Au bonheur des dames 403
Três Vivas por José Quitério
Isto ia chamar-se “3 Hurra por JQ” mas o Zé é pouco dado a “bifes” e correlativos. Aqui o “bife” era o ingliche ou o americas ou qualquer outro vago anglo saxão.
Depois pensei na italianíssima “evivva” tão verdiana, tão musical. O Zé é um atentíssimo conhecedor de música e seguramente a coisa não lhe desagradaria. Todavia, o raio do homem é português até ao sabugo, português da velha guarda, cultivador de virtudes antigas e mal lembradas e isso pede um viva nacional, nosso, que tanto lhe devemos.
Convém, agora, um ponto de ordem. Sou amigo do Zé Quitério desde os longínquos bancos dos “Gerais”, velhacouto que frequentávamos com nojosa parcimónia, situação aliás comum a muito estudante de Direito, numa Coimbra que, por ser longe da casa paterna, nos permitia o desvario de ser pela liberdade livre e por outras maluquices libertárias.
Foram anos de intenso convívio, de livros, de filmes, de música, de conversas que varavam a noite hospitaleira entre o “Mandarim” e o “Moçambique” (“capital de Angola” no dizer pitoresco do seu proprietário) e a Baixa.
Depois o Zé foi caçado pela tropa e mandado para Árica defender o Império. Não tenho bem a certeza, embora trocássemos algumas cartas, se ele viveu as angustias do mato, a incerteza, os perigos da guerra ou se graças à já forte miopia passou esse tempo de exílio num quartel mais sossegado.
Sei, isso sim, que, quando regressou, o Direito já não lhe despertava qualquer simpatia. Perdeu-se um jurista e ganhou-se um grande escriba (não me atrevo a dizer escritor não vá o tipo zangar-se...), um homem de cultura, um intelectual empenhado, um extraordinário crítico e divulgador da gastronomia. E um prosador de alto talento. E de grande humor.
Eu já nem me lembro de quando entrou no Expresso. Sei, apenas, que entrou com estrondo, com novidade, com talento, e criou uma coluna que “amarrou” ao semanário muito leitor descontente. Irritei-me vezes sem conta com textos do Expresso mas que era isso ao lado da página onde José Quitério fazia a crítica de um restaurante sempre cuidadoso, exigente, bem humorado e imparcial?
Agora, depois de meses de ausência, inaugurando a nova “Revista” do Expresso, numa longa entrevista, JQ desvenda o mistério da sua ausência: os olhos cansados já não lhe permitem continuar. Lacónico e estoico, sem perder o seu sentido de humor, o Zé substitui o impossível “até à vista” por um “imenso adeus” (permita-se-me um título de Chandler) aos leitores.
Começa mal o ano de 2015, também neste capítulo. Perde-se uma escrita ágil e inteligente, um subtil toque cultural sempre temperado de bom senso e discrição, a voz de um homem direito e inteiro de que cada vez mais se necessitaria.
Ficam alguns livros, fica ele próprio (e que seja por muitos e bons) e fica a ideia de fazer uma pequena ou grande antologia desses textos, datados embora, mas tantas vezes felizes e certeiros.
Sei que muitos leitores fieis e gratos estão comigo neste momento de despedida a um autor e é um pouco em nome deles (que atrevimento!) que substituo o adeus quiteriano por um até sempre com um forte abraço
Saravah, mano! Graças a ti estes últimos cinquenta anos não foram assim tão maus.