Au bonheur des dames 489
Uf! Que alívio!...
mcr, 25.4.2
58 contra 42! É uma vitória “confortável, mais que confortável sem ser esmagadora mas aproximando-se disso.
Só por ignorância atrevida é que, no caso da França, se pode menosprezar estes 16 pontos de diferença. Eu aconselharia os comentadores de sofá a melhorar o seu francês, a ler os jornais, a ouvir as opiniões dos franceses (e ontem eram multidão) mesmo do francês que na SIC explicou a duas sumidades locais e indígenas algumas pequenas nas duras verdades.
A segunda questão a que se deve prestar atenção é esta: a extrema direita francesa tem muitos e muitos anos de vida, existiu sempre , não é de hoje, de ontem ou anteontem. Basta lembrar o século XX, a longa presença contínua que vai dos inimigos de Dreyfus aos croix de Feu, a Vichy e por í fora.
Ao lado coexistiu sempre uma Direita moderada, que se dividia entre os radicais e outras espécies autóctonas. A partir da Vª República, de Gaulle federou por largos anos a Direita ms teve sempre uma extrema direita a combate-lo, incluindo com atentados sob a marca da OAS.
Por seu turno, a Esquerda francesa sempre teve um partido socialista, a SFIO, ou sja a Section Française de l’Internationale Ouvriére, fracções radicais , o PCF (a partir do Congresso de Tours, um peueno mas ágil partido trotskista e, já nos anos 60 diversas facções maoístas, ecologistas e anarquistas.
As eleições presidenciais, na Vª República sempre dividiram a França em dois . Não é de agora, de ontem (as anteriores presidenciais que viram Macron despontar), nem de hoje estes dois campos. Chirac precisou de uma “união sagrada e republicana para bater o pai Le Pen e nessa altura ninguém uivou que vinha aí o lobo...
Ou seja, no sistema eleitoral francês, houve sempre dois campos e a extrema direita sempre apostou num, enquanto a extrema esuerdase inclinava para o outro mesmo se, e aqui há um ponto importante, sempre tivesse havido sob diveras desculpas uma tendência para não escolhr o seu campo. Não é de hoje que alguma extrema esquerda se refugia na abstenção à segunda volta.
O que é mais recente, e isso ontem viu-se, é uma fracção da extrema esquerda (leia-se melenchonista ) virar-se para o regaço da srª Le Pen (e foram 20% dos eleitores da “France insoumise” darem esse passo fatal e inacreditável!).
E no capítulo dos quês se abstiveram lá esteve também uma bela fatia de adeptos de Mélenchon.
Portanto, o campo lepenista contou com os já tradicionais e reais 15-20% de adeptos puros e duros de sempre, com todos os votos de Zemour, “lebre” oportuna e útil da candidata que, pelo mero facto de existir, e de ser ultra-radical, quase a tornou frequentável, os rapazes e raparigas “jovens” e desiludidos bemcomo estractos importantes vindos da classe média que se sentem marginalizados pela globalização, pelo custode vida, pelar reformas urgentes e necessárias de Macro que tentou acabar com privilégios extraordinários e inconcebíveis numa sociedade moderna (desde a idade da reforma até aos estatutos corporativos de uma boa centena de profissões ou empresas – caso SNFC p. ex.)
Uma quarta questão que cá abriu a boca a ignorantes, é a da abstenção. A abstenção nas presidenciais atingiu 28/29%, um máximo em muitos anos. Comparem-na com a de cá e depois a gente conversa.
A alegada “atribulada” vitória de Macron, na versão lusitana, parece fazer esquecer que ganhar um segundo mandato é algo que há muito não se via em França! Pelo menos, e sem ter de ir pesquizar, recordo que nem Sarkozy (Direita) nem Holande (Esquerda) conseguiram este resultado. Percebem ou é preciso fazer um desenho.
Eu escrevi aqui não há muito tempo que desta vez as coisas estavam complicadas e havia uma forte incerteza quanto ao desfecho. Mesmo com Macron à frente, é verdade que Le Pen e Mélenchon o seguiam de perto. E também é verdade que o último nunca deu um apoio claro ao vencedor mesmo se, depois de muito instado, lá se aventurou a dizer que votar na Direita era inaceitável. E isto quando os seus jovens admiradores pintavam de igual os dois finalistas!
É bom lembrar que o re-eleito Presidente, apanhou com o covid, com os coletes amarelos, com a atual guerra, com a guerrilha dos eternamente insatisfeitos (e na França isso é mais do que uma vocação).
É por isso que volto a repetir: foi uma grande vitória, uma vitória saborosa, extremamente confortável, num cenário de incerteza e de flutuação do eleitorado que, por sua vez, fez evaporar partidos tradicionais desde o socialista aos gaulistas ou o pcf...
É obra! Por muito menos se perderam eleições noutros países.
Pessoalmente sinto-me aliviado, contente, de parabéns. Por mim, egoisticamente, por Portugal, pela Europa e pela Ucrânia.
(quanto ao sr Putin, ele que engula a derrota de uma amiga do peito que, aliás, financiou. E já isto é outro, e bom motivo, para achar que ganhei o dia de ontem e tenho mais um motivo para celebrar o de hoje que também é meu por muitas e sólidas razões como fartamente narrei em vários folhetins quase todos publicados por estas alturas.
E é altura, mais uma vez, para relembrar comovido mas alegre, dois amigos que nesses dias 24 e 25 se dispuseram a arriscar muito: Rui Feijó e Jorge Delgado, (mortos há anos) que fizeram pelo 25A mais do que eventualmente uma resma de futuros medalhados pelo Sr. Presidente da República.
*na imagem, um dos meus locais favoritos desde sempre. A esplanada do "Les deux magots" a que nunca falho. Um "express", o jornal "Le Monde" a vista da praça de St Germain des Prés e ala que se faz tarde para uma boa dúzia de livrarias, duas das quais a poucos metros de distancia. Espero estar lá daqui a um par de semanas que quase tres anos sem Paris foi horrível!