au bonheur des dames 472
Requiem por um quase filho
mcr. 15-02-22
Há cinquenta e três anos (um pouco menos) estava eu em Paris com o meu grupo de teatro para actuarmos no Theatre de l’Odeon no âmbiato da FIAC
Ainda não era Março, o Março da revolução, mas era um tempo de esperança. De luta, de alegria e solidariedade.
Connosco vieram ter A Luísa e o Octávio, exilados na Suiça. Traziam com eles o filho recém nascido, o Pedro que, depois e ao longo de mutos anos fui vendo crescer, perguntar, maravilhar-se com a vida e com o mundo.
Via-o constantemente dada a enorme amizade que me ligava primeiro aos pais e depois a ele e à irmã.
Não foi sempre de rosas o nosso convívio mas agora isso já não importa.
O Pedro acaba de morrer, fulminado por uma pancratite que, subitamente, degenerou. As suas cinzas, diz-me agora uma Luísa desamparada, já estão junto às do avô, o meu querido e sempre lembrado Rui Feijó.
Morrer o filho de amigos antes da nossa vez é algo que me perturba profundamente. Não está certo, não é justo, obriga-nos a pensar nos desencontros da vida e da morte e, sobretudo a pensar que tudo isto carece de sentido.
Se eu fosse religioso, poderia rezar, encomendar-me a Deus, pensar o Pedro numa outra vida, longe disto, dos azares de agora, do espantalho da guerra que mata, ao longe, muitos mais novos ainda do que ele.
Mas para um velho descrente apenas resta a tristeza, a solidão, saber da solidão da mãe dele, da mãe do seu menino de oiro. E recomendar-lhe maior atenção ainda (!) à filha, aos dois netos que estão prestes a entrar na vida activa e, quem sabe, a trazer-lhe algum bisneto irrequieto, curioso, inteligente como o Pedro foi.
Quem eventualmente me leia, perguntará a que vem esta crónica mas que querem, isto que vou aqui diariamente deitando ao éter é uma espécie de diário, um diário pobre, recheado ainda de emoções, indignações, raras alegrias como ocorre quando se é já um velho homem que sabe que a morte, a sua morte, está também ao virar da esquina.
Decerto que me perdoarão o desabafo. É que o simples facto de dizer isto me alivia , me torna menos penosa esta sensação de ver o deserto avançar. O deserto e a guerra, a dor pelos que já não são e a memória de outra(s) vida(s) que me coube(ram) em sorte.