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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 607

mcr, 23.11.23

Ler ou tresler?

mcr, 23-11-23

 

O texto "teoria do copo de água" (au bonheur des dames 606 de 12 deste mês ) mereceu, ,mais de uma semana depois, comentários de três leitores  que ou não leram o que escrevi ou tendo lido não perceberam ou, pior ainda, tentam mover-me um processo de intenções que felizmente umasimples leitora do parágrafo (logo o primeiro!) desmonta e nega. De facto eu começava por recordar a minha "ida às sortes" no longínquo ano de 1961, mais precisamente nos primeiros dias de Janeiro, estava o país tranquilo, ronronando sem perceber que três meses depois a guerra irromperia em Angola.

E irrompeu, apanhando o Governo, os militares, a PIDE (que nas colónias servia de serviço de informação) de "calças na mão"

Mais. apanhou toda a oposição de surpresa, incluindo até as poucas dezenas de estudantes angolanos que frequentavam a universidade de Coimbra. Estou absolutamente certo disso pois, por essa época, era uma espécie de "cabide" da "República dos 1000-y-onarius" constituída apenas por estudantes vindos de Angola. 

É verdade que nas franjas mais radicais da 2oposicrática" juvenil já circulava a contestação ao sistema colonial, já se contavam histórias sinistras da repressão em certas zonas, nomeadamente da repressão aos camponeses negros que por várias vezes e em Angola como em Moçambique se revoltavam contra as administrações coloniais, sobretudo as locais. Porém, mesmo entre a velha oposição republicana a questão colonial ainda não se punha, bem pelo contrário como alguém mais curioso poderá verificar lendo o livrinho de Cunha Leal "O colonialismo dos anticolonialistas". Ou, querendo, desandar para uma biblioteca e pedindo para consultar os jornais da época, "República" incluído.

Quando o dr Salazar soltou o seu famoso grito de guerra "para Angola já e em força" pode afirmar-se sem receio que uma grande percentagem da população ouviu, consentiu ou até se mostrou entusiasmada. Mesmo nos círculos estudantis progressistas a questão teve ecos diversos sobretudo porque o levantamento da UPA no norte de Angola se revestiu de extrema violência não poupando mulheres, crianças brancas e negras ou mulatas  e servidores negros recrutados noutros pontos da colónia e, portanto, não ba-kongo.

Deita esta pequena síntese histórica voltemos à minha inspecção militar efectuada, repito, meses antes da eclosão da guerra ou até das histilidades que em Luanda a precederam mesmo se de origem partidária diferente. 

Como contei, fui inspeccionado  nas instalações degradadas de um dos famosos "colégios" universitários mandados .construir por D João III

A equipa inspectora era constituída por três oficiais  superiores idosos  sentados  lá ao fundo e por um jovem médico miliciano aspirante ou alferes e que eu vagamente conhecia justamente de meios relacionados com a República acima mencionada. 

É provável  que esse jovem "ultramarino" soubesse de algo e tivesse querido poupar o magricela desengonçado que eu era. Por isso me perguntou se eu fazia questão em fazer a tropa. Respondi-lhe sem grande esforço ou fervor que não que a coisa não era o meu ideal de vida. Foi por isso que, ele me subiu um par de centímetros à altura e me abateu outro tanto de quilos aos miseráveis 57 quilos que eu pesava. 

Três leitores que, pelos vistos, só leram parte do parágrafo (o primeiro em dezanove!!!) entenderam

a) que eu adoro cunhas (as que são a favor...) e me sinta embaraçado por o confessar (!!!)

b) que graças a uma cunha não parti para África pelo que outro foi em  meu lugar (e até pode ter morrido...)

c) que "sempre fui amigo de cuinhas" o que significa que "para beneficiar um outro fica para trás"

 

Nenhum se deu ao trabalho de assinar sequer de usar um pseudónimo. 

É com eles mas confesso que fico surpreendido com tanta  e solidária comunhão de sentimentos sobretudo quando em parte alguma do meu texto se vislumbra sequer um murmúrio de pedido ao jovem médico algo que, efectivamente  nunca me passaria pela cabeça solicitar tanto mais que estavam ao fundo os três idosos oficiais que poderiam ouvir ou desconfiar se me vissem dizer fosse o que fosse a minha concordância foi murmurada e rápida).

Em boa verdade, livrei-me da tropa mas não me livrei de catorze anos de oposição activa, de prisões várias, de interrogatórios bastante duros com incidência nas habituais práticas de "sono" e de "estatua". Durante esses anos leei a cabo várias passagens de fronteira conduzindo desertores e refractários para Espanha tendo inclusive, como também aqui relatei, sido uma vez detido por um par de horas pela "Guardia Civil" que me tomou por "passador " a troco de dinheiro.

Se, porventura, tivesse sido reinspeccionado teria saído imediatamente do país sem sequer esperar pela passagem por Mafra.

Como também já aqui escrevi, mesmo estando de acordo com a fuga à guerra por deserção ou mesmo como refractário, nunca condenei todos quantos ou não souberam ou não puderam evitar África e as frentes de combate. De resto um importante partido político português  entendia que os seus militantes deveriam na medida do possível ir para África e fazer aí "trabalho político" contra a guerra e pela libertação das colónias. Pessoalmente sempre discordei pois tais tarefas eram quase impossíveis e levavam (basta lembrar o Manuel Alegre) o seu autor rapidamente à prisão militar.

Tudo o que acima digo também por aqui foi sendo escrito ao longo destes quase dezoito anos de blogue. Há mesmo um par de textos em que tive o cuidado de defender e justificar combatentes que não tiveram outro remédio senão ir para África e para frentes de combate. Uns porque acreditavam no mito do império, no Portugal do Minho a Timor, outros porque não queriam emigrar ou abandonar familiares, a terra e os amigos.

Não faço parte dos recém conversos de 26 de Abril, dos Ferrabrazes  radicais que propsperaram durante o PREC ou até agora que, desconhecendo a História, o País e o Povo prometem tremendod amanhãs que cantam como se os que, in illo tempore, foram notícia e slogan não tivessem acabado em sangue, pobreza, prisão e medo.  

Não sei nem pretendo saber o que é que estes meus três comentadores (uma espécie de trindade laica redutível à unidade tantas são as convergências de opinião...) pensam disto tudo, qual a razão porque me imputam um exacerbado amor pela cunha, logo eu que nunca as meti  por mim e tão pouco aceitei no decusso da minha vida profissional. A menos que não saibam o que é uma "cunha", coisa sempre possível nestes tempos de português ultra básico.

Um dos comentadores (basta ir à caixa de documentários ainda acrescenta que eu não respondo a comentários o que é uma tolice pois aí está de novo a caixa dos comentários para o desmentir. Aqui só não se responde a despropósitos ou a opiniões que nada tem a ver com o que publico. Se alguém quiser dizer o que pensa do mundo, da vida, da política que faça o favor de se dirigir ao blogue (não a mim que nunca soube como isto funciona) e diga de sua justiça. Ou que crie um blogue coisa que provavelmente não será difícil. 

Finalmente, fico sem perceber como é que em 19 ou vinte parágrafos as atenções se fixem logo no primeiro. Será que depois desse tremendo esforço intelectual de leitura as pessoas se cansaram e deixaram o resto para as calendas gregas?  Também podem ter detestado os parágrafos remanescentes  e por isso terem apenas respondido ao primeiro. Com um problema: não responderam. Porque não o leram, ou então, tresleram. É com elas.  Conversa acabada.