às instalações?

Alguém acredita que os disparates e tolices avançadas no “Expresso”, neste último fim de semana pelo presidente do Sporting não tiveram efeito nestes perigosos pobres diabos que em alcateia entenderam fazer justiça?

Será que ninguém tem acompanhado a campanha tonitruante e em crescendo do dito Carvalho que dispara em todas as direcções, desafia tudo e todos e ameaça meio mundo jactando-se de ser um vago familiar do almirante que mandou à merda os manifestantes da construção civil nos tempos nada gloriosos do PREC?

Ninguém viu como os estádios e as suas redondezas são cada vez mais palco de violência entre adeptos, contra adeptos (o caso famoso do polícia que espancou miserável e cobardemente um pai indefeso à frente do filho)? Ninguém viu o que as televisões mostraram há escassos dias em Guimarães quando quatro imbecis atacaram um cidadão que mesmo derrubado no chão continuou a ser alvo de pontapés?

Ninguém viu o que se passou nas garagens do estádio quando outros inflamados sportinguistas entenderam insultar, ameaçar e agredir várias pessoas?

Será que ninguém se recorda já do adepto assassinado por atropelamento junto de um estádio? Ou daquele outro assassinado dentro do estádio por um engenho lançada da bancada adversária?

Ou das dezenas e dezenas de agressões praticadas em campeonatos inferiores por adeptos que atacam árbitros, ferem árbitros, ameaçam-nos e às famílias? Tudo isto e muito mais tem sido mostrado até à exaustão e ao vómito pelas televisões.

E nestas, é ou não verdade que num desses programas de discussão de futebol longos, maçudos e gritados, houve já quem em plena emissão resolvesse passar às vias de facto. Volta que não volta, e apenas para recarregar as minhas baterias de indignação e anti-futebolísticas, passo por essas medonhas exibições de parvoíce, de auto-suficiência, de gritaria e imbecilidade. Domingo passado, num delas havia uns vociferantes que uivavam e se interrompiam, vermelhos como tomates fora do prazo: ninguém percebia o que queriam pela simples razão de que a tremenda gritaria não permitia perceber fosse o que fosse.

E o moderador que fazia?

Assistia encantado. Provavelmente, a direcção da emissora gosta de escândalo de vitupério de briga. Aquilo sim, aquilo dá mais visibilidade à casa desgovernada que paga a estes maus actores e piores comentadores para que o chinfrim atinja o seu máximo esplendor.

É o futebol. O futebol à portuguesa, traduçãoo em calão de um outro também violento e inglês que pelos seus excessos condenou as equipas britânicas a uma longa ausência das competições europeias.

Num país civilizado, onde os Direitos, Liberdades e Garantias são respeitados e defendidos, todos estes casos teriam resposta pronta e imediata mesmo antes dos morosos processos na Justiça. Os órgãos federativos deveriam, mesmo em fase de inquérito, interditar o estádio ou pelo menos não permitir espectadores nele e, muito menos, transmissão televisiva integral do jogo.

Num país civilizado as imagens degradantes de um presidente a atirar fumo (ou a cuspir) para cara de outro deveria ter imediatas e duras consequências. Não tem. Pelo contrário, os órgãos de informação precipitam-se, avidos e alucinados, sobre qualquer desbragdo que diz o que quer sob pretexto de que assim, como maluco, pode ser ouvido e, pasme-se!, respeitado. Onde é que esta criatura tem a cabeça? Que ética, que moral, que decência o movem?

A infâmia de ontem irá ter alguma consequência? Ou, amanhã, tudo continuará na mesma mansa, resignada, vil e apagada tristeza?

E já agora: um senhor advogado que adora o Sporting mas não a violência, garante que na pátria triste há três milhões e meio de adeptos sportinguistas! Só. Como o Benfica se gaba de ser o maior clube português e o Porto o representante do populoso norte a população nacional há de rondar uma farta dúzia de milhões de habitantes pois há que ter em conta os adeptos dos mil clubes desde o Braga ou os Vitórias até à minha pobre e esforçada Naval 1º de Maio. Anda tudo maluco ou isto é apenas o efeito da primavera que tarda mas incendeia o cérebro de comentadores e jurisconsultos? Antes isso que fogos propriamente ditos que virão inexoráveis atacar populações indefesas que votam pouco e mal e vivem mal e pouco, quase nada. 

Estes dias que passam 370

d'oliveira, 15.05.18

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Força, força, camarada Sócrates

Nós seremos a muralha de aço

 

mcr 15

 

Algum(a) leitor(a) mais idoso recordará um patético slogan do Verão violento de 75 em que as “massas populares” (melhor: um punhado de criaturas que pensava que o era) aclamavam incessantemente o Sr. coronel Vasco Gonçalves durante o que se pensou ser um prelúdio ao assalto ao Palácio de Inverno.

A algazarra foi orquestrada pelos minoritários adeptos de uma cubanização da política portuguesa que pareciam entrincheirados numa nova linha de Torres com o epicentro na margem sul. E juravam que eram fortes, que representavam o país, ou os trabalhadores (ou os trabalhadores “conscientes”), ou qualquer outra coisa.

Poucos meses bastaram para se ver que nem sempre “uma centelha incendeia toda a pradaria” e o pouco que ardia era fogo de palha.

A muralha de aço era de barro e os muitos milhares que presumivelmente a constituíam desapareceram sem deixar rasto notável pese embora a mitologia neo-sebastianista que, ainda hoje, suspira por aqueles dias incandescentes.

O país real (bom ou mau, mas real) veio ao de cima e vive pacatamente 363 dias por ano, As excepções são as efemérides do 25 de Abril e 1º de Maio em que, no meio de uma indiferença bastante generalizada, há em algumas cidades marchas de cidadãos que reivindicam (contra quem? Contra o quê?) a “herança de Abril” e manifestam uma e outra vez o seu horror à “longa noite fascista”. E, no primeiro caso, o parlamento é engalanado, há discursos comovedores mesmo se repetitivos de ano para ano, e uma parte significativa dos deputados estreia um cravo vermelho na lapela ou a espreitar pelo decote.

Nada tenho contra este quadro tanto mais que, como as pessoas, sou de opinião que as sociedades necessitam de rotinas estabelecidas. Não deixo, porém de sublinhar que as festividades tem menor ou maior “quadro humano” consoante o tempo é ou não estival. Em havendo sol q.b. e calor o povo deserta as festas e ruma às praias para aproveitar o feriado. Nada mais natural nem mais lógico. Nem mais humano.

 

Tudo isto me veio ao pensamento com a actual vaga de comentários acerbos sobre o sr. Pinho e o sr. José Sócrates. De repente, o partido que representaram no Governo, desatou numa jeremiada patética, num tilintar de cilícios, num discurso de desculpas e indignações que nos apontam cruelmente a proximidade d eleições.

Quem me lê, nunca aqui viu escrita qualquer condenação do ex-primeiro ministro socialista. Não que eu o considerasse inocente e limpo de toda a suspeita. Nada disso. Mesmo tendo votado, uma única e irrepetível vez, na criatura, só o fiz para esconjurar um outro fantasma chamado Santana Lopes. Que sucedia a um outro agoirento governante chamado Durão Barroso, escafedido a meio mandato para a Europa e para um posto que só lhe caiu em cima por os que mandavam terem achado que que ele, no leme, não estragava nenhum arranjinho a ninguém. E não estragou.

Todavia, uma vez desaparecido Santana do panorama, logo se começou a ver quem era o governante Sócrates. Autocrático, vaidoso, incapaz de permitir qualquer escrutínio à sua vida pública, aos seus diplomas (ai os diplomas, os exames ao domingo, o inglês técnico, a barafunda, a licenciatura que de repente deixou de o ser pelo não reconhecimento da Ordem dos Engenheiros), a vida acima das possibilidades, o despesismo em obras públicas de duvidosa utilidade e pesadíssimos encargos, a gestão danosa, a ideia de que para ultrapassar as contas públicas deficitárias se poderia continuamente recorrer a empréstimos, o alastramento descomedido das PPP, os sinais iminentes da crise que nos iria seguramente cair em cima, o inacreditável aumento da funçanata pública em vésperas de eleições, a tentativa de controlo dos media, os processos milagrosamente parados pela cumplicidade de certas instâncias ligadas à Justiça, tudo indiciava que no reino da Dinamarca lusitana havia algo de podre para não falar de esqueletos no armário. Mesmo quando, se demitiu forçado por um seu ministro das Finanças e derrotado sem apelo nem agravo na eleição seguinte, o sr. Sócrates não percebeu que se impunha, para salvação própria, um período de nojo, muito comedimento, cautela e caldos de galinha.

Nada disso sucedeu.

A criatura foi para Paris “estudar”. Com um empréstimo junto de uma instituição bancária que, à partida, o obriga a uma vida simples, frugal e serena. Nada disso ocorreu.

O homenzinho instalou-se no XVI bairro, o mais caro de Paris. Numa casa que, pelos vistos, agora se aluga a 1000 euros por noite, frequentando (segundo a imprensa da época) restaurantes caros (mesmo se os há bem mais caros em Paris) e uma prestigiada Escola.

De Paris, ao fim de um curto período, trouxe um livrinho parido segundo agora consta por uma mãe de aluguer, no caso um cavalheiro que é professor universitário numa faculdade portuguesa. A obrinha, modesta e inócua, foi alvo de uma campanha publicitária extraordinária e pareceu vender mais do que o finado Saramago. De repente, descobre-se que até isso, esses milhares de exemplares se compravam ao alqueire, ao quintal, à tonelada eram fruto de uma manipulação do mercado. E sempre por um pequeno grupo de criaturas que nem sequer disfarçavam o rasto. Tudo para satisfazer a ensandecida vaidade de alguém que alegadamente era o seu autor.

Durante o processo, descobriu-se que o famoso milagre da Rainha Santa tinha uma espantosa réplica nos nossos tempos. Um “amigo” (e que amigo!) financiara tudo desse as estravagâncias parisienses até à compra dos livros. E comprara bens da mãezinha de Sócrates. Casas e casinhas.

Não sei quem é esse benfeitor Santos Silva. De onde lhe vem o dinheiro. Quanto exactamente investiu nessa amizade à prova de bala, à prova de tudo.

Sócrates, entretanto, é preso à saída do aeroporto. Comoção geral! Condenação enérgica de amigos, companheiros e camaradas. E de muito povo, sempre ele. O dr. Soares visita-o na cadeia. Formam-se caravanas por todo o país socialista para o ir venerar a Évora. Cantam-se à porta da cadeia, cantigas revolucionarias ou quase. Senhoras choram comovidas. Sócrates amigo, o povo está contigo.

Os mais prudentes, de todo o modo uma minoria, refugiam-se no segredo de justiça e juram que são os procuradores e mais perseguidores que trazem cá para fora, gota a gota, pormenores cada vez mais escabrosos dos interrogatórios. E o mundo, aquele mundo, vai-se desmoronando: os processos contra outras pessoas –sempre bem colocadas – acumula-se. O escândalo cresce. O “deserto” à volta de Sócrates, “cresce”, se me permitem citar Nietzsche.

As boas almas indignam-se não tanto com os eventuais espantosos e inauditos crimes mas com o que escorre cá para fora em cascata. O cúmulo foi a longa reportagem da SIC (da SIC e não do “correio da manhã”). Os jornalistas da estação falam em interesse público. Vicente Jorge Silva e Jorge Wemans – dois jornalista que muito prezo – falam, pelo contrário em jornalismo de sargeta. Será? Melhor: sem esta reportagem saber-se-ia hoje alguma coisa desta sórdida história?

Dizem-me: esta reportagem colocou o julgamento de Sócrates na praça pública. É verdade em parte. Todavia, uma coisa é a discussão política e ética e moral deste caso a todos os títulos escabroso, outra será o julgamento em tribunal. Se entretanto ocorrer no nosso tempo. Não há quem aposte o começo em data próxima e, muito menos, quem duvide que tal processo durará anos e ano. Por mim, que provavelmente já cá não estarei, a coisa nunca terá fim antes de 2030. E estou a ser optimista.

Conviria, porém, analisar melhor esta cambalhota dos amigos de Sócrates. Ao contrário da outra muralha de aço (que ainda hoje recorda melancólica o fim da “revolução”) esta nova espécie de arrependidos defensores do “animal feroz” (Sócrates dixit) vem agora a terreiro manifestar indignação, fúria, desolação. Arece que foram enganados! Não viram, não ouviram, não souberam ler os sinais evidentes e estridentes do que homenzinho era. Há mesmo uma ex-namorada, jornalista de profissão que num inenarrável vómito auto-punitivo se despe em público e conta a desventura de uma vaga coabitação entre luxos estrafalários de que nunca desconfiou. O amor é cego! Ou parvo.

Com amigos destes, Sócrates não precisa de inimigos. Mesmo se, como se sabe, foi ele o seu principal inimigo e carrasco. Foi petulante, imprudente, impudente e, a l alongue, néscio até dizer chega. Estou a vê-lo a olhar para a populaça que o aclama(va) e a pensar quão tonta ela era. E, finalmente, a desprezá-la. Terá dito para os seus botões: “todo o burro come palha, a questão é saber dá-la.”

O seu consulado foi uma septénio de hipóteses perdidas, uma navegação à deriva, um exercício de despudor que, entretanto, ainda não foi posto em causa sequer pelos recentíssimos “arrependidos” e pela sofredora Madalena atraiçoada.

A ex-novel “muralha de aço nem sequer tem a dignidade da antecessora que, mesmo vencida, conseguiu debandar com certa ordem e recordar entre choro e ranger de dentes o ano ardente em que parecia poder conquistar o mundo.

E a procissão, podem estr certos, ainda só vai no adro. Como nas telenovelas os próximos capítulos hão de ser escaldantes.

(nota à margem: entre os indignados e ofendidos há gente que graças a um buraco na lei tem viajado de e para as Ilhas com dois subsídios que não se complementam mas antes se deviam anular.

* na gravira: Roque Gameiro "Naufrágio de Sepúlvreda"

Estes dias que passam 369

d'oliveira, 11.04.18

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Em memória de Manuel da Graça Patrício Curado

por mcr (10/11, abril de 2018)

Enquanto filho segundo, a família queria-o padre. Era assim no Alentejo, mais especificamente em Nisa. Lavradores com algumas posses Mariana e Francisco Curado destinaram Joaquim o mais velho a doutor e a herdeiro da maioria dos bens familiares. Manuel o benjamim seria padre evitando assim uma descendência que concorreria na repartição da herança com a do irmão mais velho.

Manuel que ainda fez grande parte do seminário não esteve pelos ajustes. Aos 18 anos fugiu para Lisboa e alistou-se no então chamado Exército Colonial. Para Angola e depressa, terá pensado. Nessas terras foi soldado de todas as guerras grandes e pequenas. Graças à sua inteligência, à sua tenacidade e à sua coragem nunca desmentida, foi sendo sucessivamente promovido até terminar a carreira como capitão, o máximo que poderia atingir. Pelo meio ficaram a Grande Guerra, várias campanhas de “pacificação” sempre no Sul, um casamento, sete filhos e a participação na “revolução” contra um governador geral autoritário e tonto. A sua terceira filha, minha mãe, recorda a saída da companhia que ele comandava em direcção a Luanda para secundar a decisão do Chefe de Estado Maior, coronel Genipro de Almeida, que abertamente desafiou o Governador Filomeno da Câmara, fugido para Benguela deixando nas mãos do seu chefe de gabinete, tenente Morais Sarmento, uma série de papéis assinados que convenientemente preenchidos demitiriam, a pretexto de pertença à Maçonaria (a Kuribeka), meio mundo na colónia. Sarmento, cercado na própria casa terá sido abatido por “algum soldado negro”, nervoso e pouco habituado ao português... (assim reza a história “oficial”)

É provável que a honrosa e honrada carreira militar de Manuel Curado tivesse sido prejudicada por este aventura político-militar que, se conseguiu afastar Filomeno, também não poupou Genipro e os militares seus apoiantes.    

De todo o modo, não é de meu avô que pretendo falar mas sim da Guerra, a grande, a primeira, em que ele participou como combatente no extremo sul de Angola em confronto aberto com as treinadas tropas alemãs do então Sudoeste Africano (Namíbia, hoje).

Portugal logo no início da guerra viu-se envolvido no conflito com a Alemanha quer no Sul de Angola, quer no Norte de Moçambique. No primeiro dos casos não se podendo falar de uma campanha especialmente brilhante sempre é verdade que a “frente” nunca saiu da zona fronteiriça. Em Moçambique a guerra foi um desastre. Apesar do elevado número de expedicionários portugueses, as tropas alemãs do extraordinário general Paul von Lettow-Vorbeck (que terá derrotado 17 generais e um marechal sem nunca ter sido vencido), fizeram o que quiseram. Os portugueses referem piedosamente a “vitória” de Nevala (na realidade ocupada depois de abandonada) e escondem as incursões profundíssimas do alemão que chegou a ameaçar as proximidades de Quelimane depois de se passear pelos territórios de Cabo Delgado, Moçambique e Niassa sem grandes incómodos. Esta desastrada campanha deve-se mais à inadequação do treino militar, ao quase completo desconhecimento do território onde decorriam as operações (de Kionga no litoral até ao Niassa seguindo todo o percurso do Rovuma), a uma intendência incapaz e a um apoio médico sanitário absolutamente medíocre.

Convém salientar que do outro lado von Lettow contava apenas com escassos milhares de alemães e nunca mais de 12.000 askaris. E com uma organização ímpar apoiada lealmente pelas populações branca (escassa) e negra do Tanganika (território atacado a Norte e pelo mar por tropas e marinha inglesas, superiores em número e esmagadoras no mar).

De todo o modo, a guerra em África correspondia um desígnio nacional, sentido por todos (a defesa do Império Colonial cuja existência estaria ameaçada por alegados conluios anglo-germânicos de partilha dos “nossos” territórios.

Ora, e é aqui que bate o ponto, tal não sucedeu com a tola, funesta e desastrosa intervenção no cenário de guerra europeu.

A intervenção portuguesa na Flandres foi desejada pela “República”, recente e mal vista na Europa. Os “guerristas” viam na participação nacional um meio de serem reconhecidos pelos países europeus e, depois de uma pertinaz campanha, conseguiram entrar no conflito e enviar tropas para a frente europeia.

Ora o CEP (a força expedicionária portuguesa, dotada de duas divisões de vinte mil homens cada) foi formado à pressa, em Tancos – o “milagre de Tancos” – e partiu para o norte da França em barcos ingleses. Ali chegadas, houve que preparar, de novo, as tropas   portuguesas para o combate, dar-lhes um verdadeiro treino “à inglesa” por instrutores ingleses, fardá-las (!), à inglesa, armá-las (!!) à inglesa e enquadrá-las na dependência inglesa. Até a comida foi, nos primeiros meses, inglesa. Aos soldados portugueses, quase todos de origem rural e na maioria analfabetos, nunca foi verdadeiramente explicada a razão de terem sido trazidos para uma terra que não era deles, que nada lhes dizia, cuja língua ignoravam e cujo clima era inclemente.

Também não estavam preparados para a “guerra industrial” e, desgraçadamente, foi-lhes atribuída uma zona de frente pantanosa que inundava as precárias trincheiras que conseguiam erguer no intervalo dos bombardeamentos. A intendência não funcionava ou funcionava mal e, a partir do primeiro ano, (culpa de Sidónio mas também, e muito, do governo que o antecedeu. Basta dizer que para levar e trazer soldados de e para Portugal havia que contar exclusivamente com a marinha britânica!...) deixou de haver “roulement” das tropas. É nesse cenário de falta de quase tudo, de mau comando, fraca oficialidade, dificuldade de transmissões que se inscreve o desastre de La Lys. Ainda por cima, o violento ataque alemão ocorreu em vésperas de mudança de posições da topa na frente que deveria ser rendida e deslocar-se para a retaguarda no dia seguinte ao do ataque de 9 de Abril. Além do cansaço, da desmotivação, das dramáticas condições das trincheiras, havia a notícia da saída daquela posição. Provavelmente, à vigilância constante sucedera algum alívio e menor precaução.

Numa palavra, os alemães destroçaram, esmagaram, aniquilaram a Divisão portuguesa. Entre mortos, feridos e prisioneiros ficou ali quase toda a gente mesmo que se saiba que alguns escassos milhares de homens recuaram precipitadamente, debandaram, fugiram varridos pelo fogo de artilharia, pelo gás, pela ferocidade dos atacantes. A frente portuguesa desapareceu e o resto da tropa portuguesa que estava de reserva nunca mais foi operacional. A guerra acabaria alguns meses depois, os mais de sete mil (!!!) prisioneiros portugueses regressaram dos campos de internamento, boa parte dos oficiais voltou ao país com o forte (e compreensível) desejo de ajustar contas com a “República” ou pelo menos com os “democráticos” que tinham exercido sem glória nem talento o papel de “falcões” quando não sabiam sequer ser frangões.

La Lys, pese embora o soldado Milhões e mais um pequeno punhado de corajosos, deveria ser lembrada apenas como um dia de luto pesado não tanto por Portugal mas pela incúria, incapacidade, desfaçatez do Poder da altura.

Cem anos depois, os senhores Presidente da República e Primeiro Ministro foram juntos, de mãozinha dada, celebrar esse trágico momento da nossa História. E fizeram-no, pelos vistos, ufanos, como se de uma vitória se tratasse. Como se, nas palavras do Senhor Presidente, se estivesse a comemorar uma vitória que só não foi a mais trágica derrota depois de Alcácer Quibir, porque os dois flancos ingleses travaram, com custo mas determinação e muitos mortos, o ataque das divisões alemãs salvando possivelmente as restantes tropas portuguesas, mais à retaguarda, de um total aniquilamento.

Entre um João Chagas (pelo menos brilhante escritor), guerrista assanhado e duramente criticado por Aquilino Ribeiro (“É a guerra”, Bertrand) e Marcelo Rebelo de Sousa começam a despontar semelhanças que não engrandecem o primeiro nem melhoram o tíbio e patrioteiro discurso do segundo.

Os morto de La Lys, do sul angolano e do norte de Moçambique mereciam mais, muito mais e melhor. Pelo menos, respeito e verdade. Mas isso é tarefa para Santo António que sabia pregar aos peixes. Por cá prefere-se pregar aos papalvos que é como somos tomados.