au bonheur des dames 419
O que é demais é demais!
mcr 5-XII-2019
Escrevi pouco sobre Tancos. Aquilo, aquele roubo de meia dúzia de armas mostrou apenas algumas evidências de que o “manto diáfano da fantasia” esconde. A “trágica nudez da realidade” é, de facto, esta: o país de sucesso é quanto muito um destino barato para turistas apressados à procura de sol, sal e sul. E de segurança nas ruas, interlocutores nacionais simpáticos (quando não quase servis) a arranhar as línguas da estranja que não faz o mínimo esforço para perceber uma velha nação e um povo sofrido e provinciano que agradece a esmolinha de uma visita apressada a baixo preço.
Sob o manto inconsútil referido está um país adiado, sem ferrovia que se aguente, com uma produtividade das mais baixas da Europa, sempre à espreita de uns dinheirinhos da União Europeia e da ajuda sem desfalecimentos do Banco Central Europeu. Um país que, se os cálculos eleitorais se confirmarem, continuará a aguardar as reformas imprescindíveis, escondendo-se atrás de uma mais que ilusória proto-regionalização (que aliás já foi duramente derrotada mas que insiste em regressar à superfície sob o aplauso de uma pequena elite regional que já se vê sentada à mesa do orçamento das regiões prometidas.
Tancos, melhor dizendo a tropa está como o SNS ou a Educação. Em estado quase comatoso, vivendo um dia a dia incerto, remendando hoje, cortando amanhã, prometendo sempre.
As forças armadas tem menos efectivos do que deveriam, muito menos dinheiro do que precisam, uma estrutura antiga de que os paióis são a vera imagem. Fechaduras obsoletas, alarmes antigos e desactivados, patrulhas incertas e vedações podres.
No meio deste cenário de catástrofe apenas surpreende o facto de haver uma criatura com o título de “Ministro da Defesa (Nacional)”. Para quê? Fora o facto incontestável que isso serve para gastar dinheiro e dar um tacho a um boy, para nada mais tem serventia que se veja. O que aliás se comprova quando nos lembramos que o cargo recaiu no sr. doutor. Azeredo Lopes ex comissário político para a imprensa e afins onde tão bons serviços prestou a Sócrates & Cia.
Esta estranha personagem poderá ser um professor razoável mas olhando para o seu percurso tem-se a extravagante sensação que sofre de “cataventismo”. Pouco antes de ter lugar à mesa do Orçamento e do Conselho de Ministros, a criatura, corrijam-se se estiver errado, estava de alma e coração com o sr. Presidente da Câmara do Porto como Chefe de Gabinete.
Diria que se trata de uma pessoa para todas as estações não fosse isto dizer precisamente o contrário do que o título do filme do grande Zinemann tem por objecto. Que me conste o dr. Rui Moreira encabeçou vitoriosamente um movimento de cidadãos liberal-conservadores de bom tom que nada tem a ver com a alegada “esquerda” representada pelo PS. Enfim, feitios!
E feitios que estão a acabar num processo torpe de armas roubadas e miraculosamente encontradas pela pj militar. Do que se lê nos jornais ou se ouve na televisão, o Ministro sabia de tudo, cobriu tudo e, por isso terá mentido com todos os dentes. O processo o dirá quando (oh quando?...) tiver lugar.
É óbvio que nada disto retira responsabilidades a essa coisa chamada Estado Maior e ao punhado de criaturas fardadas e carregadas de condecorações e títulos pomposos. Também nada disso retira o tom afrontoso que presidiu à suspensão de três oficiais superiores encarreirados para o tirocínio ao generalato e que tinham a difícil missão de comandar as unidades estacionadas em Tancos. É verdade que as suspensões foram levantadas mas a vergonha, essa, permanece. E a ver vamos se isso, este percalço na carreira não vai afectar a vida futura e a promoção desses oficiais...
Todavia, para além do que se vai sabendo, cresce, incontidamente, a desconfiança sobre o modo de agir dentro da tropa. Num sistema fortemente hierarquizado concebe-se mal que alguém, mesmo um major ou um coronel aja sem conhecimento dos seus superiores.
Há, a latere, uma história de recusa de um juiz a um pedido de intercepção telefónica de presumíveis criminosos mas isso é para outro post dedicado apenas aos senhores magistrados que, actualmente, servem para tudo desde homem de futebol até secretário de Estado. A gente vê, ouve (e pasma) juízes a opinarem sobre tudo com um à vontade que ultrapassa as suas claras funções e permite duvidar do bem fundado de opiniões e, pior!, decisões.
Perguntará alguma leitora (ou algum leitor) por que raios estou eu a escrever sobre um tema que o ruído do futuro orçamento, dos novos mini-partidos, da senhora Katar, do cavalheiro de saia plissada ou da chegada da jovem sueca atiram para o limbo noticioso. Pois é precisamente por isso. Para que não se diga que as pessoas atordoadas pelo dia a dia frenético, pela black friday pelo Natal à porta ou pela história mal contada do lítio e subsequente fuga rápida de um secretário de Estado incapaz de enfrentar os cidadãos que protestavam, se calaram.
Não, não se calaram nem se calam.