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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des dames 618

mcr, 24.04.24

Amava(mos) a vida e  a liberdade

mcr, 24-4-24

 

Quem, generosamente ,me vai lendo e aturando sabe que nestes dias, volto a um tema de sempre, a esse dia inicial e limpo e luminoso que dividiu para sempre a minha vida e a vida de todos queiram eles ou não os que, à época, por cá andavam.  

Por cá, e pelos ásperos caminhos da emigração, da clandestinidade, da aventura, da guerra  ou  e é útil e bom lembrá-lo) estavam encerrados em atrozes enxovias  de que só refiro Peniche ou Caxias (e esta foi a minha casa um largo par de vezes...)

Hoje o "Público" traz além de um par de notícias, uma singela mas justíssima homenagem a Mário Soares  e intitulava um dos textos com o título do folhetim. Mais precisamente "amava a liberdade...

Começo por essa figura incontornável que tive a honra e o prazer de conhecer no rescaldo da crise de 69, em Coimbra, na República dos Kagados, num encontro organizado pelo Luís Filipe Madeira. Soares vinha solidarizar-se com a malta de 69 e, eventualmente, recrutar alguns militantes para A ASP (antecessora do PS). Graças a uma conversa que mantive durante uma boa meia hora com Catanho de Meneses, Soares tratou-me com extrema gentileza  mesmo se eu, inebriado pelos ardores combinados da juventude e do Maio francês não tivesse (coisa de que posteriormente me arrependi e lhe comuniquei por alturas da 1ª campanha presidencial), não tivesse correspondido ao propósito da reunião. De resto, na altura, quase ninguém, tirando o Luís Filipe, tivesse assentado praça na minúscula aventura socialista. 

Nessa reportagem refere-se um modesto hotel na r. de Medicis em Paris  que conheço bem por desde 1968 ter nele pernoitado. Aliás foi quase sempre o meu hotel não só porque era a bom preço mas também porque estava a dois passos do meu mundo parisiense e, além do mais, nas traseiras da enorme livraria Joseph Gibert, quatro ou cinco andares de livros!

Para alguns presumidos (e presunçosos) "pais da democracia" é provável que não se lembrem, ou façam por não se lembrar desta enorme figura que, desde os anos quarenta e picos, esteve em todos os combates e em várias prisões, para não falar na deportação em S Tomé e no exílio.

Também farão por não se lembrar de uma série enorme de portugueses eportuguesas  que comeram o pão que o diabo e a ditadura amassaram , enquanto eles ainda não tinham "visto a luz" nem percorrido a sua especial "estrada de Damasco". 

E, se essas excelentíssimas figuras me permitem, quero aqui chamar  Rui Feijó, Jorge Delgado, Paulo Quintela, Luís de Albuquerque, Joaquim Namorado, Marcos Viana, "Fred" Fernandes Martins JJ Teixeira Ribeiro. Judite Mendes de Abreu, Alcinda Delgado, para só citar algumas das figuras mais velhas com quem privei, com quem aprendi, que admirei e a quem estou profundamente reconhecido.

E acrescentaria, já agora, "rapazes  e raparigas" do meu tempo, a Fernanda da Bernarda, a Fernanda Granado,              o António Mendes de Abreu, o Luís Bagulho, o João Quintela, os dois Alfredos (Fernandes Martins e Soveral Martins), João Bilhau, Alfredo Estrela Esteves,  Abílio Vieira, Jorge Bretão, Carlos Candal, Helena Aguiar, José Augusto Rocha, João Amaral, Aníbal Almeida, José Barros Moura, António Taborda, Francisco Delgado, José Luis Nunes, Mário Brochado Coelho, Irene Namorado, Manuel Sousa Pereira e mais dez, cem, mil com quem convivi, com quem partilhei a prisão, com quem conspirei, todos já desaparecidos.

E se os cito, esquecendo seguramente muitos mais, é apenas porque, desde sempre, pretendi e acredito que a História se faz colectivamente, mesmo se, como a floresta esteja pejada de árvores de todos os tamanhos  que ajudam, protegem  e contribuem para a paisagem, o clima, a retenção da água e do carbono. 

O 25 é isto, o resultado disto, a história disto, um misto de generosidade, civismo, coragem, angústia e esperança. E teimosia, claro, trabalho miudinho, constante sem se perceberem bem os resultados.

Estes meus amigos, todos já mortos, semearam a liberdade e agora fecundam a mãe terra e deixam em quem os recorda um terno, suave, alento

Celebremo-los amanhã seja de que modo for. Marchando Avenida abaixo, reunindo com amigos, conversando cm filhos e netos,  passeando à beira mar e relembrando as canções daquele tempo por exemplo esta com letra de Carlos de Oliveira, outro que tal, luminoso poeta escritos da Gândara que nos deixou um par de livros que teimam em estar vivos e legíveis. A música é, como não poderia deixar de ser, de Fernando Lopes Graça

 

......................

 Terra Pátria serás nossa,

Livre e descoberta enfim,

Serás nossa,

Ou este sangue o teu fim.

 

E se a loucura da sorte 

assim nos quiser perder, 

Abre os teus braços de morte 

E deixa-nos aquecer.‎ 

 

 

*  o poema chama-se Mãe pobre e faz parte das "Canções Heroicas" de Fernando Lopes Graça

Vai o folhetim para Mª João Delgado, Teresa e Luisa Feijó, Isabel Punro, Isabel Coutubo, amélia Campos, João Vasconcelos Costa, Francisco Guedes, Mª Jsé Carvalho e Drancisco Belard 

E em homenagem a dois poetas maiores amigos certos que escreveram em vários tons a vida e a liberdade: Fernando Assis Pacheco e Manuel António Pina