au bonheur des dames 582
“Vote num e livre-se de dois” (parte IIª)
mcr, 20-4-23
O título recorda um slogan das últimas eleições brasileiras que, embora inteligente e interessante, não deu ao candidato o primeiro lugar. Tratava-se, obviamente, de pedir o voto e lembrar que assim os eleitores e o Brasil se livravam de Bolsonaro e de Lula.
Todavia, a crispação exaltadíssima deste confronto não permitiu que as pessoas pensassem (ou arriscassem) na bondade da solução.
E Lula ganhou por um punhado de votos, obrigando milhões de brasileiros a fazer das tripas coração.
Eu não venho aqui dizer que os candidatos (estes dois) eram iguais mas tão somente que o Brasil merecia outra sorte. Não estou sequer a sugerir que a anterior prisão e Lula foi merecida mas apenas relembrar que no seu primeiro mandato houve o “mensalão” e que só a fidelidade de um grupo de personagens do seu círculo mais íntimo o salvou de um mais que merecido “impeachment”. Por muito menos a sua sucessora foi derrubada mas isso é outra história...
Bolsonaro, um pobre diabo, arrogante e pretensioso, que durante um ror de anos vegetara na parlamento sem que dele se ouvisse algo de útil, ganhou a eleição seguinte porque o pobre do candidato do PT foi percebido como um mero pau mandado de Lula, na altura preso. De resto a campanha estava toda ela encaminha para um perdão imediato de Lula que, depois foi absolvido como se sabe.
Nãoesqueço, também que Lula foi um corajoso e eficaz dirigente sindical (coisa, de passo, aconteceu com menos brilho com Mauro o ditador da Venezuela criado na sombra do general golpista Chavez.
Resumindo, foi a ojeriza generalizada a Bolsonado (o imbrochável!!!) que trouxe Lula de volta. Uma mais que heterogénea coligação de partidos, organizações e pessoas fê-lo voltar ao Palácio do Planalto. Os eleitores lá pensaram e bem que contra Bolsonaro valia tudo. A ver vamos, como dizia o cego. E chegamos finalmente ao motivo do folhetim: Lula virá a Portugal depois de um convite trapalhão que inclusive metia discurso na sessão solene do 25 A. Outra trapalhada que doi resolvida trapalhonamente. Lula discursará pela manhã e a sessão far-se-á à tarde! Vai ser um dia comprido para deputados e as habituais criaturas que enchem a sala exibindo fartamente cravos vermelhos.
Aqui para nós, não me interessa minimamente a comemoração que costuma ser de uma chateza absoluta e recheada de narizes de cera.
Se o dia estiver, como se espera, bom, o povo irá para a praia se não tiver aproveitado para um ponte no Algarve. Um grupo de indomáveis descerá a Avenida e no dia seguinte voltar-se-á as preocupações do dia a dia. E esperar-se-á pelo 10 de junho...
Entretanto, em Portugal, e seguramente noutras partes do mundo mais atentas, está em discussão as bizarras declarações do actual Presidente do Brasil.
Neste momento, é cada vez mais difícil perceber o que Lula disse sobre a guerra de agressão perpetrada pela Rússia contra a Ucrânia por um par de razões. Já disse e desdisse várias coisas (ainda ontem, voltou à carga desdizendo parte do que afirmara em Pequim). Resumidamente Lula declarou que há que reunir um grupo de países para tentar sentar russos (agressores) e ucranianos (agredidos) na mesma mesa. Propõe, pelos vistos a China (que continua a manter uma atitude ambígua mas que jura eterna amizade com a Rússia) , a Indonésia (?), o Brasil e mais não sei quem.
Mais disse: que “Zelensky não pode ter tudo” ou seja que deverá abrir mão da Crimeia (território da Ucrânia desde os tempos da URSS de Krutschev) não explicando se o Donbass e os oblasts de Kerson e Zaporigia também entram nessa cedência.
Conviria lembrar que desde os inícios da ONU, a Ucrânia era, com a Bielorrusia um dos três países soviéticos com assento e direito de voto, o que presumia uma independência que só o era de fachada.
Lembremos ainda que depois da Revolução de 1917 a mesma Ucrânia foi episodicamente independente e depois foi com outras nações (desde a Geórgia até à Letónia e da Arménia até à Lituânia) incluída numa União de Repúblicas Socialistas Soviéticas que mais não era do que a extensão do Império czarista sem os Romanof mas com Lenin, Stalin e assimilados.
Ninguém pode obrigar Lula a saber isto mas de certeza que ele terá assessores que o poderão ilustrar.
A segunda afirmaçãoo de Lula é que não é a Rússia que agride mas os AEUA, a União Europeia e a NATO que prolongam a guerra.
Não lhe terá passado pela cabecinha (ignorante ou mal formada?) que o Ocidente apenas e, até agora tem fornecido armas de defesa, a conta gotas, para evitar que a agressão bárbara não progredisse.
Convenhamos que na véspera de uma vinda à Europa, isto pareceria surpreendente ou (eventualmente) provocatório.
Ou, tão só, uma clara tomada de posição que desfaz toda e qualquer ambição de fazer parte de um “grupo de países amigos” que tentariam pôr um fim a 14 meses de agressão.
Entretanto, a “chancelaria” brasileira já por duas vezes votou na ONU moções conformes ao sentimento geral e claramente maioritário da Assembleia Geral.
Dado o vertiginoso processo de sucessivas declarações ainda poderemos ter direito a mais opiniões de Lula.
Tenho as maiores dúvidas sobre o que o Governo português e o Presidente da República dirão ao Presidente brasileiro. Entre nós o Brasil ainda é uma comovida e parola lembrança do império mesmo se os brasileiros não partilhem esse extremado amor.
Poder-se-ia pensar que Portugal tem fortíssimos interesses económicos no Brasil mas nem isso. Falamos uma língua comum mas fortemente desigual a que um Acordo imbecil deu ainda maior repercussão. Temos um forte e simpática comunidade brasileira que aqui procura trabalho, vida serena e pacífica. Haverá no Brasil uma multidão de cidadãos que tem uma já longínqua origem portuguesa. Mas o Brasil (tirando aquele péssimo negocio da TAP) é cada vez menos (salvo a exploração do petróleo pela GALP) um alvo da economia portuguesa.
Pelos vistos, Lula irá a Moscovo brevemente. Fará um desvio por Kiev? Interessará a Kiev tal desvio, dadas as declarações sobre a Crimeia e a prevenção de que Zelensly não deve ambicionar ter tudo, como se a Ucrânia tivesse ocupado uma parte importante do território russo?
Os russistas indígenas embandeiraram em arco com as declarações de Lula, e obviamente acham maravilhosa a solução da recepção na AR . Resta saber se, a exemplo do que aconteceu com o discurso gravado de Zelensky, haverá cadeiras vazias na sessão da manhã do dia 25?
E se alguém terá a coragem, melhor dizendo, a dignidade, de explicar que, aqui ,e sem quaisquer dúvidas, há um agressor e um agredido, há uma clara acção contra as regras internacionais e contra tudo o que a ONU pretende defender e representar.
*a vinheta: mulher grávida (que veio a morrer juntamente com a criança que estava para nascer) saída do hospital de Mariupol bombardeado pelos russos e que o Ministro dos negócios estrangeiros russos acusou de ser um quartel cheio de soldados mesmo tendo visto mais pacientes a serem retiradas...
O homenzinho conseguirá ver-se ao espelho?