au bonheur des dames 434
Feminismo avant la lettre
mcr, 13-11-21
uma cronista que costumo ler no “Público” afirmava há dias, a propósito do Congresso da SEDES que era notória a falta de mulheres em tal evento. E, implícita e explicitamente, criticava com alguma veemência tal situação.
Alguém, da SEDES, veio responder, explicando que se era verdade tal facto isso devia-se a que a SEDES na sua constituição (há já algumas décadas) agrupara sobretudo homens, cidadãos interessados no desenvolvimento do país. Isso, de certo modo, perpetuara-se e, reconhecia que ainda hoje em dia era visível o desiquilíbrio não só entre homens e mulheres mas também entre gente mais velha e jovens.
DE todo o modo, o referido dirigente, proclamava que um intenso esforço estava a ser levado a cabo não só no sentido de angariar mulheres mas também no de rejuvenescer a associação.
Não sei, ou não recordo, se o argumento convenceu ou melhorou a opinião da colunista. Como a questão continuou a suscitar outros comentários, lembrei-me dos meus tempos de estudante e da minha participação no CITAC, um grupo de teatro estudantil profundamente ancorado à Esquerda. As sucessivas Direcções que conheci eram esmagadoramente povoadas por homens, deixando-se uma minguada parte a uma, máxime duas raparigas que quase se diria que estavam ali para enfeitar.
Nos últimos anos da minha vida estudantil e consequente actividade no grupo, propus sem qualquer êxito que a Direcção do Organismo tivesse mais mulheres e, sobretudo, uma Presidente (escrevo presidente e não parvamente presidenta como uma senhora política brasileira propunha. O feminismo quando exacerbado dá para a tolice e, neste caso, para o desconhecimento da língua).
Baldado intento! E não eram os homens quem mais se opunha. Gaia da parte das minhas amigas, mulheres inteligentes e combativas, uma espécie de fataliesmo negativo que as levava s admitir sequer essa hipótese. Mesmo longínqua!...Os homens, esses com a guerra de África como futuro previsível e rápido caso ultrapassassem as fronteiras que o regime estabelecia até convinham em que uma mulher presidente livraria o organismo dos efeitos, eventualmente devastadores, de uma decapitação da Direcção. O argumento era provavelmente oportunista, seguramente egoísta mas aqui o importante era abrir o precedente, aceitar que a Universidade em finais de 60 tinha quase tantas alunas como alunos. Ou para lá caminhava velozmente...
Não sei quanto tempo demorou essa alteração nos órgãos sociais do CITAC. Mas aconteceu e quando se celebraram os cinquenta anos do grupo, nós, os veteranos, fomos recebidos por uma Presidente. Nem me atrevi a perguntar qual era a percentagem de mulheres na Direcção. Nõ e deve desafiar o diabo.
Agora as coisas andam um pouco mais depressa. Gá uma Presidente da União Europeia. O BE, o PAN o CDS e o PSD tem ou já tiveram mulheres a dirigir os respectivos partidos. Se no caso dos dois primeiros se trata de pequenos grupos com um número reduzido de militantes já nos dois outros casos (partidos de Direita ou Centro-Direita) a evolução é mais notória e significativa. Deram um passo que nem o PC ou o PS conseguiram dar.
O que prova que não é na Direita que a questão se põe como seria mais espectável. Em todo o caso, o PS já tem uma parlamentar a dirigir a respectiva bancada.
Na sociedade civil duas fundações, e importantes, são actualmente dirigidas por mulheres (Gulbenkian e Chamaplimaud) e há que eu saiba, ou me lembre, duas Ordens (enfermeiros e Farmacéuticos) com u Bastonária. Bem sei que neste caso a proporção homens mulheres é de tal modo diversa que se impunha uma mulher.
Nos jornais que leio regularmente há uma percentagem apreciável de mulheres jornalistas, fundistas e comentadoras.
Ou seja, o caminho faz-se caminhando. E tem de ser as mulheres a darem-se também a esse trabalho. Que, em muitos casos é duro e difícil porquanto é sobre elas que, maioritariamente recai o trabalho de cuidar especialmente dos filhos. Aí são os homens que terão de enfrentar uma clara revolução cultural.
Todavia, as queixas sobre sub-representação feminina em muitos dos palcos da vida cidadã escondem a ideia de que seria preciso uma lei de quotas que impusesse a presença das mulheres em numero paralelo ao dos homens. Pessoalmente, não vejo que tal obrigatoriedade legal, justamente por o ser, trouxesse a igualdade desejada e desejável de oportunidades. Igualdades artificiais levam sempre a desigualdades reforçada. No caso da SEDES que deu origem a este folhetim, o caminho é simples e está aberto: as mulheres que sintam vontade de intervir devem inscrever-se na associação. Depois, o seu trabalho será provavelmente reconhecido, as suas intervenções apreciadas, o seu peso nos futuros congressos reforçado.
De fora ninguém racha lenha mesmo se o conhecido provérbio sugere exactamente o oposto.
a gravura: uma estampa de Aubrey Bearddsley, autor muito da estima de Manuel Sousa Oereira, um escultor que faz falta.