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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 515

d'oliveira, 27.07.22

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 A guerra das tranças proibidas

mcr, 27-7-22

 "...está  o Chiado carregado de mil tranças

mas tranças pretas ninguém como ela as tinha”

(tranças pretas fado antigo)

 já aqui me queixei: sou um provincial (o que ainda  passa) e um provinciano (o que é um defeito). Por várias razões todas péssimas. A mais grave é que já só sei de certas coisas pelos comentários atrasados dos jornais. 

E esta é uma delas-Uma senhora que não conheço, e que se chamará qualquer coisa Pereira, ousou  entrançar o cabelo à moda de África (ou à moda “rasta” que é puramente antilhana?). Saltaram-lhe ao caminho os filisteus do costume, inquisidores mais imbecis que preocupantes, que entenderam que  criatura por ser branca estava a “apropriar-se culturalmente” de algo definitivamente africano ou #africano-descendente” . e isso essa apropriação colonialista, racista, imperialista e racial, era mais uma prova da criminosa expropriaçãoo branca, imperialista e ocidental dos mais lídimos costumes e modas africanas.

A coisa vem contada por João Miguel Tavares um cronista do Público que, desta feita, leva demasiado a sério a burrice supina de uma outra criatura  (de raça desconhecida, eventualmente africano-descendente, o mesmo seria dizer não exactamente negra mas mestiça) que no papel de Vichinsky de saias e africano se bem que com passaporte português  exprobou a desenvoltura capilar da senhora Pereira  afirmando que ao africano as coisas africanas e à europeia bico calado e tranças à moda do Chiado como na epígrafe se pode ler.

Esta absurda, nem sequer pitoresca teoria da “apropriação cultural “  parece ser de sentido único. Qualquer criatura africana (ou africano descendente, queira isto dizer o que se quiser) pode usar o cabelo qye entender, incluindo peruca , suponho, trancinhas, com ou sem berloques, capulana se o entender (mesmo sabendo-se que as capulanas não eram fabricadas em África mas nos empórios coloniais que depois as vendiam caras e de duvidosa  duração às pobres colonizadas) e o que mais se lembrarão.

Ninguém repara na língua que a acusadora usa, o português que é seguramente uma apropriação de sentido contrário.

Também ninguém atende ao facto de as línguas vernáculas africanas estarem em iminente perigo de desaparecimento dado que todos os países africanos (não todos a Etiópia usa as suas línguas milenares, por exemplo) usam oficialmente a língua do antigo colonizador por entenderem que é a que mais facilmente se adequa à diversidade étnica do país cujas fronteiras traçadas a régua e esquadro pelos antigos colonizadores se mantêm com todas os males que isso suscita.

Também, pelos vistos, ninguém se manifesta contra outras apropriações culturais tais como o imoderado gosto de joias ocidentais (um cavalheiro africano retinto e banqueiro ( ou algo semelhante a isso... ) tinha e tem um imoderado gosto por relógios europeus de luxo, por apartamentos europeus e lisboetas de grande luxo, por toda uma série de coisas europeias caras e nem sempre de bom gosto mas luxuosas, oh quão luxuosas!, que adquiriu graças ao expediente (europeu?) de roubar umas centenas de milhões de euros às instituições que geria.

A  razão da não indignação africana ou africano-descendente é simples. Segundo um dos colaboradores permanente do “Expresso” a corrupção em África levada a cabo por políticos e empresários africanos é apenas uma normal consequência da colonização europeia e branca. Se esta não tivesse ocorrido (e no caso português  e das ex-colónias portuguesas os exemplos podem colher-se à pazada mesmo se a famosa colonização da  pátria dos heróis do mar, nação valente e etc... não tenha durado mais de cem anos porquanto os quinhentos que os iltra-nacionalistas apregoam nunca foi mais do que um arranhar nas costas africanas, em feitorias para onde se mandavam deportados e gente de mau viver  Tais tristes trópicos eram varridos pelas doenças africanas e pelas tribos belicosas que de quando em quando arrazavam tudo e dizimavam as guarnições enfraquecidas pelas febres e pela saudade.

Em Portugal, país que colonizou fracamente, que nunca teve os meios da sua ambição (e por isso apanhou com o ultimato e acabou por ser apenas o que foi mesmo se, num final apocalíptico e tremendo tenha aguentado a mais longa guerra colonial (aliás três) de que há memoria no século XX) estas discussões importadas de outros lugares só aparecem em certos pequenos círculos da periferia intelectual e ignorante de Lisboa.

Nda que se pareça com os EUA onde ao correr da aragem vão aparecendo e desaparecendo discussões igualmente acesas mas esereis mesmo se nesse país as comunidades negras tenham um outro peso e outras mais fortes razões.  (a última discussão, nossa, indígena, foi saber quem é que tinha o direito e o duvidoso privilégio de traduzir um poema medíocre de uma jovem afro americana lido durante a tomada de posse presidencial. É que havia quem uivasse que ou o tradutor era negro ou a tradução era falsa. Isto entre duas línguas francamente brancas e europeia...

O ridículo não mata mas devia deixar cicatriz como no caso dos golfinhos que se mordem desportivamente as cabeças e lombos.

Vivi em África alguns poucoe e felizes anos. Chateava os nossos criados porque queria aprender o máximo de palavras no vernáculo da região defrontava-me obviamente com dificuldades de toda a ordem pois o português dos serviçais era escasso e sobretudo nenhum deles sabia escrever. Agora, muitos, demasiados, anos mais velho possuo uma boa dúzia de dicionários dos vernáculos mais importantes (a começar pelo makua). E como aprendi todos os palavrões que consegui buscar, uso-os para insultar esta gentinha que cá, no quentinho, vai fingindo que defende os de lá que sofrem as maldades da variação climática, as canalhadas da administração corrupta, as investidas das seitas fanáticas, a fome e todas as privações imagináveis.  E apropriando-me de um título de um livro admirável de Allan Paton, também eu choro pelo amado país em que vivi em cujo combate modestamente me alistei como soldado raso. E à sombra de uma centena de autores africanos de várias cores cujas obra guardo com carinho e gratidão nestas estantes que me cercam , olho para esta gesticulação histérica e cretina e temo pelo futuro das duas párias esta que recebe essa fente e a outra da qual desertaram ignobilmente fingindo-se sei lá o quê.

O tempora o mores (outra apropriação de uma cultura e língua mortas...

 

Na vinheta: mascara zamble (etnia Guru, costa do Marfim –

atenção não confundir com outras máscaras de família próxima mas provenientes do povo Baúlé) colecção própria miseravelmente apropriada com mais umas largas dezenas por mim . com uma diferença  de peso: eu sei o que elas significam e para que servem e paguei-as pelo preço – alto!- pedido.

** uma nota para J M Tavares: não vale a pena reivindicar seja o que for de centenas de grandes músicos negos: Todos eles usaram instrumentos europeus, todos trazem também a marca de antigas músicas europeias e é isso , essa mistura de raízes fortes e generosas que torna o jazz, o blues e as restantes músicas  arte imortal.

Lady Day ou Satchmo  nunca pensaram nessas fronteiras cretinas que ,agora, por cá, três palermas usam.

 

E corra essa canzoada fraudulenta com esta interjeição insultuosa chope: Suka!