au bonheur des dames 414
Antes que seja tarde
Não costumo ouvir o meu antigo colega José Miguel Júdice que comenta os assuntos da semana numa das televisões só de notícias. Não que despreze as suas opiniões mas apenas porque nessa hora costumo estar atento a outras emissões.
Conheci o JMJ na Faculdade, embora seja mais velho. Depois, os azares da sorte e a uma tremenda dose de cabulice aliada a outras e mais interessantes ocupações (desde o Teatro à política, passando por algumas pequenas maçadas prisionais), fizeram-nos cruzar. Não é segredo para ninguém que JMJ era um dos melhores arautos da Direita mais retinta. Já será menos sabido que eu navegava em águas muito, muitíssimo diferentes. Por isso, durante anos foi nulo o nosso contacto, só activado depois em algumas reuniões de curso.
Sempre tive o hábito de tentar perceber o pensamento dos nossos (ou dos meus) adversários políticos e Júdice servia perfeitamente. Era (é) inteligente, sabia comunicar e não tenho dúvidas que, além de bom profissional, era (é) uma pessoa culta.
É verdade que o tempo, e os azares do mundo, modificou muito as opiniões de quase toda a gente. Isso e a idade ensinam mais do que a universidade. Continuo, pois, a tentar saber o que Júdice, hoje bem menos radical, pensa e diz. Ele e outros. Mas ele é o motivo do folhetim de hoje.
De facto, Júdice, observou que com a surpreendente mudança de opinião sobre a eventual futura localização da Agência Europeia do Medicamento, o Porto justo escolhido corre, todavia, um sério risco e, ao mesmo tempo, iliba o Governo de quaisquer responsabilidades na candidatura.
A AEM é desejada, ardentemente desejada, por meia dúzia de metrópoles europeias. Algumas estão muito perto do centro da UE ou, pelo menos melhor posicionadas geograficamente que o Porto.
Por outro lado, mesmo que não seja fundamental, há que ter em linha de conta com a vontade das centenas de funcionários deste departamento europeu. E nesse campeonato, o Porto não só fica depois de Lisboa mas, sobretudo, depois de algumas cidades emblemáticas e concorrentes (Paris, Berlin, Amsterdão, Viena ou mesmo Barcelona e Copenhaga, entre outras).
Por isso, foi fácil desistir de Lisboa onde, aliás, já se albergam duas instituições europeias circunstância que não ajudava nada.
Atirar a candidatura para o Porto pode ser visto de dois modos. Um, um favor ao candidato Pizarro que se arrogou rapidamente da falsa primazia no protesto.
Outro, no caso bastante provável de se perder, atirar com as culpas dessa perda para as exigências “provincianas” e bairristas do Porto.
Confesso que a coisa já me aflorara as cansadas meninges. Todavia, não lhe dei a devida importância, tanto mais que nunca pensara que o Governo poderia fazer marcha atrás e oferecer à “Invicta” a oportunidade de se candidatar a sede da AEM.
As únicas vantagens do Porto é ser esta cidade mais barata do que qualquer concorrente, ter um aeroporto internacional, ser de pequena dimensão (dentro dos seus limites) ao mesmo tempo que é capital de uma região poderosa e de outra ainda mais expressiva (contando com a Galiza aqui ao lado).
Portanto, caro Rui Moreira, aconselho muitas cautelas e caldos de galinha. Isto de contar com sapatos de defunto ou com o ovo no cu da galinha tem muito que se lhe diga e pede (suponho que V foi velejador) muito navegar à bolina e calma, montes de calma. Para desgraças já bastam estes campeonatos todos sem ganhar coisa que se veja.
Quando a esmola é farta, o pobre deve desconfiar.
De todo o modo boa sorte. Era bom para todos, para o Porto, para o Norte e para o país esta vinda da AEM. Por uma vez o Brexit poderia ser-nos útil a nós que, há séculos, andamos a apanhar as migalhas que os “bifes” nos deixam.