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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 465

d'oliveira, 08.02.22

 

Um ano depois

Mauel Sousa Pereira

 mcr 8/2/22

 

 

Exactamente há um ano, dia por dia, morria de covid o Manuel . Éramos amigos desde 75 mas, 

na verdade, poderíamos datar essa amizade de 1961. 

De facto, nesse ano (ou já no seguinte?), realizou-se em Coimbra o “iº Encontro Nacional de Estudantes”, uma tentativa de juntar as três academias. A polícia, melhor dizendo o Governo, achou péssima essa ideia sediciosa e, vai daí, proibiu tudo. O costume...

Do Porto vinha um autocarro carregado de perigosíssimos revolucionários que, foi interceptado na Mealhada. O autocarro fica aqui. A rapaziada tripeira não desanimou e decidiu chegar a Coimbra a pedibus calcantibus. E chegaram, claro, recebidos, em festa por malta de Coimbra e Lisboa eufórica. 

Nesse grupo vinha o MSP mas nem ele nem eu (que até era da comissão de recepção) nos recordamos de nos encontrar. 

Há vários anos, mais de vinte, publiquei um livrinho (“A pedra no sapato, a  pata na poça”) onde narrava essa pequena mas corajosa aventura.

Por várias vezes, combinei com o Manel refazer a história eprovar o nosso encontro adiantando em quase vinte anos a inauguração da nossa amizade. A coisa meteria polícias, mulheres blandiciosas, fugas arriscadas pelas íngremes ruas coimbrãs, enfim , uma pequena loucura. Nunca levamos a cabo tal reescrita do passado por culpa de mbos.

De todo o modo, e para celebrar este primeiro e tristíssimo aniversário, aqui republico o texto  “os do Porto a pé!”

Os leitores que conheceram o MSP decerto apreciarão e os outros treão de ter paciência ou mesmo generosidade em lerem o texto que, por nota apostólica, dá desconto nos pecados ditos “carnais”. 

E aqui vai  

Os do Porto a pé!

 

" São os do Norte que vem"

Tobias Barreto, cit. por Manuel 

Bandeira in "Estrela  da Vida Inteira"

 

1961 foi um ano de "chumbo": torpe espesso, pesado de desalentos e prisões. O país ostentava a tranquila fealdade de um regime já apodrecido e nas "chanas" de África lavrava, ainda oculto e insipiente, o fogo da revolta.

 

Para nós, estudantes, a realidade não nos aparecia assim tão dramática   -éramos novos e as inépcias governamentais na questão das autonomias universitárias e associativas dávam-nos razão, força e aliados.

 

A esquerda "republicana" ganhava as eleições para a Associação Académica de Coimbra sob a direcção do Carlos Candal e, em Lisboa, as associações tinham por dirigentes Jorge Sampaio, Eurico Figueiredo, Vasco Pulido Valente, Medeiros Ferreira para só citar alguns.

 

No Porto as coisas corriam pior: as escolas estavam todas muito afastadas e nos meios mais progressistas ainda havia ecos (e medos) de uma enorme vaga de prisões. De todo o modo havia gente a mexer-se, que os "tripeiros" não gostam de ser segundos nem a feijões .

 

Destaque-se sem desprimor para outros, a Escola de Belas Artes e as pro-associações de Medicina e dos Liceus (nesta última começava a despontar um tal Zé Mário Branco de que eventualmente já terão ouvido falar ...)

 

Resolveu-se, já não sei por que motivos, realizar em Coimbra um Convívio Nacional de Estudantes para o qual a AAC e toda a comitiva coimbrã (teatros, orfeon, corais, tuna, repúblicas e conselho de veteranos) convidaram as duas outras academias. O programa era o habitual: colóquios circunspectos, reuniões inter-secções das A.A., meia de desporto, sarau e copos.

 

Isto tudo teria lugar durante a tradicional Tomada da Bastilha (25 de Novembro) feriado académico que comemora a conquista da primeira sede da Associação Académica de Coimbra. Bastava o fundamento para verificar o quanto os poderes receavam tal celebração.

 

Claro que ao saber desta festividade a "benemérita" coimbrã pôs-se em campo mobilizou toda a bufaria disponível e pediu reforços.

 

Discretamente puseram a p.s.p. a interceptar tudo o que se dirigisse a Coimbra e tivesse aspecto de jovem e reviralhista.

 

Algum erro de cálculo terão, entretanto, cometido porque à hora aprazada já tinha chegado toda a malta de Lisboa (e entre eles, corajoso como poucos, o compositor Emanuel Nunes então caloiro em Letras). Dos do Porto é que nada. Nem novas bem mandados. Virão?  Não virão?  Na praça da Republica, umbigo da comuna estudantil, ao nervosismo juntava-se, insidioso, o desânimo.

 

Quando chegou a notícia das barragens policiais o desalento aumentou e aumentaram, "mezza voce", que a "pidalhada" estava próxima, os impropérios.

 

Estávamos neste impasse, a ganhar raiva e a gastar tempo, quando alguém, esbaforido e aos uivos,  incendiou a academia.

A malta do Porto fora de facto parada e as camionetas mandadas para trás. Todavia aquela tripeiragem toda resolvera calcorrear à pata a dúzia de quilometros até Coimbra e estava prestes a desembocar na praça de Sansão.

 

Foi uma corrida, um grito. Bastou um minuto para nos juntarmos aos peregrinos cantarolando "Olá, olé. Assim é que é. Os do Porto vêm a pé."

 

Coisas destas, mesmo a 30 anos de distância, aquecem a alma e aumentam-me os brios de viver nesta cidade.

 

 

 

Vai este em memória gratíssima do Francisco Cordeiro que esteve em todas quando isso tinha, de facto, significado.

 

(aproveito a boleia do antigo texto para juntar na dedicatória um par de amigos que conheci nesse dia: Nuno Brederode, Jorge Sampaio, Mª Emília Brederodo, José Medeiros Ferreira entre outros que não perdem pela demora)

**em boa verdade este folhetim pertenceria à série "estes dias ..."Porém o Manel nunca me perdoaria excluí-lo de "Au bonheur... Em questão de damas foi um amador que sempre teve entrada nas tabelas dos jogos olímpicos...