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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

o leitor (im)penitente 271

d'oliveira, 15.08.24

Ferragosto.jpg

trabalhos redobrados

mcr, 15.8.24

 

estamos em pleno "ferragosto" que em Itália é dos feriados mais desejados e mais festejados. Por cá é dia da Assunção de Nª Senhora festa religiosa que com as férias passa quase desapercebida. 

Curiosamente, no dia anterior celebra-se o aniversário da maior e mais gloriosa batalha da nossa história. É extraordinário porque esta batalha durou pouquíssimo tempo, um par de horas digamos conseguindo apesar da despropcorção de forças uma clamorosa vitória que se tornou ainda mais evidente dada a desorganizada fuga dos invasores que foram chacinados sem piedade tendo mesmo muitos morrido às mãos de populares dos arredores.

Todavia, hoje, pelos vistos, a efeméride passa largamente despercebida. Chego a pensar que uma grande maioria dos portugueses desconhece não só adata da batalha mas até o dia em que ocorreu. 

E nem falo no desconhecimento de como tudo sucedeu .

todavia, não é da Batalha, da ida da Virgem para o céu ou sequer do ferragosto  que venho até aqui.

De facto, apenas queria referir uma das dificuldades surpreendentes deste leitor (im)penitente. 

Eu sou desde os primeirosdias do seu aparecimento um leitor da belíssima revista Colóquio (letras, que a outra a Artes já apenas um saudade)

Trata-se, sem qualquer dúvida de uma excelente publicação, mesmo se volta e meia a saída de uma edição se atrase violentamente. 

O que é mais surpreendente é o facto de por mais que se procure a revista não se avista. 

Desde que a livraria Leitura (outra imensa e desolada saudade) fechou ninca mais consegui encontrar no Porto a "Colóquio!. Nem FNAC, nem Bertrand, sequer duas ou três livrarias resistentes e notáveis a conseguem. Nada. Nada de nada. O deserto editorial .

Parece que a poderosa fundação Gulbenkian depois do esforço (e do custo seguramente elevado) não consegue levar a revista aos leitores interessados.

Eu referi o Porto mas agora que esyou por breves semanas em Lisboa descobri que, aqui também a revista anda desaparecida. Na Bertrand o último número de que se lembravam era o 111 enquanto que na FNAC do Chiado havia notícia do nº219 ou seja de um número editado há já um bom par de anos! 

Optei por me deslocar `Fundação e aí não consegui o exemplar pretendido mas saí ajoujado de mais quatro que não não tinha mas de que nem sequer tivera notícia.  desde o encerramento da Leitura deixei de a poder encontrar e comprar comodamente.

Entretanto e para enegrecer ainda mais a pílula, devo dizer que com muito trabalho consegui chegar à fala (telefónica) com uma simpática senhora da redacção, dado que nas restantes secções da revista nem vivalma atendia. A simpática criatura até me propôs tornar-me assinante coisa a que acedi dado que ela iria imediatamente contactar a aecção respectiva. Vão já dois meses e nada!... 

Eu tenho da Gulbenkian uma boa ideia eas melhores recordações desde o meu tempo de bolseiro para o curso de Direito Comparado da Faculté Internationalle pour l'Enseignement du Droit Comparé. Foram anos felizes, buliçosos com sessões em váios países e universidades onde fiz amigos que recordo com carinho.

Conheci pessoalmente vários responsáveis pela revista, entre todos o Nuno Júdice um poeta excelente que nos deixou recentemente. 

Custa-me verificar que a revista de indiscutível qualidade seja, neste país, praticamente clandestina, longe do seu lugar habitual nas livrarias. Alguém me disse que "a distribuição era um problema"

Um problema? Mesmo em Lisbos e no Porto com duas organizações livreiras do tamanho da Bertrand e da FNAC?  estão certeza a gozar com o pagode. 

Na livraria da Fundação aconselharam-me a tentar a compra "on line". Tenho porém o pressentimento que conseguir tal proeza é mais difícil do que meter uma lança em África (coisa que foi directa consequência de Aljubarrota, veem como tudo se junta?).

A única pergunta que se pode fazer é esta; quer a Gulbenkian vender a sua revista aos leitores? Ou basta-lhe editar os três números anuais e aguardar que alguém lá vá buscar um exemplar ? 

 

o último número da revista é, como de costume excelente eaté traz um presente: uma versão fac-simile de Cau Kien, livro de poemas de Fernando Assis Pacheco que com o título vietnamita descrevia a guerra de África vivida pelo poeta. Foi editado pela Centelha, uma editora coimbrã, nascida da crise de 69 e de que fui sócio. Curiosamente, foi est o primeiro livro do FAP que passou por uma editora a sério (ou quase que nós éramos sobretudo militantes mesmo se só de poesia editamos duas boas dúzias de livros...)

Convenhamos que para meio de Agosto, ferragosto (que saudades de um passado em Roma...) o folhetim mesmo merendo a ascensão da Virgem aos céus, que o dr Salazar transformou em feriado, tem alguma razão de ser

Boas leituras.

na vinheta o ferragosto italiano, fotografia pilhada, como de costume, na internet

 

 

   

o leitor (im)penitente 270

mcr, 23.06.24

Ler desenfadadamente

mcr, 23-6-24

Sou, para além da livralhada,  um leitor de jornais e revistas, E isso desde sempre. Logo que tive direito a mesada (sempre exígua a meus olhos e seguramente bem diferente do que hoje se concede a filhos e netos) comecei a comprar o jornal e rapidamente a coisa cresceu desmesuradamente. Em Coimbra, ainda caloiro já me aventurava no Diário Ilustrado, depois no Diário de Lisboa e arruinava-me com a "Seara Nov"a e a "Vértice". Pouco depois comecei a ler "Le Monde" e "L'xspress" na altura a mais importante publicação anti-guerra da Argélia.

Ainda hoje, andam cá por casa algumas dúzias de revistas francesas, italianas e espanholas multiplicadas por um número gordo de exemplares cobrindo variadíssimas matérias. No meio disto tudo, livrei-me de várias publicações m-l, francesas e italianas bem como de umas centenas de exemplares da jornalada radical dos anos 74 e seguintes que foram directos para a meritória organização do Zé Pacheco Pereira.

Num malfadado incêndio perdi o Comércio do Funchal o que me doeu bastante tanto mais porque com o jornal se foram duas gravuras de Picasso (assinadas e caríssimas...) e meio metro de dossiers carregados de textos meus  destinados a revistas pré 25 A e quase todos cortados pela Censura. 

Tudo isto, afinal, para chamar a atenção para um texto de Ana Sá Lopes hoje publicado no Público. ASL  toca o tema da comissão das gémeas e defende, bem, muito bem, a mãe que fez tudo o que pode para salvar a vida das crianças e proporcionar-lhes uma vida decente. como eu, ASL critica com dureza o papel inquisidor de Ventura e surpreende-se com o triste silêncio dos restantes inquisidores que, na prática, acabaram por apoiá-lo. 

Estou à vontade para referir ASL, pessoa que leio sempre e de que discordo muitas vezes. digamos que me desagrada um em cada três textos desta jornalista. 

O mesmo aliás, poderia dizer de inúmeros articulistas do Publico e do Expresso para só referir portugueses. 

Entendo  que um jornal, qualquer jornal deve  (ou pode) incluir na sua edição vozes divergentes da maioria ou simplesmente de leitores como eu. Mesmo discordando, acho que me ajudam a melhorar os meus pontos de vista e muitas vezes gostaria de os confrontar com a minha opinião mas isso com jornais é complicado (pelo menos para mim que já não estou para grandes incómodos...). Vale-me o blog onde vou dizendo o que penso, vingando-me assim de uma dúzia de anos em que escrevi sujeito a uma censura  que cortava direito.

Suponho que esta minha repulsa pela actual Comissão parlamentar não terá os favores de vários leitores mas conforto-me com a opinião de uma jornalista de que discordo um bom par de vezes.

Isto faz-me, desde há muito, perceber que leitores deste blog nem sempre concordem com o que vou escrevendo . Basta-me o facto de me lerem para lhes estar reconhecido como eu estou a todos quantos vou lendo, muitas vezes desconsoladamente nos jornais que compro. 

A opinião publica faz-se disto destes acordos e desacordos, desta fuga ao pensamento único, à "verdade a que temos direito" lema deum jornal que servia apenas um certo pensamento mais único que que o partido que o sustentava e que, obviamente, morreu em pouco tempo. 

E, já que estou com a mão na massa,  devo acrescentar que ao longo de uma vida já bem longa mudei de opinião mais de uma vez, abandonei muitos dogmas e verdades feitas a que fui adicto porque o tempo e a troca de opiniões me foram permitindo  corrigir pontos de vista, acertar agulhas, repudiar certezas absurdas. Basta ler lá mais para trás para perceber o que digo.

De todo o modo, tenho (ou penso ter) o cuidado de explicar ao que venho e de fundamentar as minhas opiniões. 

Esta foi uma das vezes que me permitiu mostrar que para além de discordâncias por vezes fortes há lugar para um elogio e um apoio.  

o leitor (im)penitente 269

mcr, 17.05.24

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Casimiro de Brito, 

poeta, português homem livre

 

mcr, 17-5-24

 

Conheci (só de leitura) Casimiro de Brito em 1968, quando publicou "Vietnam... em nome da liberdade" (Faro, 1967, colecção A palavra, nº8).

Claro que esta plaquette de escassas 13 páginas faz parte de extensa lista de "livros proibidos  no regime fascista" (cfr. livro com o mesmo nome editado pela comissão do livro negro sobre o regime fascista, data de edição : Maio de 1981).

São vinte as obras que fui juntando  deste autor e suponho que isso diz tudo sobre esta relação de amizade entre duas pessoas que nunca se encontraram.

Morre aos 85 anos  mas, espero-o, viverá nas obras que deixa, na alegria dos leitores, no prazer que a poesia traz.

quando reuni as obras de CS(que andavam espalhadas por três estantes diferentes descobri que há pelo menos três livros que não aparecem (Imitação do prazer; arte da respiração e Subitamente o silêncio) Por onde andarão? Será que emigraram para outra casa levados à força por alguma mafia como as que actualmente fomentam a passagem de mares, fronteiras e desertos?

*na vinheta a colecção onde se notam três faltas

 

o leitor (im)penitente 268

mcr, 07.05.24

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Bernard Pivot 

(o prazer de ler, de pensar os livros e de conversar sobre eles)

mcr, 7-5-24

 

Eu poderia intitular est post como " quando o bridge fazia um intervalo" para explicar como alguns amigos e parceiros de bridge paravam tudo na hora em que na TV5 aparecia o programa "apostrophes" uma deliciosa conversa sobre livros e autores dirigida por Bernard Pivot, um cavalheiro borgonhês, apreciador da boa comida e dos melhores vinhos, afável, culto (cultíssimo) educado, jovial  e leitor impenitente.

Nessa hora amena assistíamos maravilhados a uma conversa simples e amável sobre livros  de autores que, a partir desse momento se tornavam quase vedetas ao mesmo tempo que os livros em questão aumentavam exponencialmente as vendas.

nós mesmos, ou pelo menos eu, rapidamente encomendávamos um que outro livro e, ao passear pelas estantes cá de casa dou com inúmeros romances provenientes dessa viagem pela literatura ficcional. 

o mérito de Pivot era conduzir dom enorme facilidade uma conversa sobre temas por vezes obnóxios tornando a entrevista com o autor quase transparente. tusas aquelas emissões decorriam sob o signo da bonomia, da inteligência despretensiosa, do humor e do respeito pelo telespectador. 

claro que, de permeio, há mil historietas divertidas quase todas, como o "chá" com que Nabokov acompanhou uma sua aparição e que, mais tarde se soube ser um excelente whisky, ou a tremenda bebedeira de Bukivsky que quase saiu de gatas do palco, Houve ainda o caso de um reputado autor francês que entendeu relatar uma relação com uma adolescente  sem perceber que aquilo por muito escrito que fosse (e era!...) não escapava à classificação de abuso de menores. Aliás, nessa mesma sessão uma senhora qualquer coisa Bombardier (cuja escrita não se comparava nem de perto nem de longe o referido autor) entendeu, e bem, dizer-lhe na cara o que pensava do assunto.

A partir de um par de anos, o prestígio de "apostrophes" e de Pivot atingiu um tal patamar que havia editores (quase todos se bem me lembro) que anunciavam com enorme antecipação que o livro X seria alvo de discussão, aumentando desde logo a venda. A coisa chegou a um tal ponto que, certa vez, uma entrevista com claude Hagege fez disparar uma corrida a obra dificílima deste autor que teve, depois, de vir prevenir os  leitores sobre as características dessa obra quase reservada a especialistas. Lembro-me que, durante a conversa hagége se revelou um excelente comparsa e obviamente suscitou um profundo interesse pelo que escrevi.

Não recordo se foi nessa mesma emissão que "conheci" Raymond Devos, uma extraordinário autor, actor e diseur que conseguia ser um fabuloso "jougleur" da sua língua. Terei, até, um dvd onde todas as suas enormes qualidades são visíveis e apaixonantes. 

Pivot recebia com requintada urbanidade todos os aeus convidados e estará na origem do grande sucesso público de Marguerite Duras que, a propósito de "L' amant" se vê projectada para a grande venda dos seus livros e para a popularidade.

No meio do enorme número de convidados  (Soljenitsine, por exemplo e pela primeira vez em França) aparecem outras figuras desde Mitterand a  Paul Bocuse, um dos pais da "nouvlle cuisine" ou uma série de críticos ingleses ligados aos grandes vinhos franceses. 

Destaco por último alguns dos grandes convidados que Pivot muito estimava e frequentemente convidava: Jean d'Ormesson, Wiliam Boyd (Pivot promete devolver o dinheiro a qualquer leitor que não tivesse gostado de "Comme neige au soleil" !...)  ou Phippe Sollers. Por cá andam todos descobertos após recomendação desse homem que sabia ler, lia com entusiasmo, sabia ensinar a ler e sabia pensar os livros, a literatura e a vida sempre tornando tudo simples, divertido, apaixonante.

Morre quase aos 090 an0s deixando um rasto de alegria e de prazer. 

Felizmente, a frança reconheceu-o em vida, premiou-o, tornou-o famoso ao ponto de Pivot ter entrado na Academia Goncourt sem ser escritor ou escritor profissional.

quanto a mim, sinto esta morte como a de um amigo de longa data, um mestre de leituras, um descobridor de horizontes  revelados ao longo dos anos de "apostrophes" e de "bouillon de culture"  

 

* não sei se andará disponível a bela entrevista feita a Sofia de Melo Breyner Andresen. Vale bem a pena como vale a pena procurar todos os dvd destes programas que provavelmente ainda não estarão todos esgotados

o leitor (im)penitente 267

mcr, 12.04.24

Terra desolada*

(a propósito de Eugénio Lisboa)

mcr 12-4-24

 

"abril é o mais cruel dos meses, germina

lilases da terra morta, mistura

memória   e desejo, aviva

agónicas raízes com  a chuva da primavera

.................

(T S Elliot, "A Terra desolada, trad. de Ivan Junqueira

Nova Fronteira ,Rio de Janeiro, 1981)

 

Morreu anteontem Eugénio Lisboa, um dos mais importantes intelectuais de Moçambique (pré-independência), afastado da terra onde nasceu, onde resistiu, onde deu a conhecer autores também nascidos  nessa margem do Índico e igualmente maltratados por um poder autocrático, absurdo e, sobretudo, estúpido,  cuja governação ainda hoje assombra o território, sobretudo o norte.

Tirando o consulado de Joaquim Chissano, meu colega de liceu, no 2º ciclo, as desventuras do povo de Moçambique foram e são (ainda) muitas e trágicas.

ainda por estes dias um barco de pesca carregado de refugiados do cólera naufragou à vista da Ilha de Moçambique  deixando na baía mais de cem vítimas.

E quando não é doença, é a fome e sobretudo a guerra larvar que contamina toda a extensa zona de Cabo Delgado e ameaça as terras de Nampula.

Um Governo impotente para deter uma pequena seita islamista e fanática, obrigado a pedir ajuda a tropas de países vizinhos, a braços com mais de meio milhão de deslocados, eis o dramático panorama de uma terra  que poderia ser feliz, rica e livre.

Eugénio Lisboa, nascido na então Lourenço Marques, num bairro branco mas periférico, habitado por colonos pobres, engenheiro de profissão deixa uma vasta produção literária de notável qualidade onde, para além dos estudos sobre Régio, abundam crónicas, poemas, ficções e uma notável autobiografia  ("Acta est fábula, memórias", Opera Omnia, Lisboa) narra  no vol III,  a partir da p 423 os surpreendentes mas dramáticos anos de 1974 a 76 que a partir de uma esperança de descolonização necessária e sensata descambaram numa temporada de insânia onde, lado a lado, comungaram os brancos mais burros e incapazes com os africanos mais exaltados e radicais. Juntos conseguiram  tornar Moçambique num país que ainda não conseguiu escapar à situação de Estado quase falhado.

É verdade que uma boa parte dos portugueses que abandonaram o território (e muitos nem esperaram pela independência para o fazer)  tinham razões (más) de sobra para o fazer. Não lhes passava pela cabecinha ignorante e racista a ideia de serem governados pela maioria negra.

Todavia, houve um número também importante de portugueses  (e aqui cabem mulatos, negros, indianos e brancos)que nunca pensaram noutra pátria que não fosse aquela onde tinham nascido. que eram essenciais a todos os ramos de actividade; que  eram, como se verificou, insubstituíveis pelos "conselheiros" socialistas, mormente alemães da RDA que afluíram sem conhecer aquela realidade e, provavelmente, sem especial interesse em a perceber.

Também é verdade que muitos dos cooperantes vindos de Portugal só se distinguiam dos anteriores citados por falarem português. No resto supunham-se apóstolos de radicalismos esquerdistas que provaram dolorosamente a sua absoluta ineficácia e tornaram ainda mais dura a vida das pessoas. Outros mais sensatos e capazes não conseguiram impor-se aos primeiros e, regra geral, regressaram desiludidos  à ex-metrópole colonial (conheci pessoalmente uma boa dúzia e sei de muitos mais). Pela parte que me toca, colaborei à distancia, e sempre pro bono, em alguns projectos  e guardo com particular carinho um livro editado  em Maputo, Kutsemba carão edições, 2010,  prescindo eu, gostosamente, dos direitos de tradução de "Cem garrafas na parede" obra da minha amiga cubana Ena Lucia Portela, autora várias vezes premiada e muito traduzida. 

De certa maneira, o exílio forçado DE Eugénio Lisboa (como o de Rui Knopfly, um grande poeta de Moçambique que teve o azar de nascer branco (e a lista de intelectuais cientistas e técnicos de rara ompetência que subitamente se viram despojados da terra em que se criaram, cresceram e ajudaram a prosperar é enorme) permitiu a Portugal ter diplomatas valiosos que para  aqui vieram  forçados. 

E não vale a pena mencionar os vexames, perseguições e violências várias que sofreram por terem permanecido naquilo a que chamaram pátria. E nesta lista cabem nomes que, hoje, passada a insana borrasca pseudo revolucionária da época Machel, são reclamados como pais fundadores de um país que cinquenta anos depois ainda não viu nem a paz nem democracia. 

A ditadura de Machel não poupou militanntes históricos da frelimo com provas dadas na resistencia interoiopr e na guerrilha. assim, sebastião mabote, general, foi destituido dos seus cargos, enviado para cuba, penou 14 meses numa prisão até conseguir ser libertado mesmo se, já não pode voltar, às fileiras militares.

outro resistente conhecido , Matias Zefanias  M'Boa depois de ter passado sete anos preso durante o período colonial, foi julgado (Julgamento dos 300) em 1978 e condenado a mais cinco anos desta feita no Moçambique "libertado". Saiu da prisão directamente para o Cmité Central  da FRELIMO!!!

Malangata, o genial pintor, também não foi poupado mesmo se, no mesmo julgamento mencionado, nada se provasse contra ele. Foi deportado para o Norte de Moçambique para um campo de trabalho onde passou uma temporada dura sobretudo para um homem que já passara dos cinquenta anos. Após a época de Machel foi cumulado de honrarias pelas mesmas (ou quae) driaturas que o tinham perseguido.

como, acima narrei, esse famoso julgamento dos 300 nem sequer foi conduzido por qualquer instância judicial mas tão só por membros da FRELIMO que em pensaram que estavam a usurpar funções e a transformar o país numa ditadura autocrática.

 

 

De certa maneira, a elite branca e democrática que foi obrigada a sair de Moçambique logo nos primórdios revolucionários, teve imensa sorte. Caso tivessem conseguido ficar, é muito provável que não bastassem penas de prisão para os silenciar e punir...

 

Ainda não li (nem comprei) o "epílogo" das memórias para verificar se Eugénio Lisboa se debruça sobre os ásperos tempos  já posteriores à sua saída. Sei tofavia, que, em Cascais onde veio a morrer tinha como eventual vizinha Noémia de Sousa, "a mãe dos poetas moçambicanos" que já por várias vezes aqui referi- Mais uma intelectual que, como Bertina Lopes a "mãe dos pintores moçambicanos" (se me é permitido usar a citação sobre Noémia), morreu em Roma. É bem verdadeiro o título de um belo livro de poemas do cabo-verdiano Daniel Filipe "Pátria, lugar de exílio"  

 

 

o leitor (im)penitente 266

mcr, 02.04.24

três (ou quatro)  livros

mcr, 2 -4-24

 

Sei bem que devia meter a minha colherada política tanto mais que hoje é empossado o novo 

Governo chefiado por Luís Montenegro.

Todavia tenho como certo que tudo o que dissesse seria cuspir contra o vento se me permitem expressão tão antipática.

De facto, até ao momento apenas temos um punhado de intenções brandidas durante a campanha eleitoral mas cujo valor terá agora de ser aferido pela pratica normal da governação.

digamos que fora algum declaração mais ruidosa e solene , será precisa uma semana (pelo menos, dada a urgência que a composição do parlamento sugere)u mais. Um Governo de um partido que esteva afastado dos ministérios oito longos anos vai ter de "dar à perna", verificar os dossiers, estudá-los e isso leva o seu tempo. 

O resto, as diferenças políticas e suas eventuis consequências, sendo importante  n\ao elimina estes primeiros passos que para uns serão hesitantes, para outros meramente cautelosos.

foi por isto que me espantou a posição do PC com a sua imediata moção de rejeição anunciada mesmo antes de conhecer sequer os ministros, já não digo o restante pessoal, de ouvir o programa do Governo, de verificar se nas medidas anunciadas há ou não benefício para os cidadãos, para os "trabalhadores" de cuja representação o pc se arroga apesar destes serem notoriamente muitos mais do que os magros resultados eleitorais mostram.

Bem sei que para um partido que regra geral, classifica o ps de agente da burguesia e cavalo de Troia da reacção, do capitalismo, da NATO ou da tremenda Europa, um governo do PPD deve assemelhar-se aos quatro cavaleiros do apocalipse juntamente com as sete pragas do Egipto, em suma o fascismo puro e duro chefiado pelo fantasma do cavalheiro das botas nado e criado em Santa Comba Dão.

Não refiro os restantes partidos ditos de Esquerda mesmo se, à excepção do PAN, tem representação maior no parlamento, Em boa verdade representam no toral um quinto dos efectivos do Chega o que prova à saciedade que as suas declarações de guerra ao ajuntamento de Ventura  foram ignoradas.

Neste momento, o "partido de protesto" é o Chega por muito que isso custe aos que, desde sempre, reivindicaram o protesto.

Uma coisa é certa: este Governo vai navegar sempre à vista da costa, entre Scila e Caribdis  o sr Montenegro vai ter de penar bastante. E com ele, nós  cidadãos paisanos que legitimamente esperamos que o Governo governe que a saude melhore, que as poícias deixem de reclamar, que as escolas ensinem ... E por aí for

Depois, lá mais par o Verão é altura de não só pensar o Orçamento mas tembém, e cada vez mais urgentemente, um par de problemas europeus, o menos dos quais não será a Defesa, a hipotética volta do SMO,  

Finalmente, háque recordar aos mais distraídos que o famoso excedente de Medina não poderá ser usado para tapar as reivindicações das corporações que neste momento  (e durante boa parte doas anos perdidos por Costa) estão na rua.

Perante este cenário que só peca por reduzido creio que qualquer tentativa minha de análise está votada ao fracasso.

Melhor será chamar a atenção dos leitores para alguns livros a sair ou já nas livrarias. 

Manuel Alegre publicou "Memoria minha" que, como o nome indica, é um livro de memórias que aguardo enquanto leitor e mais ainda como migo, com alguma ansiedade.

De João de Deus sai um livro sobre a sua vida. Este belíssimo poeta e exemplar cidadão teve um destino singular. A suafmosíssima "Cartilha Maternal" apagou (de certo modo) tudo o resto incluindo a obra poética . O poeta, o boémio coimbrão, empalidecem a imagem do cidadão o que faz de João de Deus um desconhecido . Este livro, espero-o (ainda o não tenho)  poderá reparar o desconhecimento mesmo que aind por aí estejam os hordins escola com o seu nome.

Maria Antónia Oliveira reedita, muito acrescentado, o seu "Alexandre o' Neil uma biografia literária. Quem, como eu, conhece e apreciou a primeira edição recomenda vivamente a obra que é publicada pela Assírio e Alvim.

Finalmente, este velho routier pelas aventuras políticas de sessenta para cá está interessadíssimo pelo  ensaio histórico "Memória Vermelha" de Tania Branigan (Bertrand) um documento sobre a Grande Revolução Cultural e Proletária  (1966-1976) uma hecatombe ética, política, cultural e humana cujas consequências ainda se sentem. Um desastre absoluto, o naufrágio de tod umaEsquerda generosa e ignorante que, na Europa, julgou, sem saber ler o ou falar chinês,  que ali estava a salvação do sistema russo/soviético. Não estava nem, aliás, este tinha hipóteses de salvação. Como se viu. A China que hoje conhecemos perdeu nesta última e trágica aventura  do maoísmo (já antes as "cem flores..." ou o "grande salto em frente" tinham sido desastrosos  e mortíferos) milhões de cidadãos e o PCC que hoje governa perdeu, se alguma vez a teve, a alma. O comunismo chinês será tudo o que quiserem excepto comunismo, democracia, liberdade  ou revolução. Há ali uma china milenar que regressa sem o encanto da velha cultura nem a promessa de melhores dias. E uma autocracia mais violenta, mais eficaz, mais preparada para matar no ovo quaisquer aspiração libertária.

"La Cina (non) è vicina", Marco Bellochio que me perdoe. 

o leitor (im)penitente 265

mcr, 18.03.24

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Nuno Júdice, um poeta inteiro (e um amigo)

mcr, 18-3-24

 

Atravesso as rosadas núvens da poeira

...

queixo-me do acaso (ao acaso) adormeço e acordo

com o barulho de grupos compactos de aves

Que penso da vida par aestar assim?---

(Nuno Júdice: "o autor in memoriam" in Critica Doméstica dos paralelipípedos)

 

abri ao acaso um dos primeiros livros do Nuno e saiu o poema que publico em excerto.  Poderia escolher entre mais de trinta livros dele que andam espalhados, pelo menos por duas estantes diferentes segundo um critério a que já perdi a origem e o significado. 

Quando o conheci, muito depois de uma boa dúzia e meia de livros dele, comprados, lifos, admirados , avisei-o que só o acaso nos reunia porquanto eu sou melhor leitor que conversador com autores. Não sei o que me terá respondido mas na verdade, conversámos bastante e mais ainda quando lhe revelei a quantidade de livros dele que já tinha.  E se os não tenho todos  (os de poesia...) é por pura preguiça, por os não ter encontrado a tempo ou por recear repetir títulos. Mesmo assim tenho por quase certo que a faltarem-me, faltar-me-ão poucos. 

Não sei se o conheci via Eduardo Prado Coelho ou através da Maia Manuel (Viana) uma prima muito querida e escritora que também, como os dois já citados, também já não anda por cá.

Obviamente não foram muitos os encontros mesmo se, nos últimos anos no tivéssemos cruzado diversas vezes, quase sempre em livrarias. E recomeçava uma conversa inacabada que finalmente se dá por finda mesmo se, leitor empedernido, eu, volta que não volta, regresse a dos seus livros, às vezes por um poema, um verso  ou porque dando de caras com o livro não resisto a abri-lo.

O jornal afirma que além de ser um autor prolífico teve a sorte (que aliás mais que mereceu) de chamar a atenção de editores estrangeiros que lhe traduziram um par de obras.

Nos últimos anos., o Nuno dirigia a prestigiadíssima revista Colóquio da Gulbenkian claro e da sua actividade de director-editor  só se pode dizer bem. Levava a sério a função, tinha critério, gosto e bom senso  qualidades que nem sempre se encontram reunidas. 

É difícil propor a qualquer leitor uma ou duas obras no meio de tantas porém, talvez seja preferível aconselhar "Obra Poética. ma recolha de todos os seus primeiros livros ou, a Antologia pessoal. Provavelmente muitas das obras sobretudo  as publicadas no século passado, estarão esgotadas.

 

* Obra poética 1972-1985 Quetzal ed 1991 (reunião dos primeiros dez livros de NJ )

**na vinheta duas dúzias de livros de NJ à sombra de um elmo Igbo (Nigéria)

o leitor (im)penitente

mcr, 12.02.24

 

 

NOÉMIA de SOSA

Deixa passar meu povo

para João Silva

Noite morna de Moçambique

e sons longínquos de marimbas chegam até mim

– certos e constantes –

vindos nem eu sei donde.

Em minha casa de madeira e zinco,

abro o rádio e deixo-me embalar…

Mas as vozes da América remexem-me a alma e os nervos.

E Robeson e Maria cantam para mim

spirituals negros do Harlem.

“Let my people go”

– oh deixa passar o meu povo,

deixa passar o meu povo! –

dizem.

E eu abro os olhos e já não posso dormir.

Dentro de mim soam-me Anderson e Paul

e não são doces vozes de embalo.

“Let my people go”!

Nervosamente,

sento-me à mesa e escrevo…

Dentro de mim,

deixa passar o meu povo,

“oh let my people go…”

E já não sou mais que instrumento

do meu sangue em turbilhão

com Marian me ajudando

com sua voz profunda – minha irmã!

Escrevo…

Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar.

Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado

e revoltas, dores, humilhações,

tatuando de negro o virgem papel branco.

E Paulo, que não conheço

mas é do mesmo sangue e da mesma seiva amada de Moçambique,

e misérias, janelas gradeadas, adeuses de magaíças,

algodoais, o meu inesquecível companheiro branco

e Zé – meu irmão – e Saúl,

e tu, Amigo de doce olhar azul,

pegando na minha mão e me obrigando a escrever

com o fel que me vem da revolta.

Todos se vêm debruçar sobre o meu ombro,

enquanto escrevo, noite adiante,

com Marian e Robeson vigiando pelo olho luminoso do rádio 

– “let my people go,

oh let my people go!”

E enquanto me vierem do Harlém

vozes de lamentação

e meus vultos familiares me visitarem

em longas noites de insónia,

não poderei deixar-me embalar pela música fútil

das valsas de Strauss.

Escreverei, escreverei,

com Robeson e Marian gritando comigo:

Let my people go,

OH DEIXA PASSAR O MEU POVO

 

quando referi em post anterior Noémia e Sousa, a "mãe dos poetas moçambicanos" não tinha à mão este poema manifesto escrito provavelmente nos anos cinquenta. Não sei porquê mas tenho a vaga ideia de o ter lido publicado no Notícias de Lournço Marques . Será mesmo assim?

No poema há refer^wncias a Paul Robeson e a Marian Anderson dois grandes cantores negros americanos cuja biografia estará segurente na internet. Se soubesse ºôr música iria pelos discos que tenho deles (acho que só em LP)e arriscava. Mas como já confessei sou um inepto nestas coisas pelo que não há música para ninguém.

Gostaria de dizer quem é João Silva a quem o poema vai dedicado mas de fcto não sei.E provavelmente hoje, setenta anos anos depois, ningu´m saberá. De todo o modo aqui fica Noémia, uma poetisa de corpo inteiro 

o leitor (im)penitente 265

mcr, 11.02.24

 

 

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Mário Pinto de Andrade

um  quase desconhecido em Angola

mcr,  10-2-24

 

 

Há uns dias (4-2.24) o jornal "Público" dedicava duas páginas  a Mário Pinto de Andrade, fundador  do MPLA e intelectual africano de primeira grandeza como se verificará adiante. 

O pretexto era a estreia de um filme  de Bill Woodberry ("Mário") num festival de cinema na Holanda.  

O título do texto era "Mário Pinto de Andrade deveria ser reconhecido como um grande pensador" e dever-se-á ao realizador do filme mencionado. 

Convenhamos: MPA é, pelos poucos que o conheceram lendo-o e acompanhando a sua carreira, de facto um pensador, u intelectual engajado, um escritor que merece ser lido e um revolucionário que o actual poder (e o anterior) em Luanda finge desconhecer. 

Sucedeu-lhe o mesmo que a Viriato Cruz  um poeta atropelado pela "História oficial" de Angola moldada pela clique que se apoderou do MPLA ainda antes da independência. Se eles ainda são referidos é em Portugal que se devem tentar encontrar as notícias escassas  e também os livros que escreveram (e não todos...)

Com a idade que levo ainda apanhei as obras de ambos, nomeadamente os poemas do Viriato, editados, nos anos 60 pela  Casa dos Estudantes do Império bem como uma excelente antologia  "La poeie africaine d'expression portugaise" (Pierre Jen Oswald ed, 1969, mais tarde traduzida em português e publicada em 1983 pela Africa editora (com a participação oo poeta  Francisco José Tenreiro, outro autor negligenciado.

Em 1977, com a preciosa e honrada colaboração de José Eduardo Agualusa surgiu (também traduzido do francês) "Origens do Nacionalismo Africano" (publicações D quixote)

Três anos depois apareceu "Mário Pinto de Andrade, um intelectual na política"  da autoria de   Inocência Maia e Laura Padilha (edições Colibri, 2000).

É provável que haja mais alguma referência editorial mas não consta na minha biblioteca.

MPA, exilou-se cedo em Paris e entre outras actividades foi director da revista "Prºesence Africaine", durante quase uma dezena de anos. Registe-se a enorme importância desta revista, o eco da sua acçãoe a qualidade ímpar dos seus colaboradores neste período.

Foi coordenador de várias organizações africanas e nomeadamente da Conferencia 

das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas mas nada diso impediu o regime angolano e Agostinho Neto de o forçarem a um exílio que durou até à sua morte. 

 

Se agora destaco MPA é não só porque um artigo do Público o vem lembrar mas sobretudo porque a comunicação social portuguesa está inçada por uma quantidade de articulistas que se reclamam da "afro-descendência" e, de passo, ao mesmo tempo, se situam num exacerbado  anti-racismo e anti-colonialismo sem porém, se interessarem pelasorte dos países africanos onde os  seus antepassados nasceram, sofreram e terão porventura lutado ou sido vítimas do sistema "imperial" . De África nada sabem ou muito pouco e de Portugal, pelos vistos, também não vislumbram grane coisa. Note-se que, genericamente pertencem a uma elite cultural e social que tem pouco  a ver com a realidade que atinge as populações africanas e vindas das ex-colónias.  Eu percebo que se sintam um pouco numa "terra de ninguém"  pela cor e pela sensação de não pertencerem a nenhuma das comunidades de onde vieram (a portuguesa, branca e a a africana negra).

Curiosamente, não os vejo a intervir nas antigas colónias, a defender um par de valores hoje em perigo. A começar pela defesa das línguas vernáculas que, a chamada língua oficial nacional  relega para o não uso e para o esquecimento. 

Os leitores talvez não saibam mas é difícil encontrar dicionários  e, creio, os que existem publicados, são todos de autores portugueses, nomeadamente missionários. Durante anos fui-os encontrando e comprando a finada Livraria Portugal em Lisboa e actualmente nem em alfarrabistas se veem.  

Não vale a pena referir literatura africana produzida nas ex-colónias porquanto contam-se poucas edições e muitas delas estão eventualmente disponíveis (e só em alfarrabistas) apenas porque houve co-edição portuguesa, da antiga metrópole do país colonialista, racista e não sei que mais "ista"

Por exemplo, numa consulta à wook verifiquei que de Noémia de Sousa exista apenas uma edição francesa e não há resquícíos de uma bem antiga edição patrocinada pelos Caminhos de Ferro de Moçambique. Apenas refiro a Noémia porque se trata de uma grande autora, perseguida, que acabou por morrer em Portugal. Pelos vistos há, actualmente uma edição brasileira (Kapulana ed) disponível  que reedita os poemas aparecidos em "Coração em África" que mão amiga me conseguiu com fortes empenhos em Moçambique. 

Este rosário de lamúrias poderia prosseguir por páginas e páginas. 

Não vale a pena ou, melhor dizendo, isso é pregar no deserto. Sirva a título de exemplo, a sorte que tiveram algumas excelentes publicações da Diamang, Museu do Dundo, todas sobre o povo kioko  (Tchokué) Foram publicadas uma série de monografias em que se destacam as dirigidas por Marie Louise Bastin,,  José Redinha, Mesquitela Lima ou J Osório Oliveira.

A primeira teve honras de reedição numa colaboração entre os museus do Fundo e Antropológico da Universidade de Coimbra (o problema é conseguir comprar a obra!....)

As restantes pela raridade atingem no mercado preços elevadíssimos e, normalmente, não se conseguem encontrar. Devo dizer que, por um bambúrrio monumental, consegui de uma só penada quatro delas pagando obviamente um preço forte que, todavia, andou, naquele milagroso caso, e surpreendentemente, muito abaixo do que se anunciava. 

Se mais uma vez vim a este género de temas é porque acredito que, apesar de tudo o que penso do fenómeno colonial, algumas coisas houve que correram bem, que permitiram um avanço no conhecimento científico e etnográfico de África e que deveriam ser conhecidas por todos quantos amam África. 

 

vai esta em memória do António Neto asassinado em Luanda durante o golpe nitista, do Mário Brochado Coelho, advogado incansável de Joaquim Pinto de Andrade, , da  Noémia que eu conheci num violento "dia do Estudante", na cantina do Técnico, tão frágil e tão encantadora, da malta de "O Brado Africano de que fui assinante, da "Tribuna" de Lourenço Marques, um jornal muito à frente do seu tempo e do Manuel Fernando  Magalhães, jornalista de mão cheia e autor de uma pequena novela "3x9=21"  (Coimbra, Atlântida ed, 1960), péssimo aluno a matemática e perseguido pelo regime colonial e pela FRELIMO durante o seu auge governamental e anti-popular.

 

Na vinheta: algumas das monografias editadas pela Diamang (A arte do povo cokué, M-L Bastin, Paredes Pintadas do Lunda, Máscaras da Lunda e do Alto Zambeze, Campanha Etnográfica ao Tchiboco, todos de José Redinha, Os Akike de Mesquitela Lima e Cabaças gravadas da Lunda de J Osório Oliveira. Naturalmente a máscara (mácara Muquiche -ua-Puo) é da etnia Tchokué. 

 

 

 

o leitor (im)penitente 263

mcr, 21.01.24

 

 

 

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3 gordos, 1 elegante outro magro e 1 obeso (demasiadamente)

mcr, 20-1-24

 

O título não é feliz mas, garanto, é apropriado. Mesmo, insisto, quando se fala de livros como éo caso. 

Comecemos pelo obeso que por razões várias mas não de estética me recusei a comprar.

Trata-se de "O Mundo uma história da humanidade" de Simon Sebag Montefiore, obra que atraiu a atenção de vários jornalistas e teve honras de sucesso editorial.  Se é ou não sucesso é o que as vendas dirão. Todavia, o editor português (seguindo provavelmente o primeiro editor) entendeu publicar este tijola de 1296 pp num só volume o que traz a qualquer leitor aflições várias: O peso, em primeiro lugar; depois a difuculdade em ler seja em que posição for um tijolo deste tamanho e espessura. Finalmente, a hipótese mais que provavel do livro "se partir" sobretudo deas páginas estiverem como penso apenas coladas. Capa mole ainda por cima! A mancha gráfica também não será famosa mas isso depende dos olhos de cada leitor. Para mim, só com a máquina grande de ler com o inconveniente da espessura do livro e da dificuldade em o manejar facilmente. Desisti da compra  sem especial desgosto.

Passemos à secção dos "gordos" e das razões porque vale a pena arriscar. 

comeceos pelos "poemas 1934-1961" de Pedro Homem de Melo (Assirio e Alvim uma editora de referência e de grande mérito, bastaré lembrar que também estão a publicar a obra de António Ramos Rosa da qual já sairam dois volumes igulmente espessos mas bem encadernados)) um poeta que vai saindo do inferno em que imerecidamente caiu ou, melhor, para onde foi empurrado por maus leitores e piores ideólogos. que PHM nunca foi um lutador anti-fascista é um facto. Porém, no panorama da literatura portuguesa do século XX isso nunca foi a excepção sendo até provável que tenha sido a regra (cito apenas Agustina que entretanto teve boa imprensa crítica por parte de alguns estudiosos de Esquerda. De resto PHM também teve gente de Esquerda a notar e avisar sobre o seu talento. No entanto, a sua colaboração na tv sobre folclore (que de resto é razoavelmente segura e decente) valeu-lhe antipatias ferozes e nem sempre isentas. 

Este é primeiro volume e traz copiosa informação crítica de notável qualidade. PHM é o autor da célebre frase dirigida a Amália Rodrigues quando da criação musical de "povo que lavas no rio" (a minha poesia na voz extraordinária de Amália tinha subido ao povo). Há mais poetas de mérito (Junqueiro, José Duro, Augusto Gil ou Sebastião da Gama) que merecem "ressuscitar" e voltar a ser lidos.

O segundo cavalheiro ora editado (em edição bilingue e notas de grande interesse) é Horácio. É uma edição da Quetzal que, aliás também está no quadro de honra , Basta lembrar as edições da Ilíada, da Odisseia, da Bíblia ou dos Evangelhos apócrifos para já não falar das "bucólicas" de Virgílio. 

Não havendo dois sem três, eis que a Imprimatur termina a sua edição monumental  de Gargantua e Pantagruel de Rabelais numa tradução que me parece exemplar.  E com o aliciante de ser ilustrada com as ilustrações de Doré! eu sou um rabelaisiano fanático, tenho mesmo a obra na lingua original, saborosíssima para alé..m de outras edições em "tradução" para um francês mais ou menos moderno. Imperdível e imperdoável não correr a comprar este grande livro um dos que , na minha pessoal opinião, faz parte da dúzia de textos imperdíveis daquela época.

O quarto autor que quero apontar é Leonardo Padura com muitas obras traduzidas por cá.  Desta feita é "Gente decente" em edição da Porto editora. Vale a pena lembrar o meu especial e antiquíssimo amigo Manuel Alberto Valente que durante muitos anos dirigiu a Asa e depois a Porto editora. A ele se devem várias grandes descobertas e, neste caso,a  de Padura um olhar lúcido, melancólico, crítico sobre o país (Cuba) onde nasceu e onde vive. 

Padura é já um velho conhecido m Portugal onde esteve por várias vezes em festivais literários. eu já era seu leitor pois sempre que ia até à Galiza trazia o seu último livro publicado. Partilha com o siciliano Andrea Camilleri  aquilo que, para mim, representa o melhor e o mais inteligente (e crítico) da literatura policial moderna. Para fechar quero referir "Eu vi uma flor selvagem" (Gradiva) de Hubert Reeves um astrofísico de grande fama com vários livros publicados por cá. Desta feita HR passeou-se pelo campo e oferece-nos a descrição de uma quantidade de flores humildes que, na maioria dos casos, quase nem é olhada por uem passa. O livro é muto ilustrado a cores e merece estar a par de edições   bem mais antigas  (finais do sec XIX, inícios do XX) e francesas que fazem parte da extraordinária colecção "Bilbliotheque de poche du Naturiste" que abrange pelo menos duas dúzias de belos libros encadernados e ilustrados sobre História Natural. Tive a sorte (coisa que me deu muito trabalho...) de encontrar boa parte deles em alfarrabistas portugueses  e a preço de daldo vil ( 5€!!!) 

Devo esta descoberta a uma cronista Público, (no suplemento Ipsilon)   Ana Cristina Leonardo, cujos textos, com a primeira bica do dia, constituem  o meu prazer das sextas feiras  pela manhã. ACL escreve bem, muito bem, é inteligente, culta, tem humor e, sobretudo, consegue dizer o que quer numa linguagem limpa e perceptível por qualquer leitor de jornais. Isto de descobrir livros passa muito pela recomendação ou simples alusão de alguém em quem se pode confiar. entretido neste caso partilho com o meu irmão este pequeno prazer matinal. Recorto o artigo e, na minha ida mensal a Lisboa, entrego-lhe os textos de ACL.  Durante largos minutos ele nem abre a boca, melhor dizendo, lê os textos com um breve sorriso e guarda-os cuidadosamente.

 

(para uso de ACL e seus émulos eis a lista dos livros de botânica da colecção citada  que anda cá por casa:

atlas des fleurs des jardins les plus faciles a cultiver

les fleurs de laCôte d'Azur

flore du litoral mediterraneen

nouvelle flore des alpes e des Pyrenées

atlas des plantes des prairies et des bois

flore des montagnes de la Siusse

les  fleurs des bois

Atlas des plantes utiles des pays chauds

les fleurs des montagnes

atlas des arbustes et arborisseaux)

a vinheta: os livros aqui existentes da citada coleccção biblioteca de bolso do naturalista