Au bonheur des dames 435
Da Galiza para Portugal
(em memória de Luís Seoane e para Xesus Alonso Monteiro com profunda admiração)
A Galiza tem uma área que é cerca de um terço da de Portugal. Essencialmente é uma região montanhosa com profundas rias por vezes rodeadas de vales não demasiadamente extensos. Com excepção da Guardia e da Corunha as principais cidades estão relativamente afastadas do mar mesmo se este é a origem da maior riqueza galega: o peixe e os mariscos. Além da vinha, a floresta é outra das riquezas da região. Foi esta floresta que sofreu em Outubro passado incêndios violentíssimos que devastaram 50.000 hectares, mataram quatro pessoas e fizeram 2400 desalojados.
Uma semana depois da calamidade, a Junta da Galiza começou a tomar medidas. Assim foram logo fixadas as indemnizações para quem perdeu casa (quer a primeira habitação quer a segunda respectivamente de cem mil e quarenta mil euros. Num conjunto de 30 pontos rapidamente aprovados (passa agora um mês sobre os fogos) foram decretadas e começaram a ser executadas medidas contra a ocorrência de novos fogos, indemnizações aos empresários, reconstrução de estruturas agrícolas (currais, redis, armazéns, silos). Estipularam-se novos perímetros de defesa contra fogos, de limpeza da floresta, de posse administrativa de terras sem proprietário conhecido, de fiscalização florestal, de novos meios de combate a incêndios.
E começaram já os cortes de árvores ardidas!
Também já estão a ser pagas as indemnizações por morte de pessoas (75.000 euros).
A Galiza é “apenas” uma região autónoma espanhola sem ter sequer poderes tão latos quanto outras. Não é rica senão de gente abnegada, generosa, risonha apesar da “morriña”, que fala o velho galego dos “labregos e marinheiros” e se entende às mil maravilhas com os trezentos mil portugueses que a invadem no Verão e com os restantes espanhóis que lhe procuram as praias e a belíssima gastronomia. Nunca vi (e eu sou um habitué da Galiza, das suas livrarias, dos seus pequenos restaurantes, de Vigo, de Pontevedra, de Santiago) um local deixar sem resposta outro espanhol que não sabe galego. Nunca!
Entre o período visigótico e a ascensão do reino de Leão, a Galiza constituiu um breve reino que pouco durou. Ou melhor: o reino centrou-se em Leão e as terras galegas (como as do norte de Portugal) eram feudatárias dessa entidade política. Depois, o reino desapareceu. Afonso Henriques, já livre do suserano leonês, tentou por duas ou três vezes conquistar territórios galegos com incursões entre Tui, A Guarda e Vigo mas foram apenas pequenos triunfos sem consequências. O Minho impôs-se como fronteira até hoje.
Durante a curta República (a 2ª) a Galiza dotou-se de certa autonomia, como o País Basco e a Catalunha (que entretanto não se podiam gabar dos mesmos antecedentes históricos...) mas a “cruzada” franquista rapidamente liquidou as aspirações galegas. Durante a guerra civil, e mesmo depois, ainda havia pequenos focos de guerrilha no “monte” havendo mesmo na raia muitos portugueses que acolheram os prófugos galegos. Em 1950, nada restava desse pequeno grupo. Nos finais do franquismo, apareceu a UPG e houve pequenas acções armadas de escassa importância. Com a democracia, a UPG constituiu um bloco independentista mas a tendência, depois de um apogeu no fim dos anos oitenta, decresceu significativamente enquanto o Partido Popular ia aumentando significativamente a sua influência. Até hoje. O governo Feijoo tem maioria absoluta na região e tudo indica que assim continuará.
Do ponto de vista cultural, a Televisão Galega é seguida (até em Portugal), há algumas editoras de livros em galego (curiosamente, muitas delas dedicadas à produção literária galaico –portuguesa com belíssimas antologias indispensáveis para quem queira saber da nossa comum origem literária). Editam-se, com tiragens decentes, alguns escritores galegos desde a eterna Rosalia deCastro até Manuel Rivas passando pelos incontornáveis Castelao, Cunqueiro, Celso Emílio Ferreiro e, pasme-se!, Rodrigues Lapa, insigne filólogo português respeitadíssimo no Além-Minho.
Curiosamente, alguns dos grandes escritores galegos do sec XIX ou do XX, escreveram sempre em espanhol e em alguns casos recusaram a tradução das suas obras para o galego. Tinham, de resto, uma excelente razão: parte do encanto da língua que usaram tinha galeguismos em profusão e isso dá(va) um encanto especial à narração (falo de Camilo José Cela, Torrente Ballester e do extraordinário Ramón del Valle Inclan, autores que não me canso de reler.)
Os leitores que me desculpem. Eu ia só falar da rapidez, da eficácia, da generosa solidariedade dos governantes galegos e comparar a atitude deles com o que por cá se passa.
Uma catástrofe obriga a medidas extraordinárias. E a medidas rápidas. Há demasiado sofrimento, demasiadas vítimas e nenhum tempo a perder. Os galegos, bem mais pobres do que nós, mais emigrantes do que nós (a maior cidade galega é Buenos Aires...) deram, neste capítulo, uma lição às nossas elites governantes. Aliás, já tinham, ao contrário de nós, tirado a devida lição dos grandes fogos (o último a que assisti foi em 2006), criando um comando único de ataque ao fogo (prevenção e combate), profissionalizando os corpos de bombeiros retirando grande parte das competências aos chamados “voluntários” que podem ser generosos e heroicos, mas não são suficientemente profissionais e eficazes.
(um jornal de hoje relata em página inteira como o ex-Secretário de Estado Jorge Gomes recusou o recrutamento de 40 novos bombeiros para a Força Especial de Bombeiros com o argumento de que ainda não estava concluída a regulamentação do Estatuto da FEB. A proposta vinha do presidente da ANPC, Joaquim Leitão e pretendia colmatar falhas ainda durante a futura “fase Bravo”. Não irei ao ponto de dizer que a falta destes quarenta homens em Pedrógão levou à morte de dezenas de pessoas. A história não se inventa nem se reescreve. Todavia, a falta deles não só não ajudou como seguramente prejudicou o combate aos fogos.
Este país adora perder-seem burocracias enquanto a barca do Estado mete água e vai lentamente soçobrando em evitáveis naufrágios.
Por uma vez, imitem os galegos. Ou vão até lá aprender. É perto e há bom marisco, vinho albariño e uma gentileza fraternal. E entendem-nos e não nos pedem para falar galego!