Au bonheur des dames 407
Redes sociais Que fazer com elas?
mcr, 15 12 20
O meu prezado camarada de blog JSP deixou aqui em baixo um excelente texto que poderia dar azo a uma limpa discussão sobre este tema.
Eu não tenho qualquer rede social, isto no caso dos blogs não estarem nesse lote.
Não me instagramo, não me facebooko, não me twito. Ponto, parágrafo! Assim sendo, só sei das redes através de comentários de amigos ou das notícias da televisão e dos jornais. Como estes dão sobretudo relevância aos vómitos de Trump, a minha ideia é, claramente, hipercrítica.
Aliás, não frequento nenhum desses meios porque, desculpem os que, de boa fé, os usam, os exemplos que me chegam de todos os lados, do insulto às notícias falsas, da invenção grotesca até ao mais abjecto exibicionismo excedem o que o meu olfacto, mesmo envelhecido, permite.
De certa maneira, sinto-me (felizmente, apesar de tudo) isolado. Devo pertencer a mais uma minoria, das muitas a que, ao longo dos anos, por mau feitio, me fui juntando. De todo o modo, e só para citar um exemplo, nunca percebi que alguém use o facebook para (como a CG vezes sem conta me mostra) dar uma notícia conhecida de todos. E percebo ainda pior a adição pura e simples de um “like” seja a que declaração for. Não que não respeite o direito de concordar mas apenas porque, muitas vezes, esse “concordo” sabe a pouco, sabe a preguiça mental, a favor, a condescendência.
De todo o modo, isso, esse assentimento redutor, é um direito que (mal estaria eu !!!) não condeno.
O problema, como JCP avança é o uso indiscriminado da mentira, da acusação gratuita, do “mujimbo” (e aqui mando uma saudação muito especial ao Manuel Rui Monteiro, autor da engraçadíssima “crónica de um mujimbo” 1991, amigo antigo e escritor inventivo, ameno, e inteligente.).
Eu confesso que, perante esse fenómeno alarmante do mau uso das redes sociais, não sei o que fazer. A mentira, a violência verbal, a ignorância, o fanatismo, a estupidez, sempre foram armas de arremesso político desde a mais alta antiguidade. Basta ler a Biblia, Gilgamesch, a Ilíada ou o Ramayana para verificar esta amarga verdade. E para verificar outra ainda pior: as sociedades sempre estiveram expostas a isto e raras vezes se defenderam com êxito e dignidade. Para não ir tão longe: o século XX deu-nos o espectáculo da condenação cega dos opositores da 1ª Guerra, do ataque soez e racista a Leon Blum, dos livros queimados pelos jovens intelectuais nazis, dos julgamentos infames de Moscovo, das campanhas racistas nos EUA, da afrontosa legislação do apartheid que tentava enraizar na “bestialidade” os casamentos interraciais, etc., etc...
Não passaram muitos anos depois da alegada “descoberta” de armas químicas no Iraque, ou dos supostos pecados das elites intelectuais chinesas varridas pela impetuosa marcha dos “netos” de Mao.
Notem que, muitas vezes, o ataque à dignidade humana é avocado pelo Estado, até pela Lei e pelos seus agentes. Na base está sempre um alegado vício do outro e o direito à justiciá-lo ma praça pública.
Claro que, para os espíritos mais simples (que nem sempre são os mais bem intencionados), há sempre o remédio ineficaz: proibir, proibir, perseguir, clandestinizar os réprobos, os mal-pensantes, os atrevidos.
Os defensores da democracia liberal, sempre minoritários, sempre alvo dos seguidores da “linha justa” dos “defensores da raça”, dos “amigos do povo”, pouco podem fazer para deter a avalanche da mentira e do desprezo pelos direitos de terceiros. Mesmo nas causas mais nobres se encontram desvarios de ultra ortodoxos, de recém convertidos. Basta lembrar alguns excessos de anti-racistas de recente convicção, de defensoras de um feminismo “me too” que viu em todas as situações de escolha de actores um intuito perverso de machos à procura de carne fresca. Eu só lembraria as acusações contra, por exemplo, Placido Domingo por alegados factos ocorridos há vinte ou trinta anos. Durante todo esse tempo, cantoras, com ou sem talento, prosperaram ou não nos palcos de todo o mundo. Durante esses mesmo vinte, trinta anos, leitoras (e sabe-se que as leitoras são maioritárias em praticamente todo o mundo) fizeram a fama e o lucro de um determinado escritor francês – que aliás sempre considerei medíocre – que vertia para os seus romances alguns verdes amores com adolescentes. Ainda iremos a assistir ao julgamento póstumo de Sade! Mas, à falta dele, aí temos Woody Allen ou Roman Polansky perseguidos e de que maneira por alegada sedução de menores.
Contra estes e milhares de outros artistas não foi precisa a mobilização das redes sociais, bastou o “mujimbo”, a acusação nem sempre especialmente fundada. Eu, aliás, ainda hoje me recordo do caso Clinton em que até houve a exibição de um vestido maculado por esperma presidencial e guardado como tal durante anos, “nada de intencional, claro” !...
Ou seja, os famosos, seja por que razão for, estão expostos, e cada vez mais, a ataques nem sempre fundamentados. Outros há que fizeram tudo para não sair da ribalta, expuseram a sua vida, as opiniões e o corpo e depois vem queixar-se. Mas mesmo esses tem o direito a não serem tratados como lixo, como carne para canhão. Unca me ouvirão dizer o mesmo que dizem da rapariga de mini saia curta que foi assediada: “ela fez por isso!”
Eu lembraria, ai Jesus que arraial de bordoada nos meus pobres lombos aí vem!, que muita da lama espalhada pelas redes sociais vem do exemplo da imprensa cor de rosa, do consumo de notícias vindas de paparazzi sem escrúpulos, de artigos de jornais e revistas que mais não são do que devassa pura e dura das vidas de quem se expõe ou é exposto.
Não vou dar exemplos, que estão à vista de todos como um livro recentemente saído e devido à pena de uma celebridade televisiva que agora se queixa de assédio. Não vou cair na esparrela de dizer que ela fez por isso mas apenas lembrar que, para certos espectadores que vivem por interpostas vidas, ela merece esses tratos de polé.
Ainda há dias, duas conspícuas senhoras pediam acção policial e constitucional contra um partido recente. Alegavam que ele defendia coisas incomportáveis (como a revisão da Constituição e a introdução por essa via de novos crimes e novas penas) e que isso deveria ser pura e simplesmente resolvido com uma decisão de proibição desse partido. Ou seja, as duas amoráveis criaturas, defendiam uma medida absolutamente inconstitucional contra uma ameaça difusa e a declaração de intenções a serem levadas a cabo por meios legítimos (a dita revisão)!
Proibir é fácil e quem viveu os tempos da outra Senhora sabe-o bem, sobretudo se lia livros proibidos, defendia a existência de partidos, o direito à greve ou o simples divórcio por mútuo consentimento (depois da revisão do Código Civil). E só leva à criação de um punhado de rebeldes e uma multidão de submissos, de súbditos sem cara nem vontade.
Contra este estado de coisas só há um caminho: o das pedras, o do direito à liberdade de opinião e de expressão e de discussão. Tudo o resto é perda de tempo ou tendência autoritária. E o autoritarismo sabe-se onde começa mas nunca onde acaba...
Por mcr, cinquenta e um anos depois de uma longa estadia nos subterrâneos do Tribunal de Coimbra, à ordem de uma polícia que nem era a PIDE mas que perseguia estudantes com o mesmo à vontade e mais, muito mais, profissionalismo.
Este texto vai para Orlando Leonardo, espera-se que ainda vivo, valente e pimpão, e para João Bilhau, morto demasiado cedo. Os três andámos a monte alguns meses, trocando as voltas à “Judite” ma acabámos por malhar com os ossos na cadeia para nos confessarmos. Como nos negámos, a prisão (preventiva) durou o máximo possível...