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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 416

d'oliveira, 25.10.16

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Saberá ele o que quer dizer “orçamento”?

 

Não sei se quero falar do “orçamento”. De facto aquilo ainda não é senão um projecto. Só depois dos pais e mães (e filhos) da Pátria se ajuntarem e discutirem é que a coisa se transforma em Lei.

Todavia, alguma coisa já se pode dizer sobre o documento.

Comecemos pelo mais fácil. O Sr. Ministro Centeno veio dar-nos a extraordinária novidade de aquilo ser um “orçamento de escolhas”. Conviria lembrar a S.ª Ex.ª , seguramente um luminar de finanças mas um fraco conhecedor de português que um orçamento, qualquer orçamento, é sempre uma (ou um conjunto de) escolha.

E tanto o é que, ao contrário dos cavalheiros do anterior Governo (também eles luminares da ciência financeira), este governo escolheu outros meios de financiar o Estado e enfrentar a despesa pública que, pelos vistos, não só não desce mas, porventura, subirá.

Em segundo lugar (e esta vai par outra luminar, desta feita do BE) convém avisar que ir buscar aos ricos para pagar pensões aos pobrezinhos não existe. O Orçamento é um todo, os impostos correm para um bolo único e nada nos pode fazer pensar que a quantia sacada aos ricos (e os ricos em Portugal são, noutras latitudes, gente remediada) vai direitinho para as pensões. Isto aqui não é uma agência de consignações. Se fosse, os meus descontos para a Segurança Social teriam por objecto único a minha reforma, por exemplo.

A terceira observação é que este “orçamento” vai dar aos ricos mais dinheiro do que aos pobres mais pobres.

Em quarto lugar, se eventualmente for verdade uma descida do IRS, convém lembrar que uma boa parte dos novos impostos (ou dos impostos indirectos que são agravados) vai penalizar as classes menos favorecidas. Ou alguém acha que os talassas andam no fast food, nos refrigerantes ou se passeiam em carros a gasóleo. Proporcionalmente, os impostos indirectos atingem mais os de baixo rendimento do que os malvados capitalistas e as classes suas aliadas.

Em quinto lugar, a ideia peregrina de baixar o IVA da restauração (baixa, aliás, um tanto ou quanto restrita) não só não significa uma baixa de preços mas sobretudo beneficia os turistas que, por pouco que gastem, sempre comem duas vezes ao dia. Chegou-me aos ouvidos que poderão ser mais de vinte milhões os turistas neste ano. O que significa pelo menos quarenta milhões de refeições se apenas se demorarem um dia no torrãozinho de açúcar lusitano.

Caso demorem mais de três dias a coisa significa que o número de refeições vendidas a estrangeiros será superior às fornecidas a portugueses. Como, ainda por cima, os nossos preços são muitíssimo inferiores aos dos países de onde nos vem os turistas, isto significa uma perda brutal de receita. É a reversão em todo o seu esplendor.

As medidas sob o património já tiveram um resultado: fogem capitais a todo o vapor para sítios já conhecidos. Consta que as transferências para a Suíça ultrapassaram os mais loucos sonhos dos banqueiros da Confederação.

E isto, esta procissão–debandada, ainda vai no adro. A ideia peregrina de taxar violentamente o alojamento local (que, parece, tem permitido, o restauro de bairros inteiros de Lisboa e Porto) poderá trazer uns tostões a curto prazo mas matará a galinha dos ovos de ouro, duradouramente. Ou voltar-se-á ao aluguer clandestino, especialidade portuguesa que vigorou impune e impante durante dezenas de anos. De todo o modo, haverá consequências para o investimento no ramo. E menos emprego.

Deixo, por inútil, a discussão sobre o investimento e a criação de empregos. Quem é que virá suicidariamente meter o seu dinheirinho num país que tem a instabilidade fiscal como princípio de vida?

Os nacionais ou não têm dinheiro ou preferem pô-lo a salvo. Os estrangeiros receiam as mortaguices ingénuas mas perigosas com que as campeãs do anti-capitalismo diariamente nos ameaçam.

Graças a esta gente, tornei-me subitamente rico. Não aumentei o meu património imobiliário, bem pelo contrário. Até vendi (com mais dois familiares comproprietários) dois miraculosos apartamentos cujos inquilinos quase centenários abandonaram este mundo de tristezas por outra, e melhor, vida eterna. Só que, com todos os truques sobre o IMI e com esse limite baixíssimo para a fronteira da riqueza, eis que prédios antigos mas bem (e custosamente!) conservados começam a parecer-se com a Trump Tower de Nova Iorque. Só diferem nesse pequeno pormenor que é a rentabilidade. Só para dar um exemplo: num dos prédios, a substituiçãoo do elevador custou mais do que a soma das rendas durante dois anos. Acrescentem-se as taxas, as taxinhas, as despesas gerais, a limpeza e a iluminação das partes comuns e veja-se a fortuna dos infortunados proprietários.

Um orçamento é, devia ser, um momento de esperança, uma aposta sobre o futuro, uma garantia ou, pelo menos, uma previsão, de melhores tempos.

Este orçamento é, tão só, uma ideia de continuar na mesma, de sobreviver amparada numa curiosa especulação sobre melhorias que não parecem estar no horizonte próximo. E se for verdade a previsão sobre os países que importam mais de Portugal, então o futuro vagamente rosa com que a medo nos acenam será bem menos colorido do que os sonhos de Centeno e Costa presumivelmente são.

Mas isso é, vai ser, outra (e pior) história.

(quanto ao famoso deficit abaixo dos 3% é bom lembrar que o Banif não entra nessas contas. O que só por si representaria uma acréscimo de 1,4%!!! E para o ano teremos 5.000 milhões para a CGD que também não irão entrar nas contas. Mas saem-nos do bolso, ai isso saem)