au bonheur des dames 620
Teresa Alegre Portugal
mcr, 8-11-24
Provavelmente, o nome dirá pouco a muita gente Haverá quem a tenha conhecido como Teresa Alegre, irmã do poeta ou Teresa Portugal mulher do António, enorme músico de Coimbra, auto entre tantas, da música da "trova do vento que passa", verdadeiro e belíssimo hino da minha geração.
Todavia a Teresa era muito mais do que irmã de um ou mulher do outro.
A Teresa, como as estrelas, tinha luz própria e nunca pairou na órbita de outros mesmo grandes.
Conheci-a pouco depois de chegar a Coimbra já o marido e o irmão eram figuras conhecidas na Academia mas logo que pela primeira vez, falei com ela percebi que aquela jovem mulher (era dois anos mais velha do que eu) sabia bem o que queria, como queria, tinha opiniões próprias, ousadas, mesmo que uma aparente sensatez e um tom pausado na conversa , a fizessem parecer modesta.
A Teresa, deixem-me dizê-lo já, era forte, cabeçuda, lutadora , bonita e parecia ter jeito para tudo, sobretudo para o teatro, sempre o CITAC onde deixou uma bela marca como actriz.
Convenhamos que não era fácil ser mulher de um guitarrista do tamanho do António Portugal, excelente amigo e companheiro de tantas lutas ou irmã do Manel amigo também ele, poeta que se tornava notado, orador brilhante nas assembleias magnas e claramente um dos líderes da Esquerda estudantil coimbrã.
(deixemos aqui uma pequena recordação de sua mãe, outra senhora notável que o Assis celebra num belo poema que alguma vez recitei em público numa das celebrações deste outro grande nome da poesia portuguesa e que também me honrou com a sua amizade ao ponto de me dedicar um dos seus livros.)
O acaso, vida, a sua indisponibilidade para os jogos políticos fizeram com que ela tivesse uma carreira política cheia mas muito local. Foi deputada pelo PS mas fundamentalmente esteve ligada com vereadora à Câmara de Coimbra. Ignoro a razão porque nunca quis disputar a presidência daquela Câmara mas suspeito que não estava para compromissos que uma presidência de Câmara implica.
A Teresa era de uma independência quase feroz, mesmo se a expressava com um sorriso amável, discreto e uma voz pausada (uma bonita voz, diga-se de passagem que nisso ela era muito parecida com o irmão...)
Conheci um belo quarteirão de mulheres que me deixaram sempre a impressão que me ensinavam qualquer coia, que me melhoravam e que provavam com a sua vida e atitude aquela máxima atribuída a Mao Tse Tung (ou Zedong se preferirem) : as mulheres são metade do céu. Muitas ainda estão vivas mas aproveito o momento para citar a Helena Aguiar, a Fernanda da Bernarda ou a maria Manuel Viana , minha prima que praticamente vi nascer, crescer, escrever e morrer de um estúpido cancro depois da morte do filho Manuel num acidente ainda mais estúpido e cruel. Nesta minha longa travessia conheci outras na Alemanha, França Itália, Espanha ou Holanda por onde felizmente andei o tempo suficiente para ganhar algum mundo e perceber melhor Portugal. Sou, de certeza, o pior feminista que conheço ou, pelo menos o que viu mais mulheres fora do comum, resignarem-se de certo modo a uma quase clandestinidade que as impediu malgrado as suas qualificações, talento e inteligência, malbaratando as suas capacidades em gerir muito mais do que poderiam ter gerido.
Incluo nesse grupo outra grande Senhora que conheci na mesma época coimbrã e que se chamava Maria( de Jesus) Barroso. E se a cito com carinho e respeito é porque também foi através do teatro que tive oportunidade de a conhecer e falar com ela. Haveria de encontrar mais tarde e em circunstâncias mais agradáveis quando Mário Soares se candidatou à Presidência da República. Maria Barroso que além de resistente, professora, deputada teve um forte papel como primeira dama e mais tarde noutra funções Sobre s minhas amigas já citades tinha uma vantagem: vivia em Lisboa e isso pesa . Estava n o lugar certo e à hora certa E tinha uma enorme coragem.
quem me lê já conhece estas digressões um pouco fora o texto mas julgo que apenas ilustram um par de pontos de vista e permitem pelos exemplos colocar no seu devido lugar tudo o que quereria dizer.
Sou um leitor (e comprador, já agora) de jornais e revistas. Por isso espanta-me (ou talvez não...) o pouco relevo dado à morte da Teresa. Também essa escassez de notícias diz muito das razões da cris crise que afecta a imprensa escrita. ..
Morreu a Teresa há dois dias e só hoje soube disso. É tarde para o enterro mas nem por isso quero deixar bem claro que, para mim, seu amigo antigo e infiel, foi uma honra, um privilégio, uma alegria e uma imensa sorte tê-la conhecido
Um abraço aos familiares outro bem sentido ao Manel e também a todos os que comigo tiveram a dita de conhecer e privar com a Teresa Alegre Portugal, uma grande Senhora.
(e já que se falou da Coimbra dos lavados ares permitam que recorde Judite Mendes de Abreu outra mulher que deu a Coimbra e à sua Câmara o melhor do seu talento e capacidades)