Au bonheur des dames 463
Terça feira de todos os perigos
(e de todas as esperanças)
mcr, terça feira, 12.50 em Portugal, 8 da manhã em N York.
Há hoje eleições intercalares nos Estados Unidos. Disputam-se lugares na Câmara dos Representantes e no Senado. Neste último renovam-se 26 lugares ocupados por Democratas e nove por Republicanos. Só um milagre (assim o queira Deus...) poderá dar uma vitória aos Democratas visto ser mais fácil defender uma posição do que arrebata-la ao adversário. Neste momento as representações são quase idênticas havendo uma ligeiríssima vantagem republicana. Os democratas teriam de manter todos os seus lugares e conquistar três aos adversários. É obra!
Na Câmara dos Representantes havia até há pouco uma forte esperança de os Democratas conquistarem a maioria (actualmente detida pelos Republicanos). Pareci desenhar-se uma vaga de fundo acrescida de uma tendencial subida do número de eleitores jovens a que acresceria um cada vez mais notório repúdio das políticas de Trump. Mesmo assim, será bom não esquecer que grupos potencialmente votantes nos Democratas (por exemplo os operários brancos pobres) transferiram-se em massa para o campo de Trump motivados pelo que acreditam ser a defesa intransigente dos seus mal pagos postos de trabalho e a condenação da globalização, fonte de todos os males (sicut propaganda republicana). De facto, nas eleições presidenciais anteriores, o partido Democrata descurou esta frente, porventura desprezou-a e o resultado viu-se: Estados tradicionalmente Democratas acordaram num pesadelo Republicano. Notória culpa das elites educadas que habilidosamente Trump colocou no alvo.
Para além disto, que é assaz conhecido, há – por muito que nos espante a nós europeus – a ideia de que a América é novamente grande (great again) por ter batido o pé ao acordo de Paris, por enfrentar a China ou ter posto fim ao acordo sobre o Irão. Os americanos não esquecem nem engoliram a desfeita da ocupação da embaixada americana em Teerão, detestam os “amarelos” sejam eles chineses, coreanos ou japoneses, temem-nos e acreditam piamente que os europeus são uns ingratos e querem ver a sua defesa feita pelas ogivas e pelos marines americanos. Esquecem ou nunca perceberam que o mundo da guerra fria lhes foi favorável e que, no caso dessa guerra aquecer seriam os países europeus a linha da frente e as primeiras vítimas da URSS.
Mas, eventualmente mais grave do que este conjunto de percepções que assusta o americano médio há desde há semanas a “marcha dos emigrantes sul americanos” em direcção à fronteira sul dos EUA.
Convenhamos que a ocasião foi pessimamente escolhida se é que na génese deste movimento de pobres fugidos ao terror e à miséria não andou mão de conspiradores pró-Trump. É que a “ameaça” deste grupo de desvalidos deslocou a discussão política para terrenos favoráveis a Trump. É a defesa sagrada das fronteiras, a clara “ilegalidade” dos objectivos da marcha (entrar nos EUA “a bem ou a mal” – como se um punhado mesmo numeroso de desgraçados, onde não faltam mulheres e crianças em número avultado, pudesse fazer perigar a tranquilidade e os empregos no mais poderoso país do mundo!). As televisões tem mostrado fartamente esta pobre gente que tenciona caminhar mil e muitos quilómetros para aceder ao “novo e melhor mundo americano”. As declarações recolhidas são claras e (parece) feitas num tom tão afirmativo que podem passar por ameaças(!!!?). “Nada nem ninguém nos deterá!” é o lema mais ouvido. Nada? Ninguém? Sequer uns tiros (que Trump já desmentiu depois de ter ameaçado)? A prisão dos adultos em campos que hão de ser medonhos, a separação dos menores (o que angustia qualquer pai), os maus tratos? Sirva, para o efeito o exemplo do Texas, Estado republicano por excelência, onde um jovem turco democrata ameaça pela primeira vez com alguma consistência o senador Ted Cruz. Até há pouco o Democrata estava razoavelmente cotado nas apostas mesmo se, eventualmente, tal não chegasse para destronar Cruz (um adversário infeliz de Trump na corrida republicana à nomeação), político gasto e de origem “latina” (ao contrário de “Beto” O’Rourke, de origem irlandesa, bilingue saudavelmente parecido com o mito Kennedy. “Beto” é claramente a favor dos emigrantes mesmo se não fossem especificamente os da “marcha”. Com a campanha actual é provável que diminua ou não cresça suficientemente a sua base de apoio.
Quem estas linhas vai escrevendo, mesmo se tem poucas ilusões, conserva, apesar de tudo uma débil esperança no êxito Democrata na Câmara dos Representantes. Vencer aí seria já um princípio do princípio do fim de Trump. A América de Faulkner, de Armstrong e Ellington, de Aretha e John Ford, de Luther King ou Tony Morisson merece mais do um parolo nova-iorquino arruaceiro e mitómano. Andou-se por aí a falar de Bolsonaro mas este seu par do Norte é pior, mais perigoso, mais ignorante e mais fanfarrão. Se cair, ou pelo menos tremer, as suas réplicas sul americanas ou europeias passarão um pouco pior.
O que já seria muito, muitíssimo!