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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 588

d'oliveira, 23.08.23

 

 

 

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Isto é, como s cerejas...

mcr,  23-8-23  

 

Infelizmente o título é verdadeiro. Melhor dizendo, mais que verdadeiro se é que a expressão ainda significa que as coisas se sucedem mesmo contra a nossa vontade.

No meu último folhetim, referi-me à morte de um doe meus melhores amigos, daqueles que conhecemos desde sempre, desde a mis recuada infância, daqueles que, como diz a minha cunhada Zé, fazem com que, a cada encontro, o meu irmão (e eu próprio, estejamos permanente com um sorriso ternurento . Isto durante horas como sesubitamente alguma coisa, um milagre, nos tivesse transportado muitos anosatás, às longuíssimas férias de verão na praia, a chapinhar na rebentação, sob o olhar atento de algum dos múltiplos familiares adultos que tinham de se revezar para nos nos perder de vista que a miudagem é perigosa, imprudente e imprevisível. 

Desta feita, por motivos sem importância (tratava-se de verificar se o crítico Jorge Leitão Ramos, tinha razão ao afirmar que o primeiro filme de Bergman em Portugal fora “Paixão”. Estarei enganado mas tenho uma quase absoluta certeza que foi “Morangos Silvestres” uma produção de 1957 que poderá ter-se estreado por cá entre 61 e 63. Durante a pesquisa- sem resultado- na internet caí, por mero acaso, em Marco Bellochio, cineasta italiano, autor de uma boa vintena de bons filmes e, particularmente, de “I Pugni in tasca”(não recordo o título português), “O diabo no corpo” e “Marx pode esperar” (que provavelmente não passou em Portugal). 

A simples menção do nome Bellochio fez-me voltar a Itália, em finais de 80, princípios de 90, quando, em nome da pátria madrasta me desloquei a Piacenza  para um festival de marionetas.

Na época, e no Porto, realizava-se um excelente festival internacional de marionetas, organizado pela Isabl Alves Costa que era inteligente, empenhada, conhecedora e absolutamente anárquica quanto a aspectos práticos, a intendência. Nessa época eu trabalhava na Delegação Regional de Cultura do Norte com mais colegas dávamos o necessário apoio à exuberante Isabel. Por isso, terei ido a Piacenza dom ela, com um grupo de bailado portuense que iria participar num espectáculo conjunto de dança e de marionetas em Piacenza.  Devo dizer que jamais (jamé! Como dizia um pitoresco ministro...) fui tão bem recebido como nessa pequena cidade. O director do festival fez questão de me emprestar o seu carro e pude conhecer Parma, Mântua, Cremona enquanto os ensaios decorriam e eu nada tinha que fazer. 

Logo no primeiro dia em Piancenza, fui convidado para jantar num restaurante que pertencia ou era gerido por uma senhora Bellochio. A comida era mais do que boa e resolvi com o director do festival ir cumprimentar a proprietária e eventual cozinheira. Quando a conheci, perguntei-lhe se terá familiar de Marco Bellochio. Que sim, era mãe. No seguimento da conversa disse-me que um outro seu filho (seriam oito!!!) Piergiorgio Bellochio estava no restaurante. 

Ora eu conhecia esse nome porque, a conselho do José Leal Loureiro, subscrevi durante algum tempo os “Quaderni Piacentini”. Tratava-se de uma excelente revista, esquerda italiana que durou desde 60 a 84 do século passado. O seudirectoe e fundador era jultamente este Bellochio que por absoluto acaso encontri  no restaurante da mãe. 

Quando cheguei à falar com ele, onformei-o da minha anterior assinatura da revista e ele apenas me disse “ah! É,s então, o outro assinante (não sei se do Porto ou de Portugal inteiro, sendo o antes mencionado Zé Leal Loureiro o primeiro e, pelos vistos, conhecido leitor e amigo de Piergiórgio. ).

E, como estava m anteontem a “navegar” pela internet, descobri com pesar que também ele morrera há um par de anos. 

Cm a idade que levo, a morte é uma companheira quase diária e vai avisando cada vez mais cruamente que a minha vez chegará enquanto vão rareando conhecidos e amigos à minha volta.

Curiosamente, esta não foi a única vez que, em Itália, alguém me falou de amigos meus. Certa vez, em Veneza, is eu com a CG a caminho do nosso hotel quando ela, num rugido de suroresa e alegria, deu com uma loja que vendia novelos de lã. Precipitou-se sobre o indefeso estabelecimento entrou nele avisando-me que aquilo era coisa para uma boa meia hora. Abanfonado no meio da rua, olhei desamparado à volta e vi uma livraria. Claro que, milagres destes nunca se desaproveitam. A livraria era excelente. Resolvi, passada a meia hora aprazada pedir ao amável livreiro, um cartão com o nome da livraria e o endereço para lá voltar com o vagar devido ao sumptuoso recheio da loja. E, surpreendido, percebi que se chamava “marca d’ acqua “ (suponho que em homenagem ao título homónimo de Brodsky) r que me fora recomendada por um vizinho e amigo do Porto. Quando disse isso ao livreiro, ele prontamente retorquiu “De certeza que está a falar do António Abreu!”

E era verdade. A médico António Abreu meu vizinho era um apaixonado pr Veneza e, todos os nos, passava lá uma quinzena numa casa alugada  no Casaregio. 

Como a Isabel, o Zé Loureiro ou o Piergiórgio, o António já não mora aqui. Agora, com os outros é apenas uma amável recordação, uma “memória da alegria” para citar um título do Eugénio de Andrade, autor que comecei a conhecer por um simples verso 

“estas só e o teu encontro vem a grande ponte sobre o rio”. Isto, sussurrado por uma namoradinha, chamada Irene, foi quanto me bastou para ir a correr saber do poeta  que muitos anos depois vim a conhecer pessoalmente.

E neste agosto calmoso ( “o sol é grande e caem co’ a calma as aves”, Sá de Miranda) vou escolhendo uma moeda para o barqueiro quando a minha vez chegar. Não é exactamente uma ponte mas enfim para última viagem também serve. 

    

*na vinheta: cartaz original de "i pugni in tasca" de Marco Bellochio