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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 531

d'oliveira, 26.09.22

 

 

 

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Saudando as mulheres russas

(e muitas outras...)

Mcr, 26-9-22

 

 

Não sairás daqui vivo,

não te erguerás da neve. 

De espingarda cinco feridas,

vinte oito de baioneta.

Pro amigo roupa nova 

e amarga já costuro.

Gosta do sangue, ele gosta 

do sangue, o solo russo

Ana Akhmatova (só o sangue  cheira a sangue " , Assírio & Alvim, 2000)

 

 

A televisão tem todos os defeitos que quiserem mas só ela, quase em tempo real, mostra os dramas do mundo. Ontem, em vários canais, viam-se as imagens possíveis dos protestos contra a mobilização de reservistas na Rússia.

E eram muitas, mas mesmo muitas, as mulheres presas e arrastadas pelos polícias do regime para carros celulares. Lutavam por pais, maridos, noivos e irmãos mais do que por elas mesmo se também elas se sentissem cidadãs encurraladas na mesma homicida e enlouquecida espiral de terror, violência e insanidade.

Claro que a mobilização de reservistas atinge sobretudo as regiões periféricas, pobres, abandonadas e etnicamente diversas das do povo colonizador, russo, branco e ortodoxo. Por cada morto oriundo de Moscovo há quinze vindos desses territórios longínquos onde o progresso nunca chegou. 

É assim a guerra de Putin e da clique que o apoia lá (e também cá...). De uma só vez manda para a frente da carnificina as minorias esperando não só que matem por eles, mas que morram também por eles e assim se deixem ir desaparecendo como ameaça sempre presente à etnia russa. 

O princípio é exactamente o mesmo  da mobilização nas cadeias e penitenciárias. Seja como for, mortos ou raramente sobreviventes este é um meio eficaz e económico de acabar com um problema. 

E nas zonas periféricas como nos grandes centros urbanos da Rússia, os protestos aumentam, a repressão endurece, as medidas legislativas tornam cada vez mais opressivas, quem pode foge, emigra, exila-se. Ou é preso, condenado e enviado para as frentes de guerra. 

E é por isso que as cidadãs russas, mesmo sabendo que, apesar de tudo e antes dos seus, outros marcharão e morrerão, saem para a rua e gritam. Haverá ainda quem se lembre de há meses uma muito velha senhora, provavelmente sobrevivente do cerco de Leningrado, erguer um cartaz de cartão pobre condenando a guerra. Ou daquela jornalista da televisão oficial que se atreveu a passar por trás da locutora com cartaz semelhante...

Eu que não sou russo, Deus seja louvado, que sou homem e demasiado velho e sem préstimo para qualquer guerra, desde sempre tive claro que a Humanidade  devia muito quase tudo a este tipo de mulheres que se defendiam, defendendo maridos e filhos, pais e irmãos. Porque, também elas, sabem que as guerras acabam por trazer às mulheres, a todas as mulheres, perda de direitos, sangue que cheira a sangue, maus tratos, violações, pobreza e morte.

As russas pagaram um duríssimo tributo durante a invasão alemã, já tinham tido a sua quota parte de desventura durante os anos terríveis da sovietização e dos expurgos, das deslocações maciças de populações para o Extremo Oriente. Foram elas (como as inglesas ou americanas, é bom sublinhar...) que foram mobilizadas para a fábricas e para os campos enquanto os homens combatiam. Foram elas em todos os territórios atingidos pela guerra que foram violadas aos milhares pela soldadesca invasora.

E foram elas que, uma vez terminadas as hostilidades mas não a fome, as privações e a humilhação deitaram, decididas e corajosas, mãos à obra de reconstrução. Por isso se iniciei este folhetim com um poema da admirável e perseguida Ana Akhmatova,  entendi ilustrá-lo com as mulheres de Berlin que, de mãos nuas, começaram a tentar reconstruir a sua cidade. Eram as Trummerfrauen, as mulheres  dos escombros, muitas delas condenadas por terem sido nazis mas outras, tantas ou mais, apenas mulheres vítimas da guerra, sem casa nem comida, sem marido ou noivo, viúvas antes do tempo mas valentes e decididas. 

 

E já agora, que estamos com a mão na massa, recordemos o belíssimo poema de Jacques Prévert, melhor dizendo um seu único verso: “oh Barbra quelle conerie la guerre!

 

(em tempo, uma colunista de um jornal de referência descobriu a pólvora e vem hoje afirmar que as mulheres iranianas não lutam apenas contra o hijab! Arre, que é preciso ser tonta: o hijab é, apenas e sobretudo, o sinal temível da situação a que a grande maioria da muçulmanas está sujeita pelas regras retrógradas e imbecis das autoridades religiosas, chiitas ou sunitas, acaba tudo por vir dar ao mesmo.

(Vai esta para a CG, a Ana, a Teresa, a Luísa, a Irene, a Maria João, a  Isabel  ou a Zé, e para outras que cabem aqui mas não lembro os nomes)

 

 

 

 

 

 

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