Au bonheur des dames 368
De fariseus e outros artifícios verbais
Por vezes assalta-me a suspeita de que o “Expresso” aceita artigos de pessoas que quer ver cair no mais profundo ridículo. E, de facto, só assim se compreende a publicação de um texto do dr Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e actual euro-deputado por uma agremiação que ninguém conhece (e que provavelmente nem ele conheceria).
Creio que E Pinto foi eleito não tanto pela bondade do partido que o convidou, pelas intrínsecas qualidades que ao longo destes penosos mas barulhentos anos foi demonstrando mas tão só porque zurzia no Governo e não estava tão esgotado quanto os partidos da oposição.
Quem, descrendo do PS, não estando disposto a apostar na eterna palavra “não”, do PC e do BE, terá achado que E Pinto era uma boa aposta, no meio daquele policromo panorama de agremiações vagamente partidárias que disputavam um lugar ao sol..
“Entre votar nulo ou branco porque não arriscar no turbulento E Pinto?”, terão pensado. “Mal não virá ao mundo e pelo menos livramo-nos dele durante uns anos”, terão acrescentado em paz com a consciência (pelo menos a eleitoral...).
Todavia, E Pinto estava naquela corrida por razões mais nobres (ou não) segundo ele. E Pinto ia para o Parlamento Europeu investido na tarefa gloriosamente patriótica de representar os portugueses pobres. Bem sei que todos os portugueses são pobres (já incluo no grupo os numerosos Espírito Santo, coitados, ainda bem que se treinavam na Comporta a viver frugalmente como os pobrezinhos que conheciam) mas E Pinto ia representar os mais pobres dos pobres, os que andam abaixo dos 500 euros mensais como ele aliás indirectamente refere. E
E Pinto embarcou nesta cruzada bruxelense desconhecendo as mordomias dos senhores deputados europeus. E Pinto, o virginal, deve ter nascido no dia anterior à eleição ou até mesmo depois, dado que tirando os escassos bebés que ainda nascem, os ceguinhos afectados de surdez mudez, os idiotas crónicos internados nos hospícios, os que padecem de Alzheimer avançado e os moribundos no seu leito de dor, não há quem desconheça a pingue situação retributiva do PE. Este voluptuoso (é o mínimo que se pode dizer) areópago é o sonho de 99,99% dos portugueses em idade de votar e ser votado. É o prémio apetecido para todos quantos se sentaram à mesa do orçamento na esquálida cadeira parlamentar ou numa vaga e desqualificada Secretaria de Estado.
Um amigo antigo, de Coimbra, oposicrático desde essa tenra e distante idade, tendo passado por um par de cargos públicos atingiu Bruxelas logo na 1ªvez que lá pusemos o pé. Encontrando-o uma vez em Paris (onde eu tinha ido inteiramente `minha custa, convém avisar) e almoçando na Lipp (era ele que num gesto moscovita e generoso pagava) perguntei-lhe pela sinecura.
“Olha, M,”exclareceu-me, “nós já não tmos idade para fazer sacrifícios ou viver num quartinho alugado com serventia de casa de banho ao fim do corredor. Assim sendo, calculas que não esbanjando em cinco estrelas me tenho alojado num apartamento cómodo e central. Pois bem, vivendo como viveria na pátria amada, a coisa ainda dá para se amealhar um pé de meia que nos ponha ao abrigo das necessidades até morrer. Dois mandatos então são o paraíso terrenal sem ter que aturar anjinhos a tocar harpa...”
Durante uns minutos pensei em aceitar uns vagos convites para exercer política partidária na espectativa de depois de sete anos de pastor me ser concedida a ansiada mão de Bruxelas serrana bela. Todavia, a preguiça, a incapacidade (já nessa recuada época) de levantar e sentar o cu à ordem do chefe da bancada e meu conhecido mau feitio, impediram-me uma carreira parlamentar europeia que um dos meus amigos augurava boa dado falar cinco línguas da estranja com alguma ousada facilidade. Não choveram sobre mim pardaus como em Terras de Basto nem o convite veio de quem podia dar-me esse passaporte para a fortuna.
Com E Pinto não foi assim. Pelos vistos ele acreditava que iria ganhar uns meritórios mil, dois mil euros mais uma ajudinha para ir até Bruxelas em económica e uns tostões para comer numa cantina popular, quiçá na “sopa dos pobres” lá do Reino.
Imaginem o escândalo do virtuoso representante da pobreza portuguesa quando se viu repimpado num “Mercedes topo de gama e motorista para todas as deslocações(mesmo pessoais”, com 18.000 euros mensais de ordenado, viagens pagas, mais 21.000 euros mensais para contratar quem muito bem quiser sem justificações, pagando impostos apenas sobre um terço da remuneração à taxa de 20% e tendo garantido o direito a uma reforma de 1300 euros mesmo que apenas exerça um mandato” (sic)
E Pinto pelos vistos recusa esse estatuto. Resta saber se recusa mas aguenta enquanto lá está (e refere 2015 como termo da sua sacrificada estadia) os ordenados, os Mercedes, os subsídios, a taxa de impostos, enfim aquela bolada que por baixo avalio em mais de meio milhão, que com os tais impostos mesmo assim ultrapassará os 450.000 euros.
E Pinto entende continuar o seu sacrifício pela pátria num lugar menos afastado da miséria autóctone, deputado à AR ou quem sabe, Presidente da República, não faz a coisa por menos, o seu amor exaltado pela “Res Publica” Enquanto as eleições para essas mordomias não ocorrem, sacrificar-se-á entre os desunidos belgas, terá de comer mais umas doses de moules avec frites e de beber Stella Artois ou alguma mais exclusiva biere trapiste. Coitado
Para E Pinto todos quantos se surpreenderam com esta extraordinária e sacrificada decisão não passam de “fariseus”. Vê-se que a criatura leu os seus clássicos mesmo se uma dúvida me assalte: será que este citador da Bíblia conhece verdadeiramente o que separa fariseus de saduceus, ambos de zelotas e, já agora, estes últimos dos “sicários” (os portadores da “sica”, cujo mais famoso membro se terá chamada Barrabás”) Curiosamente os fariseus eram acusados de ser formalistas respeitadores da letra da lei (no caso respeito pela Tora oralmente transmitida) e nunca do seu espírito. Todavia, convém lembrar que o farisaísmo só começou a ser atacado bem depois da vida de Cristo. São os Evangelhos, sobretudo o de Mateus, quem mais os atira para o campo da hipocrisia (ai de vós... fariseus, hipócritas pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho e desprezais e mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé... condutores cegos que coseis um mosquito e engulis um camelo Mat, 23, 23-24). Anda nisto muito da política e dos desentendimentos dos turbulentos primeiros séculos do cristianismo.
Espanta-me, também, que E Pinto não tenha acusado os seus adversários de filisteus. Vê-se que a criatura não capinou suficientemente o campo cultural onde pescou a menção bíblica. É pena, uma menção aos filisteus (de onde vem o nome da Palestina) caía bem.
Porém, onde é que está o farisaísmo de quem critica que uma vez eleito para o PE, E Pinto já anuncie outras cavalgatas. Claro que E Pinto dispara para todo o lado e traz à colação a “falta de indignação” manifestada noutros casos que nada têm a ver com Bruxelas. A quem quiser castigar as meninges deixa-se a menção do artigo publicado no Expresso de passado sábado. E avisa-se que aquilo é uma espécie de molho de bróculos onde se mistura tudo, um saco de gatos tonitruante que exemplifica o velho axioma: atacar tudo mesmo se isso nada tem a ver com a situação em apreço.