au bonheur des dames 412
“stille Nacht, heilige Nacht”
Variações natalícias
mcr, 26 de Dezembro
São as crianças que salvam o Natal. Sem elas a coisa, decorre com alguma melancolia que à mesa faltam cada vez mais dos nossos. Por muito que se queira, ao olhar em volta surge, repentinamente, um fantasma familiar, a recordação de outros natais com ele e os risos já só são ternos e vagos sorrisos que a saudade aperta e o futuro, sempre ele!, ameaça. Há de chegar o dia em que os faltosos somos nós e, eventualmente, alguém verá ao fundo da mesa, uma fugidia passagem, nós reclamando pão verdadeiro para o queijo da Serra e um vinho tinto decente para acompanhar.
Há um restaurantinho francês com comida francesa, sem turistas que se notem, mesas corridas, menu escrito a giz num quadro. Eu cheguei lá graças a um dos primeiros guias do routard. E cheguei porque falavam em serviço decente, barato e genuíno. A rua da Cerisaire na esquina da rue du Musc (que em tempos foi, oh maldita correcção política e moral, rue Pute et Muse) tem esses restaurante. Quando lá levei a CG pela primeira vez ficamos sentados em frente a um operário da construção civil. Na altura do queijo já parecíamos conhecidos antigos que o homem era simpático e parisiense de todos os costados. Veio o queijo e eu pedi mais pão dizendo ao franciú “O queijo quer pão”. E ele, placidamente acrescentou e vinho. Vinho tinto de preferência!” E fomo-nos ao queijinho como Santiago aos sarracenos.
Mas eu estava a discorrer sovre o natal. Graças ao Nuno Maria, que estava excitadíssimo com s prendas e que era o moço de entrega das que não se lhe destinavam, o natal fluiu.
Éramos meia dúzia de adultos, um dos quais saído de um covid modesto, chato, mas sem complicações.
E subitamente, vieram-.me à memória as palavras do maus famoso hino de natal vindo da Alemanha profunda e da pobreza de uma igreja cujo órgão se estragara.
Foi no meu 6º ano do liceu, em Coimbra, no “D João III” que aprendi a letra da canção. Ainda hoje a sei toda mas não me atrevo sequer a cantar as duas primeiras palavras. Sou um desafinante crónico, irredutível condenado ao silêncio quanto mais não seja por vergonha. Torno-me útil por saber as palavras todas mas ai de mim se tento gargantear seja o que for.
E já que me lembro do liceu D João III, ainda hoje me arrepia a imbecilidade de quem o rebaptizou com o nome praticamente esquecido de um deputado republicano que ninguém lembra nem associa a qualquer coisa de grandioso. O rei D João III fez por Coimbra mais que quase todos os outros. Engrandeceu a Universidade, mandou construir os colégios maiores da Rª da Sofia, trouxe professores estrangeiros alguns dos quais, aliás, foram alvo da inquisição. A cidade, sob o impulso régio cresceu e daí o nome do liceu. Depois, na confusão atribulada do 25 de Abril, um punhado de ignorantes mudou o nome pensando que com isso exaltava a democracia.
Isto é como o nome das ruas, mesmo o mais modesto. Assim a rua do único grande santo português foi no Porto substituída por 31 de Janeiro (e por duas vezes!). O 31 de Janeiro não é exactamente um momento glorioso como alguns dos seus intervenientes (por todos João Chagas) fizeram notar. Aquilo foi a soma da impreparação, do aventureirismo e do atirar para a frente os do costume que foram os que caíram sob as balas da Guarda entrincheirada no alto da rua.
Que alguém, possuído por um republicanismo incandescente quisesse perpetuar o nome da revolta, percebe-se, respeita-se. E havia sempre ruas para o fazer. Mas, que diabo, o Santo António é o nosso mais universal santo, o único que emparelha com o Apóstolo e o Baptista, na mitologia e louvação populares. É bem verdade que o Porto é todo sãojoanino mas o doutor da Igreja e o mais rápido santo canonizado mão deveria ser assim apeado de uma rua com uma longa, longuíssima história. Bem dizem os de Pádua que o Santo é deles.
O natal já foi, o Ano Novo vai ser comfinadíssimo. A ver vamos se não nos arrependemos de tra dado uma folga nestes dias. Fazer coincidir uma eventual terceira vaga com a chegada das vacinas seria um fiasco.
De todo o modo, e mesmo que volte a estas páginas, desde já vos desejo um Bom Ano de 2021. E nenhuma sequela do Natal que festejaram.