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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 526

d'oliveira, 13.09.22

E nós por cá?

mcr, 13-09-22

 

 

De repente, com o fim da pandemia, eis que regressa a discussão sobre o preço da habitação nas grandes cidades. 

Paralelamente, volta impetuosamente a gritante necessidade de alojamento estudantil em todas (ou quase todas) as cidades universitárias.

Comecemos por aqui.  Em Lisboa, Coimbra e Porto desapareceram  quase 20.000 quartos. Quase todos desviados pelos proprietários para o “alojamento local”.

As prometidas residências universitárias ou ainda estão na gaveta, ou sofreram atrasos monumentais (o que em Portugal não é excepção mas a regra de ferro deste tipo de políticas) ou foram pura e simplesmente esquecidas. 

Os poderes públicos embandeiraram em arco com a eventual chegada de mais de 50.000 estudantes ao ensino superior. Todavia, os Reitores das Universidades alarmam-se:não tem fundos, não tem salas, não tem professores nem laboratórios. Alguém vai ouvir lições de pé,alguém vai ter de aprender praticas laboratoriais por uma sebenta, alguém vai conhecer um professor velho e cansado. 

Note-se que estou a falar apenas do ensino dito superior. De um ensino onde abundam ofertas de cursos com zero empregabilidade e 100%de garantia de insatisfação e revolta daqui a três ou cinco anos. E a eimigração não resilve esse problema. Países que recebem diplomados portugueses querem médicos, enfermeiros, informáticos, engenheiros. Também eles tem demasiados licenciados em ciências humanas e quejandos.

Eu tenho a maior consideração por História, Antropologia, Sociologia Etnografia e por mais meia dúzia de cursos. Todavia, mesmo perante a inacreditável falta de professores do secundário (o Governo confessa 60.000 estudantes sem um ou mais professores, as pessoas sensatas atiram para 100.000) , verifica-se que escasseiam os candidatos ao professorado secundário! 

Ao que parece os professores sentem-se na situação de profissão degradada e isso transmitiu-se às novas gerações que chegam à Universidade. Vamos ter anos duros pela frente. Ou então iremos, como aconteceu nos últimos anos da “ditadura nacional” e primeiros do “estado novo” vamos inventar professores de via reduzida para ocupar as escolas e para ensinar uma pequena percentagem dos jovens que se escolarizavam e que eram uma minoria nas suas classes de idade. 

Um jornalista pergunta porque é que o Estado não trava a desenfreada oferta de AL, não proíbe as vendas “gold” nem controla a fuga cada vez mais rápida para subúrbios cada vez mais longínquos onde, eventualmente, uma renda de casa não esfole uma inteira família.

Eu lembraria a esse ingénuo que os ricaços estrangeiros e os nómadas  informáticos começam por ser relativamente poucos e, sobretudo dirigem-se ao topo de gama construtivo. Não são eles que desertificam os centros históricos ou espantam os cidadãos pobres e de classe média para longe. 

Direi até que a construção de luxo  tem sido a boia de salvação para certas grandes construtoras. 

Faltam habitações a preço moderado, decentes, que a classe média em rápido desaparecimento possa comprar ou sobretudo alugar. E suponho que ninguém vai pedir ao hediondo  “capital” que entre nesse mercado!

Eu lembraria que, desde há cem anos que a distorção do mercado da habitação se tornou regra. Que isso foi lenta mas seguramente, sentido por senhorios que, impotentes, viam os seus rendimentos congelados a decrescer face ao aumento natural do custo de vida. A habitação degradou-se extraordinariamente. É só passear pelos centros das cidades para o verificar. 

Note-se que o problema da desertificação dos centros das cidades, da expulsão dos menos ricos para subúrbios é algo a que se assiste em todo o mundo e sobretudo em todas as capitais. Nos países desenvolvidos, em África ou nas Américas. 

Só um ingénuo compra um prédio para arrendar. E menos ainda se, como agora, se impuser uma lei travão ao aumento de rendas de acordo com a inflação. Claro que, como aqui sugeri (mesmo sem pretender seja o que for), poderá haver compensações para os senhorios em sedo de IMI e de IRS. Resta saber se isso compensa... 

O Estado que mete o bedelho em tudo, desde que isso não lhe dê demasiado trabalho e lhe traga algum benefício, não tem uma política sólida, consolidada e expressiva de construção de habitações. Tem ele mesmo, casas e terrenos ao abandono em toda a parte. 

Abandona cidadãos que precisam de um SNS capaz e eficaz ao fanatismo de um par de ideólogos imbecis que se presumem viver no sol da terra. Sol em ocaso, como se sabe e cada vez menos risonho. 

Agora. ao abandono sanitário vai seguir-se o abandono escolar. Cresce sem margem para dúvidas um ensino privado, caro mas seguro, com professores em todas as disciplinas, com disciplina em todas as salas, bem equipadas e preparadas para receber todos quantos possam pagar. E pagar bem! Mas pagar por um ensino garantido, qualificado e eficaz. 

Eu andei no ensino público desde a primária em Buarcos e recordo, com emoção, saudade e carinho, os professores Cachulo e Mourinha. 

Frequentei os liceus da Figueira, Coimbra e Lourenço Marques de onde recordo alguns professores fora de série. Por motivos d saúde e por ter a família longe frequentei no terceiro ciclo colégios como interno (prisioneiro, diria eu que era rebelde como convinha à minha idade) onde de resto tive também um excelente ensino comprovável pelos resultados em exames nacionais e feitos em liceus públicos. 

Agora, mesmo sem creditar em excesso os colégios privados ou as comparações anuais de resultados com as escolas públicas, sou obrigado a verificar que começa a esboçar-se um ensino de qualidade para ricos e outro  onde esta não bunda ou nem sempre é regra para pobres. Como na saúde.

Como na habitação!

Como na habitação universitária que não existe. Quantos estudantes passarão por notórias dificuldades  por falta de um quarto na cidade onde estudam? Quantas famílias se endividarão para garantir aos filhos a frequência da universidade e o consequente pagamento de pensão para eles? 

Por outras palavras, de quem é a responsabilidade? 

 

(nota: começa a despontar um esforço de criação de residências universitárias privadas com o preço que se adivinha. E provavelmente com qualidade superior à que  teria a residência “oficial”, pública mas inexistente...)

Sei que a muitos dói este retrato a preto e branco (mais preto que branco) do país que temos.

 O problema é que é mesmo um retrato, uma fotografia impiedosa de algo a que não se escapa.