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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au bonheur des dames 617

mcr, 21.04.24

De minibus curat pretor?

mcr, 21-4-24

 

 

O sr. tenente coronel Vasco Lourenço, auto proclamado representante da "revolução dos cravos veio, outra vez dizer o habitual par de banalidades que usa desde sempre para falar da sua  posição sobre Abril. A criatura vai-se repetindo, ano após ano graças a jornalistas com pouca imaginação que sabem que ali tem sempre uma dúzia de narizes de cera sore a aventura dos "capitães" de Abril. 

Desta feita o entrevistador de serviço escolheu para realçar a chamada à leitura  pouco entusiasmante do monólogo de VL  a frase " os verdadeiros pais da democracia são os capitães de Abril". 

(Quanto às mães nada!)

 

Digamos que, a propósito da jactância do brioso militar, Brecht escreveu o poema "perguntas de um operário leitor" de que só cito um par de versos. 

"César bateu os Gálios.

 Não ter consigo um cozinheiro ao menos?" 

Conviria lembrar, se é que vale a pena, que juntamente com os militares profissionais de que VL faz parte marcharam umas dezenas de jovens oficiais milicianos bem como uma chusma de soldados que faziam o smo.

 

Pelos vistos não partilham a paternidade de VL  mesmo se, como foi o caso, quase todos soubessem o que arriscavam

Também, pelos vistos, no país que sofria as agruras de um regime implantado por militares (os de Maio, sustentado anos a fio por esses mesmos cavalheiros) ninguém se incomodava. 

Ora, correndo o risco de me auto elogiar (eu e milhares de companheiros, colegas e amigos da mesma idade de VL que, desde 1960 fazíamos o que podíamos nas universidades mas não só)contra  o Estado Novo) mesmo sem querermos ser pais, mães, tios, avós ou sequer primos da Democracia versão Lourenço, nunca nos negámos aocombate. É verdade que não tínhamos armas, nem provavemente as saberíamos usar, ma passamos pelas cadeias políticas  vezes sem conta, andámos na clandestinidade, em fuga, no exílio ou, ironia da sorte muitos foram mobilizados e morreram em África ou de lá regressaram fortemente traumatizados.

Mas além desta malta da minha geração, outras houve, e desde o dia 29 de Maio de 1926 que se opusera, que lutaram, que resistiram, que deram com os ossos no Tarrafal ou em Peniche  sem que os militares da altura e mesmo os do tempo do sr tenente coronel se dessem por achados,

Convenhamos, demorou muito tempo, pelo menos uma boa dúzia de anos para que, finalmente, no seio da tropa, despontasse um movimento que começou como se sabe por questões de estatuto militar e que, graças a uma guerra que paulatinamente assumia proporções de tragédia (portuguesa e africana) e que era condenada em toda a parte, para que os que tinham armas, conhecimento delas, tiopas ao dispor se fartassem, se indignassem se revoltassem.

Ninguém nega ao sr. tenente coronel Lourenço e a todos (todos, todos...) os que marcharam na noite de 24 para 25 até Lisboa um aplauso e a gratidão que logo e revelou nas ruas de Lisboa  e do resto do país logo que começaram a ouvir-se as primeiras (e confusas) notícias. 

No Largo do Carmo, e nas ruas que para lá convergiam ainda Salgueiro Maia não tinha mandado disparar um só tiro e já uma multidão de paisanos se aglomerava, se pendurava nos tanques, oferecia cigarros e comida aos soldados e berrava a plenos pulmões contra a GNR, o regime, Marcelo Caetano  enfim clamava, aplaudia a liberdade que ainda parecia duvidosa. 

O programa do MFA transmitido pela televisão ao inicio da noite era, queira VL ou não um punhado de boas intenções mas não um verdadeiro projecto de Democracia. Até ali tudo o que se proclamava cheirava a mero golpe de Estado mas não a revolução democrática. Nem sequer estava clra a libertação ds presos políticos que, aliás, ainda andou embrulhada numa estúpida distinção entre crimes ...

O MFA iniciou um processo que num par de meses se transformou em Revolução. Esta foi-se fazendo ao longo de tempos nem sempre fáceis e em boa verdade só depois de Novembro do ano seguinte, começou a ser  pensada e reconduzida a estrictos caminhos democráticos. E mesmo depois, já com uma Constituição, eleições, Governos  ainda houve uma forte intromissão dos putativos pais da democracia  ou de quem era seu delegado (refiro-me ao Conselho d Revolução de que VL foi membro até à sua tardia extinção)tenente  

 Por outras palavras, os militares tardaram em regressar aos quartéis. E não foi por acaso que até a Presidência da República  foi primeiro (e por duas vezes) disputada por militares.

o tenente coronel Vasco Lourenço pode não ter tido a oportunidade de se distinguir como Salgueiro Maia, Otelo (que depois deu no que deu...) ou Melo Antunes. 

De todo o modo sobreviveu a todos e é o presidente da Associação 25 de Abril. Todavia, é ele quem todos os anos distribui os louvores e as repreensões  aos políticos. É provaável que estes façam orelhas moucas ao papel deste censor das sensibilidades democráticas mas  enquanto houver jornalistas sem assunto e lugares comuns para debitar teremos e sempre na mesma data Vasco Lourenço

Seria bom que alguém lhe explicasse que os movimentos colectivos são isso mesmo, colectivos sem pai nem mãe ou então com uma gigantesca quantidade de actores que felizmente não se atribuem mais louros do que os devidos

E, já agora, seria igualmente interessante que alguém lhe dissesse que foram militares e quase só militares os fautores do 28 de Maio, os protectores do dr Salazar, os defensores do regime por ele instituído e, durante largas dezenas de anos os beneficiários desse regime. Depois, uma guerra inútil e fora do tempo, lá os foi lentamente convencendo de um par de verdades contemporâneas. Mas demoraram bastante tempo a percebê-lo

 

(o título deste folhetim refere uma famosa frase jurídica "de minibus non curat praetor" que significa que o julgador não trata de trivialidades. Porém,  eu estou como o jornalista sem novidades. E não tendo o bey de Tunes à mão socorri-me da prata da casa. )