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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Acerto de contas entre Belém e São Bento

José Carlos Pereira, 05.05.23

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A foto acima é de tempos idos. Os últimos dias cavaram um fosso na relação entre Presidente da República e Governo, entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.

O XXIII Governo deixou-se enredar, nestes treze meses de funções, em sucessivos casos que foram fragilizando a sua autoridade política. Uns de maior gravidade, à cabeça dos quais os relacionados com o dossier TAP, e outros verdadeiros fait-divers, tais casos revelaram lapsos surpreendentes e enorme descuido no momento de fazer escolhas para o executivo de governantes e membros dos gabinetes. Tudo isso contribuiu para que a bolha mediática se concentrasse nesses episódios e até menorizasse as medidas com impacto directo na melhoria das condições de vida das pessoas, que beneficiaram de uma sustentada recuperação económica, num contexto internacional delicado, com a guerra na Ucrânia a multiplicar os seus efeitos.

Marcelo Rebelo de Sousa, que dissolveu a Assembleia da República há menos de um ano e meio, sentiu o ar do tempo e percebeu que tinha a oportunidade de resgatar para si a iniciativa política que de algum modo perdera com a conquista da maioria absoluta pelo PS. Se o maior partido da oposição não parecia estar com a pujança suficiente para ocupar o palco, Marcelo passou a usar tudo o que podia para acentuar a fragilidade da acção governativa, das inacreditáveis ameaças públicas à ministra da Coesão Territorial por causa do cumprimento das metas dos fundos europeus até às insistentes referências ao poder de dissolução do parlamento que a Constituição reserva ao Presidente da República.

Neste contexto, António Costa, depois de fazer a sua avaliação do caso que envolveu o Ministério das Infraestruturas, entendeu que não devia aceitar o pedido de demissão do ministro João Galamba. Uma decisão corajosa, mas que também o compromete com o futuro da acção do ministro, desde logo com o que vier a ser apurado na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. A decisão de António Costa, ao contrariar a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa, que queria que o ministro saísse, não deixou de ser uma forma de afirmar a sua autonomia e a do Governo perante um Presidente da República farto de invocar o poder de dissolução.

Marcelo acabou por ficar refém da sua permanente exposição e do verbo exagerado. O discurso de ontem, duro, frontal e áspero, não podia ultrapassar a linha vermelha da dissolução. Na verdade, o "deplorável" incidente no Ministério das Infraestruturas era, por si só, justificação para dissolver o parlamento pela segunda vez em menos de um ano e meio? Um parlamento que é sustentado por uma maioria absoluta? Num cenário em que todas as sondagens deixam admitir que um novo parlamento poderia ficar mais pulverizado e dividido, sem soluções óbvias de governação? E como admitir que um Presidente que tem colocado a tónica na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sem falhas e sem desculpas, iria paralisar o país durante seis meses, entre dissolução, eleições, nomeação do novo governo e de novas equipas para as estruturas do PRR e dos fundos europeus?

O Presidente deixou os seus avisos, conforme lhe compete, e ao Governo exige-se agora que arrepie caminho, que corrija o que houver a corrigir no seu funcionamento e na articulação entre os seus membros. E que dê provas de "um pouco mais de maturidade", como bem advertiu há dias o ex-ministro Vieira da Silva. Governar não é a mesma coisa que dirigir associações de estudantes ou estruturas partidárias. Governar é servir o interesse público acima de tudo e fazer permanentemente prova do mais elevado sentido de Estado.

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