a varapau 22
Os factos, senhor doutor, os factos!
Publicou-se entre nós, uma “história contemporânea de Portugal” (séculos XIX-XX). São cinco volumes, editados com financiamento da Fundação Mapfre (saúde-se a iniciativa, raríssima entre nós) e conta com a direcção geral de António Costa Pinto e Nuno Gonçalo Monteiro, intelectuais credenciados que reuniram um numeroso grupo de colaboradores de que genericamente só se pode apreciar a qualidade.
A publicação estendeu-se de 2013 a 2015, razão, entre outras, por só agora ter terminado o IV volume, relativo aos anos 1930 a 1960. Independentemente de nem sempre estar completamente de acordo (coisa natural) a verdade é que tenho apreciado positivamente este esforço. Não vale a pena discutir todas e cada uma das posições dos diversos autores e, muito menos, as opiniões expressas. Uma das grandes conquistas da democracia é justamente podermos verificar que nem sempre estamos de acordo mas que nem isso entorpece a nossa vontade de aprender, de discutir, de contrapor. Isso quanto às opiniões mas agora apenas venho levantar algumas críticas a um rol de factos constantes do último capítulo do vol IV, pag.s 177-210 que me parece francamente medíocre e abundantemente descuidado para não usar adjectivo mais forte.
De facto, sem sequer se estabelecer um roteiro completo temos que: ao descrever as revistas juvenis existentes no período deparamos com a gritante falta de “O Mosquito” de longe a mais duradoura. No rol ficam “O Cavaleiro Andante” e “O Mundo de Aventuras”, obviamente importantes.
fora dos parágrafo dedicado a estas revistas é mencionada com existência autónoma a “Joaninha” que mais não era do que um suplemento da revista “Modas e bordados” e não uma publicaçãoo autónoma.
Também não consta o excelente “O senhor doutor” onde José gomes Ferreira publicou a primeira versão das “Aventuras de João sem medo”. Convém assinalar que esta publicação durou quase doze anos, com periodicidade semanal e é, de facto, o primeiro jornal para os mais pequenos
No capítulo escritores que se afirmam nestes 30 anos surgem, a par de faltas surpreendentes (Cesariny ou Helder), Saramago e Pepetela. É verdade que o primeiro arriscou uma obra ainda nos anos 40 que, suponho, foi repudiada ou não reeditada( Terra do pecado). Saramago começa realmente em finais dos anos 70. Mais extraordinário ainda é a referencia a Pepetela cuja primeira obra é de 72, bem longe pois do tempo estudado.
quanto aos jornais, espanta a falta de menção ao “Diário Ilustrado” um vespertino claramente marcado à esquerda que começou em meados de 50 e acabou em 1963. A sua equipa editorial ficou famosa (Miguel Urbano Rodrigues, José Tengarrinha, Veiga Pereira, Cunha Rego, o poeta Daniel Filipe e muitos outros. Famoso ficou o seu excelente suplemento literário (Diálogo) que mesmo dirigido por Amândio César, publicou pela primeira vez em português poemas de Mao Tse Tung bem como o famoso “Mulher Negra” de Leopold Sedar Sengor. Não se entende este esquecimento.
Também se não percebe o facto da belíssima e inovadora revista “Almanaque” (dois anos, dezoito belos números) não ter direito de cidadania! Ainda hoje, “Almanaque” é procurado em alfarrabistas e vendido como “peça de colecção”. Para quem desconheça, a revista tinha uma redacção de luxo: Cardozo Pires, Alexandre O Neil, Stau Monteiro, Abelaira, João Abel Manta José Cutileiro e Baptista Bastos. O extraordinário grafismo devia-se a Sebastião Rodrigues e foi ali que Vasco Pulido Valente. A revista pertencia à grande editora “Ulisseia” que também não aparece referida !!!
Quanto à música comece-se pela novidade de situar “Menino do Bairro Negro” de José Afonso (a cujo nascimento assisti graças ao Jaime Magalhães Lima, amigo do Zeca) que é de 1963.
E para terminar também não há uma única referência À Juventude Musical Portuguesa, cujos concertos registavam enchentes e que foi um poderoso motor da cultura musical daquela época. Também a “Gazeta Musical e de todas as Artes” não consta, mesmo se iniciada por J J Cochofel em 1958.
Os exemplos de não referência de factos poderiam alargar-se mas não vale a pena. O texto pobre não merece mais notícia mesmo se desfeia gravemente uma publicação que até este volume, o penúltimo, só pode ser alvo de elogio.
(é claro que irei ler com atenção e entusiasmo o Vº volume. quanto mais não seja foi nesses anos de oiro e chumbo que começou a minha vida política).
Na gravura: capas de "almanaque"