Au bonheur des dames 410
Jogos malabares
mcr 10-02-2020
Rui Tavares não desiste. Hoje, segunda feira, no “Público” manifesta-se a favor de uma candidatura à presidência da República por parte de Ana Gomes.
Esta, entretanto, já tinha feito saber que não era candidata. Entre outras e mais curiosas razões apontava o facto de estar reformada.
Não me vou debruçar sobre as alegadas virtudes da dr.ª Ana Gomes que, pessoalmente, me parece um pouco impertinente (no verdadeiro sentido da palavra). Não lhe nego o fervor anti corrupção mesmo se isso é, para qualquer cidadão normal um imperativo democrático. Todavia, a sua exacerbada cruzada a favor de um pequeno hacker guloso e a tentativa de o fazer passar por uma espécie de Robin dos Bosques justiceiro arrepia-me o pouco Direito que, contrafeito, aprendi. Tornar a bufaria executora da justiça, lembra-me umas boas dúzias de criaturas detestáveis que, em seu tempo, e durante muitos anos, informavam a polícia sobre os meus passos, as minhas ideias não hesitando, aliás, em carregar nas tintas: Uma “Catarina” (pseudónimo usado) chegou a situar-me numa reunião clandestina em Cantanhede, terra que só dez anos depois conheci, a afirmar-me como bombista! Nem o pide confidente a levou a sério ...
Os “bufos” os “patriotas” informadores da PIDE, contavam-se por milhares e chego a supor que eram mais eles do que nós, os poucos oposionistas que se declaravam (e agiam) como tal. Portugal não foi o campeão dos bufos, isso é mais para a República Democrática Alemã, onde decentemente e felizmente, qualquer cidadão pode ir consultar o seu processo e saber quem o denunciava. Por cá é o que se sabe. Um véu legal pesado e espesso e imoral impede de ver “quem era quem” nesses tempos odiosos e infames.
Mas, voltemos, ao manifesto de Tavares. Este colunista, historiador e fundador do “LIVRE”, considera interessante o facto de pouco ou nada importar a futura eleição se o Doutor Rebelo de Sousa se recandidatar. De facto, se isso ocorrer, e eu sou dos que apostam que sim, a campanha será uma passeata ainda mais monótona do que a precedente. O populismo “bcbg” do actual Presidente da República, as selfies, a continua ocupação do espaço áudio-visual, a saturante corrente de opiniões sobre tudo e sobre nada, tornam-no invencível.
Tavares sabe isso, como sabe (ele o diz) que as candidaturas do PCP e do BE são “para inglês ver” e apenas servem para marcar um difícil território ideológico e partidário. Não são, como Tavares agudamente pressente, para levar a sério.
Entretanto, perante a anunciada candidatura do Doutor André Ventura, outro populista que marca pontos cada vez que lhe retiram a palavra na AR, Tavares entende que a intervenção de Ana Gomes permitiria “remeter” o homenzinho da Direita “para o lugar que lhe compete”. Para que não se corresse o risco de à falta de candidatos “credíveis” de Esquerda, a oposição a Rebelo de Sousa se refugiasse na Direita pura e dura!
De resta, sustenta Tavares, Ana Gomes não corre o risco de ser eleita e com isso de perder sua liberdade. Perderia seguramente as eleições mas “marcaria o campo da esquerda ecológica, europeísta, verdadeiramente democrática bem como permitir a Portugal recuperar uma “visão sobre o seu modelo de desenvolvimento e a forma de preservar o seu estado social”
Magna tarefa, pois. Tremenda, mesmo. Com um pequeno problema: se a candidatura for varrida pela onda marcelista isso não será um duro golpe neste tão extenso feixe de ambições.
Eu não votei no Doutor Rebelo de Sousa, nem aliás em outros doutores por extenso. Preferi-lhes Henrique Neto, um velho mas sólido socialista com provas dadas destes os tempos obscuros do Estado Novo. Também nunca dei um voto à Direita sequer ao Centro-Direita. Quando não tive candidato capaz, abstive-me ostensivamente metendo o papelinho em branco na urna. Nunca falhei uma eleição a começar pela única nos tempos da outra senhora em que fui delegado da CDE sabendo que, uma vez mais, isso me levaria, como levou, às enxovias do regime. Uma vez chegada a Liberdade, jurei que jamais faltaria a um acto eleitoral mesmo que tivesse de votar com uma mão no nariz (como bem disse o dr. Álvaro Cunhal ao apoiar, contrafeito a eleição do dr. Mário Soares.
E, já agora: sendo o Doutor Rui Tavares um político, fundador de um partido, ex-parlamentar europeu (como Ana Gomes) porque é que não se candidata ele. Não corre riscos, como já disse. É conhecido como comentador político e ex-parlamentar. Dirigiu o LIVRE, valha isso o que valer (e que é muito pouco). E poderia explicitar tudo o que no artigo de hoje expõe sem mandar o recado a ninguém.
(em boa verdade, o que me faz pensar é o facto de o referido senhor propor com frequência outros – outras, sobretudo – para a frente de batalha. Os resultados que se conhecem com a recém independente deputada Joacine deveriam fazê-lo reflectir nessa sua ânsia de delegar em outrem uma actuação perfeitamente ao seu alcance.