Au bonheur des dames 413
"Trigo limpo, farinha Amparo"
ou
Branca de Neve e os nove anões
(declaração de interesses: o meu candidato perdeu claramente as eleições. Sem apelo nem agravo. Falo e um homem bom, de um cidadão corajoso de um combatente contra a ditadura: Henrique Neto.
Poucos dos seus adversários, ou quase nenhum, se podem gabar duma biografia tão clara e tão afirmativa. Desconhecem-se as biografias de boa parte dos candidatos, alguns dos quais nem sequer conheceram os tempos de chumbo. O que não é vício deles. Atrevo-me, todavia, a dizer que em democracia tudo é mais fácil. Belém, Marcelo, Neto ou Edgar Silva ainda conheceram os tempos difíceis. Deles conhecem-se as posições excepção feita de Nóvoa que passou entre os pingos da chuva sem ninguém notar a sua milagrosa visão da luz! Marcelo, convém lembrar, teve o casamento vigiado pela PIDE e foi criticado pela mesma gente. O resto é malta jovem o que não agrava nem desculpa o seu caso)
As eleições para a Presidência da República são simples. Alguém ganha e o resto perde. Ponto final. Marcelo ganhou e os outros todos perderam. Por muito ou por pouco. Perderam e acabou-se.
Marcelo ganha não apenas porque é conhecido (o que é verdade) mas porque nem sequer respondeu ao coro dos vencidos que, na sua ansiosa e tola corrida, perderam tempo a criticá-lo. Disse aqui, e repito, que essa continua e obsessiva campanha anti Marcelo era um erro crasso e uma tolice política. Marcelo teve a inteligência de não responder deixando bem clara a ideia de que “a caravana passa e os cães ladram”. O que enfureceu e deixou mais alucinados os adversários. O que só prova que ele, além de ser a personalidade que mais falou da constituição e do papel do Presidente da República, foi o que menos flanco deu. Os outros andaram por aí numa ladainha de protestos e afirmações que nada tinham a ver com o cargo em disputa.
Dizendo isto não posso deixar de pensar, desculpem lá, que Vitorino Silva é um dos grandes vencedores da noite. Sozinho, sem nada, desprezado pelos media e atacado pelos bem pensantes (ai a nossa “inteligentsia” quão pequena ela é! E quão estúpida! E quão preconceituosa!) angaria uma bela percentagem dos votos dos portugueses.
Quem foi severamente derrotado, digam o que disserem, foi o cavalheiro do PCP. Ficamos sem saber se estes pobres 3, 4% representam a real força do PCP sobretudo se recordarmos que o voto comunista nunca falha, nunca se perde, nunca admitem deserções. Será que o PC começa realmente a morrer como morreram os seus congéneres na Europa?
A derrota de Maria de Belém é dramática: digamos que uma esquerda do PS mostra a sua medonha perda de influência. Alegre, Martins ou Vera Jardim são velhos combatentes da liberdade e da democracia que verificam que as novas gerações socialistas perderam já a bússola socialista e apenas querem lugares e mordomias. É esse o segredo deste Governo que nenhuma chama alumia. Vai morrer na praia e vai dar uma segunda vida à Direita.
Belém levou a cabo uma campanha desastrada, desde o momento em que declarou que votaria em Nóvoa se ele fosse o mais posicionado para uma ilusória 2ª volta. Depois, os erros repetiram-se em declarações demagógicas como a de receber presidentes num lar de 3º idade. Pior, alinhou na campanha anti-Marcelo não percebendo que aí estaria sempre aquém dos ataques frenéticos dos outros candidatos mormente os do PC e do BE.
Finalmente, foi vítima do escândalo do subsídio vitalício dos políticos que estiveram no parlamento. Vítima, digo e repito. Só um par de descerebrados populistas é que pode afirmar que tal subsídio é imoral. Querem deputados de qualidade e, depois, negam a esses mesmos políticos os meios de exercerem com dignidade e independência financeira o seu múnus político. Ou seja, querem uma espécie de país de bananas ainda mais sujeito à tentativa de corromper os representantes do povo.
Quanto ao senhor Nóvoa, o candidato vindo do nevoeiro e da não política, ficando num segundo lugar a larguíssima distância do primeiro (menos de metade dos votos deste), mostrou que nem o apoio de Costa e de várias personalidades agora fundamentais na actual Situação disfarçavam a sua absoluta mediocridade revelada desde o primeiro dia.
Em último lugar, parece que os votos de Marisa Matias significam uma grande vitória. Convenhamos...
Marisa nunca pensou em ganhar mas apenas em lançar achas para uma fogueira que nunca tentou ser uma contribuição para a ideia da função de Presidente da República.
Se virmos bem, os votos dela são os que faltaram ao PC de outros tempos.
Finalmente, uma nota para boa parte dos políticos: Costa apareceu redondo e como primeiro ministro delegando para uma conspícua senhora o rol de tolices que, parece, constituiu o testamento presidencial do PS, Jerónimo perdeu a cabeça e inventou uma outra eleição e um outro resultado, uma paranoia que mete dó. Catarina Martins disse mais do mesmo mas apesar disso foi melhor do que a porta voz do PS. Portas e Coelho bastante cautelosos conseguiram dizer o necessário sem se perderem na habilidade da “Segunda volta das legislativas”. Negando-o, acabaram por deixar, implícita essa ideia. O que não deixa de ter alguma consistência.
Costa que se precavenha!
Nota final: um querido e respeitado amigo meu ao saber do meu voto (via este blog) achou-o "inútil" e bizarro. E comparou-me com os apoiantes de Tino de Rans. Comparou-me com um homem do povo que provou que um modesto calceteiro pode aspirar á mais alta magistratura.
Venho, sem malícia, recordar-lhe que todos os votos que não caíram em Marcelo foram igualmente inúteis. Nesta eleição só há um vencedor, o resto é paisagem.
o título refere um slogan de há muitos, muitos anos.
o subtítulo pode(ria) remeter para uma história infantil não fora dar-se o caso de tentar relembrar para algum leitor curioso um excelente livro de Jesus del Campo (Los diários clandestinos de Blancanieves, Madrid, 2001) que se lê com prazer. Sempre distrai das tristonhas eleições a que se assistiu.
A gravura representa um dos oito Marcelos santificados. Este tem igreja em Roma, foi papa e sofreu o martírio sob Maxêncio (sec IV).