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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 412

d'oliveira, 11.02.16

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Morrer é um direito

 

“Ai Portugal...

se fosses só três sílabas...

sal sol sul”

 

Saiu a público um manifesto sobre a eutanásia e a morte assistida. Gostaria de o ter subscrito não por estar doente (não estou), não por recear que os meus familiares me condenem, algum dia, a uma espera trágica de dolorosa da morte, mas apenas porque acho que todo o cidadão tem direitos imprescritíveis mesmo ao da sua morte digna.

Condenar alguém ao sofrimento em nome de valores supostamente éticos é uma deslealdade e uma agressão inúteis e cobardes.

Como de costume, instalou-se o alarido e a troca de argumentos a latere. Como de costume,os partidos apresentaram-se na batalha com o habitual oportunismo. A verdade é que o tema é difícil e que a tradição não esconde posições opostas dentro de qualquer família ideológica. Lembremos, para exemplo, que ainda há poucas décadas o suicídio era punido na Inglaterra e a eutanásia detestada na União Soviética (adepta de políticas fortemente natalistas) que restringia aliás o aborto e tornava na prática difícil o acesso a anti-concepcionais. Nos Estados Unidos há fortes e combativas minorias anti-abortistas e não consta que, em vários Estados, a polícia use de mão forte contra a violência desses grupos. E por aí fora.

Todavia, agora, parece verificar-se, na Europa, uma ténue aproximação à morte assistida. Não nos iludamos demasiadamente: a Europa está cheia de velhos que são considerados um obstáculo à emergência das novas gerações e um peso quanto aos custos da Segurança Social que tem de lhes garantir hospitais, cuidados domésticos continuados e pensões de sobrevivência e/ou reforma.

Três países deram o passo no reconhecimento do novo direito a morrer honrosa e decentemente: a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo.

Não deixa de ser curioso que estes países estão no cerne e na primeira linha da construção europeia (o Benelux foi com a França, a Alemanha e a Itália, fundador do que hoje se chama União Europeia). O centro da Europa está nestes seis países e não parece que dali saia. É provável que seja ali que a ideia terá mais hipótese de fazer o seu árduo caminho, pesem embora o peso da religião (e no caso quer a Itália maioritariamente católica, quer a Alemanha onde o compromisso católico luterano assenta em bases hostis à eutanásia, parecem constituir obstáculos consideráveis) e a mobilização das opiniões públicas.

Entre nós, povo e país descristianizados, existirão também maiorias contrárias (mas voláteis?) à permissão de ambas as situações. Talvez, por isso, não haja quem defenda o referendo nestas questões.

Os políticos portugueses, mais até os de Esquerda tem um medo pânico de devolver ao povo o direito de decidir sobre questões controversas. Seja a sempiterna regionalização, seja o casamento de pessoas do mesmo sexo, seja a actualíssima questão da adopção de crianças, há nos pais (e mães) da Pátria um medo evidente de dar voz aos outros. A Direita, filosófica e socialmente invertebrada, também não quer correr o risco de deixar a populaça decidir.

Ou seja, como de costume, há neste vil cenário de deserto e tristeza, uma pequena elite que se guerreia. Entre “estrangeirados” e “passadistas” corre o nosso sinuoso e tortuoso destino.

Como consta da “Nau Catrineta”: o gajeiro perdido não avista “terras de Espanha nem areias de Portugal”.

* na gravura: máscara Bedu Kulango. Optei por uma máscara em prol da vida, no caso das boas colheitas. É que a morte, em África, é também um sinal da passagem do antepassado a protector. E é(era) respeitada e aceite.