au bonheur des dames 415
“Lonely Woman”
mcr, 10.11.19
Permito-me recordar um belíssimo tema do grande grupo Modern Jazz Quartet (John Lewis, Connie Kay, Percy Heath e Milt Jackson –piano, bateria, contrabaixo e vibrafone). A música, porem deve-se a Ornette Colleman, um saxofonista rebelde mas genial. E tanto ou tão pouco que o álbum do MJQ que contem esta composição intitula-se justamente “lonely woman” e tem uma capa lindíssima que adorna a gravura deste folhetim.
De todo o modo, não é do MJQ que pretendo escrever mas, roubar o título ,para apenas falar da jovem mulher de 22 anos, cabo-verdiana e imigrante, provavelmente pouco alfabetizada que vivia nas ruas de Lisboa como sem abrigo. Junte-se a isso uma gravidez provavelmente indesejada e o abandono do alegado pai da criança.
Não pretendo dizer que a tentativa de homicídio tenha justificação, sou infelizmente um vago jurista não praticante, imbuído todavia dos preceitos inculcados pela Faculdade e pela ética que bebi desde menino.
De todo o modo, se a mulher jovem e ignorante tivesse ido a uma abortadeira (que ainda as há) ou, caso mais difícil, tivesse abortado legalmente num hospital (pressupondo que encontraria um médico que não levantasse a famosa objecção de consciência) onde estava o crime?
Alguém, aí desse lado das leitoras e leitores que, com infinita paciência, me aturam poderá explicar-me?
Eu sei que andam por aí subtis distinções entre feto e recém nascido (que reconheço do alto da minha idade, meio social, classe, cultura e educação mas que não funcionam da mesma maneira para uma jovem, pobre, miserável mesmo, só e abandonada numa terra estrangeira e não tão afável como a propaganda tenta fazer-nos acreditar) mas que quer isso dizer perante o caso concreto?
Temendo irritar-me mais do que me apetece, não li, não ouvi os comentadores jornalísticos e televisivos que, pelos vistos não largam a notícia. Sei, tão só que a rapariga está preventivamente presa o que, dado o seu passado próximo, até pode ser um alívio. Tem um teto e três refeições quente por dia o que, para um sem abrigo em fins de Outono numa Lisboa onde chove que Deus a dá, pode ser um “upgrade” (estamos em época boquiaberta por uma coisa chamada web summit que pelos vistos nos vai pôr no cume do progresso tecnológico e na vanguarda da ciência) de certa importância.
Todavia, apesar da minha pouca atenção aos oráculos que pululam pela tv e um pouco pelos jornais, não tive eco de um pouco de dó, de compreensão, de caridade no caso em apreço. Pelos vistos, todos acham que a pobre criatura é uma homicida fria e desapiedada.
Entretanto, um recém nascido, mesmo mulato parece despertar o interesse de demasiada gente, incluindo (e é melhor aspecto) adoptantes. Um bebé de dias é um must mesmo se andam por aí, e mal, centenas de crianças que hão de crescer em instituições frias longe dos focos da comoção pública. Fosse eu mais novo, mais experiente da coisa jurídica e vivesse em Lisboa, já me teria oferecido para defender essa mulher só, terrivelmente só.
(em tempo: estou obviamente disposto a contribuir com algum dinheiro para ajudar a acusada. Assim eu saiba como e a quem o entregar.