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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 423

d'oliveira, 17.10.20

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Com o devido respeito

(recado a S.ª Ex.ª, o Sr. Primeiro Ministro)

mcr 17 de Outubro

 

V.ª Ex.ª, patrioticamente preocupado com a saúde e salvação dos Seus súbditos, entendeu por bem anunciar que, a partir de uma data muito próxima, todos os portugueses munidos de telemóvel deverão ter descarregado a aplicação contra o covid. Os contraventores serão multados, pesadamente multados, pelo polícia de giro mais próximo que verificar o incumprimento aleivoso da orientação ministerial (quem diz polícia diz guarda republicano, polícia municipal ou marítima. Excluem-se os cavalheiros do serviço de estrangeiros e fronteiras por se saber que têm a mão demasiado pesada que o diga o desgraçado ucraniano apanhado no aeroporto de Lisboa. E parece que a ASAE também não faz parte das forças telefónico-repressoras ora em causa).

Devo antes de mais, dizer que tenho cumprido na generalidade e sem discussão, as medidas normais e gerais anti-pandémicas. Lavo as mãos, uso máscara nos recintos públicos fechados, guardo a distancia dita “social” e mesma na rua se houver muita gente tenho o cuidado de defender as pessoas usando a máscara. Saio pouco (compra de alimentos, farmácia, jornal e um café na esplanada semi-deserta) e nos elevadores do prédio lá ponho a mordaça mesmo se viajar sozinho.

Uma vez por dia, à noite, aguento o noticiário e a consabida conferencia inútil de imprensa que, por junto, gira à volta de lugares comuns, narizes de cera e números que fora do contexto pouco ou nada esclarecem. Ouvi mesmo os pouco sofisticados devaneios da srª Ministra sobre a desnecessidade de recorrer aos privados, mesmo sabendo-se como se sabe que o SNS mobilizado contra o vírus, deixou de realizar milhões de tarefas e, eventualmente permitiu que cinco a sete mil cidadãos morressem a mais do que no ano passado. (E isto só até Julho e sem falar nos morto dos lares...)

Dir-se-á que o progresso atropela necessariamente algumas vítimas mas que, para além dessa comezinha consequência, o risonho futuro justifica tudo.

Eu, pobre de mim, professo a antiga ideia de que os fins nunca justificam os meios pelo que de há muito que não comungo das certezas ministeriais que, tem uma carga ideologia que, no limite lembram, salvo as devidas distâncias, a argumentação do falecido Pol Pot que também expurgou os males reais ou imaginários do Cambodja mandando ad patres um terço dos seus concidadãos.

A ideia de uma aplicação telefónica que conseguisse opor uma barreira clara e total ao avanço das infecções, em teoria até nem parece má. O problema está num ponto simples. Ainda não se verificou em nenhum país europeu um sucesso mesmo só de estima na utilização deste meio. Bem sei que na Europa, selvagem e pouco civilizada, a aplicação é voluntária e depende dos humores de cada um dos portadores de telemóvel.

Cá, pelos vistos, e daí a gritaria, será obrigatória. Daí estarem os cidadãos munidos de telemóvel à mercê de um cabo de esquadra que, por fas ou por nefas o mande parar e lhe inspecione o objecto. Bem me parece que a coisa é inconstitucional mas até que o TC o declare, muito boa gente será investigada e, no caso de não terem a aplicação, punida com multa e um eventual “safanão dado a tempo” (como bem dizia o dr. Salazar).

Eu que fui “safanado” em muitos e vários tempos, recuso-me a mais pauladas nos velhos e magros lombos. Daí entendi que lá terei de me divorciar do telemóvel que, aliás, uso pouco. Fora a CG que entende dar-me as suas ordens quando ando fora do redil, raras vezes a coisa toca e menos ainda a uso. É provável que alguma vez me fará falta, que eventualmente ficarei prejudicado por o não trazer mas entre isso e a obrigatoriedade da aplicação ao alcance de qualquer agente da ordem, não me resta grande escolha.

É provável que, se tal obrigação não se tornasse absoluta eu, com ajuda de alguém, fosse capaz de meter o diabo da aplicação. Mas obrigado, vou ali e já volto.

Apetecia-me dizer às excelentíssimas e reverendíssimas autoridades civis, militares religiosa e outras que podem meter o meu telemóvel onde muito bem lhes der gozo mas temo ser mal interpretado e como não estou para me defender dizendo que os meus opositores “descontextualizaram” as minhas palavras, nem sequer isso digo.

Passe V.ª S.ia muito bem e que o covid não lhe bata à porta pois, pelos vistos, agora começou a rondar os governantes. E se é verdade que os trumps e os bolsonaros saíram daquilo sem beliscadela evidente o mesmo pode não acontecer a outros. Bem anda o Sr. Presidente que dia sim, dia não, faz o testezinho. Se isso o consola, porque não?

 

Nota: num post recente referi que a expressão "torrãozinho de acúcar" constava da "Campanha Alegre" Nada disso, vem no volume "Notas contemporâneas" como, muito bem e educadamente, um leitor me lembrou. Já lhe respondi mas volto a agradecer-lhe o reparo e o bom gosto: ler Eça faz o covid parecer quase suportável. Se esse amabilíssimo leitor me der a direcção terei o maior gosto em lhe enviar um livrinho que, espero o fará sorrir.