au bonheur des dames 479
Nem sempre a generosidade é oportuna
mcr29, 03, 22
Todos sabemos que o sr Presidente da República é tão frenético quanto inteligente.
Essa sua característica é conhecida desde os primórdios da democracia e sobretudo desde que exerceu (ainda mais freneticamente) de presidente do PSD. Sem especiais resultados neste último e curto episódio da longa vida política.
Todavia, desde que se apanhou na Presidência da República (por mais que expressiva margem devo salientar mesmo se nunca contou com o meu pobre voto) essa qualidade (ou defeito) tornou-se, se me permitem, “pandémica”.
Eu nada tenho contra um PR interventivo desde que se limite aos seus deveres constitucionais. Também não me desagrada que, enquanto “supremo magistrado” ele vá estando atento ao que se passa na pátria. Aliás se problema há é apenas este: S.ª Ex.ª está sempre demasiado atento, excessivamente atento, às vezes tão atento que mesmo antes de algo acontecer já o vemos a agitar-se e a preiar, lembrar, comentar o que ainda não acontecu ou o que mesmo estando a acontecer ainda não revela os precisos contornos do acontecimento.
Não há cão nem gato, desde que português, nacional, íncola, que por dá cá aquela palha não seja saudado, abraçado, condecorado às vezes por apenas cumprir o seu modesto dever.
Para alguém, corrijam-me se estiver errado, que prometeu usar de cautela na atribuição de condecorações, julgo que temos assistido a um tsunami delas. Das du uma ou Portugal está a viver uma nova idade de ouro ou anda por aí algum exagero.
Claro que esta intensidade presidencial é relativamente inócua. Aliás, as pessoas, algumas, muitos porventura, ficam deliciadas. Ver o presidente em perpétuo movimento, a posar para milhões de selfies a distribuir beijinhos por toda a bochecha que lhe passe ao alcance tem sido uma característica quiçá amais marcante do seu mandato.
Desta feita, ganhei uma aposta: quando se soube do “enxame” de sismos na ilha de S Jorge, apostei com um amiga que o Presidente não demoraria três dias em ir lá. Demorou dois mas isso não alterou para melhor como conviria o postado.
Ora bem, eu acho muito bem que o PR se preocupe com os Açores, terra que segundo Eça, teve durante séculos como mostra do afecto metropolitano, o envio de juizes ou algo do mesmo género e substância. Agora já lá vão ministros e o PR- Sempre é um progresso mesmo se isso não se traduz em melhorias mais substanciais e úties.
Desta vez, S.ª Ex.ª foi tranquilizar os habitantes de S Jorge que temiam e temem algum vulcão mal disposto, algum tremor de terra mais violento.
Convenhamos, o dr. Marcelo Rebelo de Sousa é um político, um professor de Direito Constitucional, e mais um par de coisas todas boas e saudáveis. Não é, de todo em todo, um especialista em movimentos tectónicos, especialidade em que os experts são raros e demasiado cautelosos.
Ir a S Jorge acalmar a malta não aquece nem arrefece qualquer habitante das Fajãs ou de Velas. Ir até lá é no pior dos casos uma bravata, no melhor uma cândida aposta na bonomia dos movimentos do magma terrestre.
Os siemos e restantes calamidades ocorrem sem que os poderes fácticos possam fazer o que quer que seja excepto, obviamente acautelar, ajudar reconstruir
Por muito profunda que seja a influência do PR na sociedade portuguesa (Açores e S Jorge em especial, incluídos) não creio que aquela breve vista, aquela meia dúzia de frases inócuas a abater tenham seja de que modo for, influenciado o desenrolar dos acontecimentos que, aliás, se esperam o menos maléficos possível.
Imagine-se, agora, por um momento, que enquanto se dava a visita, o diabo do magma resolvia vir até à superfície, e vir com brusquidão. Já viram a barraca que era? A desajuda que a visita teria representado?
Um presidente pode morrer no cumprimento do seu dever (provavelmente Zelensky poderá desaparecer ou “ser desaparecido” assim) mas ir desta para melhor por via de um vulcão que se anuncia com milhares de sismos não me parece adequado nem obrigatório.
É claro que a visita ao local foi obviamente precedida de estudos e eventuais garantias de que a coisa não iria rebentar. Todavia, nunca fiando!
Depois, S.ª Ex.ª perdoará mas o seu curto e ousado passeio por terre ameaçadas não acalma ninguém pois ninguém acredita que isto se previna com visitas mesmo presidenciais.
A minha amiga e apostadora agora vencida, jurou-me que teria sido bonito uma morte no meio da catástrofe de lava e movimentos de terras a fugir para o mar. Algo de profundamente nórdico, islandês, por exemplo que aquilo é terra se sagas tremendas, de súbitas cóleras mais de homens que de deuses, um inferno.
É o que se chama um Gotterdammerung, coisa tremenda pouco aplicável ao jardim à beira mar plantado mesmo se o terramoto, o velho, o terrível, também tenha ocorrido sem ninguém o esperar.
Fomos, apesar de tudo, poupados a isso malgrado a má vontade da apostadora vencida que não se conforma com a derrota. O PR regressou, está salvo, irá lá mais para o verão nadar no mar açoreano e tudo acabará em bem. Q E D...