au bonheur des dames 364
Nem a crise os para!
Que ele há crise, ninguém duvida. Ninguém?
É que, ao ver (e ouvir) os incursionistas no activo que, passada quinta feira, se reuniram no restaurante Manuel Alves, à Av.ª Fernão de Magalhães (Porto), a crise saíra limpamente daquela mesa. A crise digo, e não a troika ou o habitual e saudável desacordo com que desde sempre o bolg conviveu.
Não houve acordo quanto às entradas, às sobremesas, às bebidas ou sequer ao prato principal. Por junto, o que é meritório, apenas uns belos legumes de acompanhamento tiveram a honra de serem comidos e repetidos por todos os mastigantes. Convenhamos que é pouco mas, convenhamos outra vez, que demonstrou o apego dos incursionistas à recuperação da agricultura nacional e à boa, velha, sólida e tradicional comida portuguesa. Afinfaram-lhe nos pratos de peixe (bacalhau uns, robalo outros) mas não foram capazes de acordo quanto às bebidas. Perante um avassalador tinto houve quem preferisse cerveja. E assim por diante.
O restaurante foi, como de costume, sugerido por JCP. Acertou como sempre ao propor o simpático Manuel Alves, casa que é mencionada em guias de boa comilança e que, só o soubemos à saída, até tem parque privativo!
Como também é tradição fomos os primeiros a chegar e os últimos a sair. Acho mesmo que vi um empregado bocejar longamente enquanto, ab imo pectore, nos amaldiçoava não menos longamente.
Amigos que se juntam, mesmo com o peso ainda fresco e triste da falta do Joaquim Coutinho Ribeiro (Carteiro), não merece grande notícia porque estas coisas fazem-se com simplicidade. Notícia maior seria a de nos engalfinharmos numa zaragata medonha, reduzindo o restaurante acolhedor a cisco mas ainda que a coisa tivesse o seu toque cinematograficamente épico, ainda não foi desta. E o blog, este modesto blog, celebrou assim o seu décimo aniversário, o que, dada a curta vida deste tipo de experiências, não é coisa pouca. Agora, o público está mais virado par o facebook e para as mensagens curtas, os “like” como se um like, desculpem lá, substituísse um comentário um pouco menos lacónico mas mais dialogante.
Nada tenho contra o f-b mas a parca experiência que tive de uma entrada naquilo (seguida de uma saída imediata mas difícil: suei as estopinhas para me desarriscar mas consegui.) foi no mínimo intrigante. Ainda não tinha uma hora de vida na coisa e já havia uma dúzia de criaturas que me desafiava para “amigo”. Algumas eram conhecidas mas pelo menos de metade nem rasto. Provavelmente por timidez fiquei embaraçado e embaçado: que dizer a pessoas de que não me lembrava de todo em todo? Desandei em boa ordem, mesmo se a retirada do f-b se me parecesse a de Napoleão da Rússia.
Depois, esta coisa da “amizade” internética tem muito que se lhe diga. Ou então sou eu que dou demasiado crédito à velha “amizade”. Se calhar, hoje em dia, todos são amigos de todos, tout le monde est beau tout le monde est gentil...
Deixemos, porém, estas considerações e revelemos um dos poucos segredos que de momento se podem tornar públicos. JCP, o homem dos grandiosos (e dispendiosos ?) charutos não fumou. Perguntado sobre o assunto, lá confessou que ainda não desistira mas que a ocasião não se propiciava. Ao que leva a defesa da saúde pública e a falta de salas de fumo nos restaurantes. Ao que prevejo, será mais fácil encontrar uma “sala de chuto” do que um restaurante com instalação para fumadores. Abençoado dia em que deixei de fumar: o que eu não sofreria hoje em dia...
Portanto, e voltemos ao início: a crise. A crise não existe ou não existiu durante essa simpática comezaina de quinta feira passada. Ou a malta fez de conta, cerrou os dentes e resolveu arriscar tudo por tudo.
Felizmente, na sala não havia “olheiros” partidários. Imaginam o que seria o sr Coelho vir apontar-nos “Vejam como os portugueses confiam na política económica deste Governo. Ei-los a animar o consumo mesmo com o IVA a 23%. Vê-se que compreendem e apreciam patrioticamente os esforços que temos feito”.
Ou o sr Seguro: “Olhem para estes cidadãos. Dantes comiam nos melhores restaurantes, fumavam “Monte Cristo nº 5” e davam gorjetas principescas. Agora, refugiados num modesto estabelecimento de comes e bebes, roem raivosamente um bacalhau assado e juram que no domingo irão castigar devidamente este governo mais troikista que a troika. E ao mesmo tempo desafiam os poderes constituídos, discutindo, alto e bom som, a má política levada a cabo por um governo nas vascas da agonia”
Jerónimo (não confundir com o imortal Gerónimo, apache sem frio nos olhos que desafiou mexicanos e americanos e ainda hoje é grito de guerra), sublinhou que a cena destes humildes mastigantes numa mesa à soturna luz de um par de lâmpadas mostrava como a classe média (que o partido sempre defendera abnegadamente, sic) estava reduzida a um esquálido grupo de manifestantes onde até se via gente de gravata.
Só o BE nos condenou: “enquanto o povo sofre, largas camadas de população passam fome, outras tantas emigram desesperadas, um grupo de plutocratas rejubilava numa mesa farta. E riam-se do proletariado tão bem representado pelos nossos camaradas Catarina Martins, Marília Matias e João Semedo. A burguesia é assim: comilona e gastadora!... Dançam à beira do abismo, mas no próximo domingo a sua hora soará.”
Valha a verdade que se falou de crise, de eleições, da vida (e da morte). E do frio, raios, já estamos em Maio!, deste blog tão pertinaz, destes dez anos tão depressa passados, dos próximos que aqui nos irão encontrar. Ou seja, falamos do que costumamos falar ou escrever. Como ontem e como sempre. Como amanhã, se possível. E a comer, já agora...