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Incursões

Instância de Retemperação.

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Au bonheur des dames 627

d'oliveira, 02.08.24

g3 - cópia

A gata Ingrid Bergman e já uma saudade

mcr, 2 de Agosto 

 

Há um deus único e secreto

em cada gato inconcreto

governando um mundo efémero

onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda

nos seus vastos aposentos

de nervos, ausências, pressentimentos,

e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis Bergman

e compassivo o deus

permite que o sirvamos

e a ilusão de que o tocamos

(Manuel António Pina)

 

 

 

Ao fim de dezassete anos de pura alegria, de mimo de prodigiosos saltos e correrias pela casa, a gata Ingrid Bergman esgotou as suas sete vidas

Em termos humanos era pouco mais velha do que eu e mil vezes mais carinhosa, bem disposta, aventureira e curiosa.

Decerto mofo, ela parecia mais dona da casa, estantes incluídas, do nós. Tirando o colo da CG que ela considerava o seu lugar de eleição para o sono das seus da tarde, havia no mínimo uma duzia e meia de poisos onde era possível encontrá-la deitada a dormir o sono dos gatos bem aventurados. Isto não contando com outros sítios para onde se esgueirava quando via um gavetão aberto, uma porta de armário mal fechada.

Nesses  momentos a CG corria a casa desesperada mesmo sabendo que a gata estava lá dentro e, em princípio, livre de qualquer perigo. Com o passar dos tempos inventámos um método para a encontrar mesmo se isso nos custasse bastante tempo.

Um dos segredos era pensar onde é que ela não poderia logicamente estar. Devo dizer que em trinta por cento dos casos era tio e queda. Estava exactamente aí nesse local que julgávamos inalcançável.

Os gatos são, sabemo-lo todos, curiosos e há mesmo um dito inglês  (curiosity kill the cat) que vem desde Ben Johnson e Shakespeare.

No caso da Ingrid, a curiosidade vinha a meias com o habito de dar as boas vindas a quem quer que nos batesse  à porta. Fazia amigos de quem quer que nos aparecesse tanto mais que, ao contrário da Kiki de Montparnasse, sua companheira de sempre, era absolutamente intrépida e, como o velho chefe gaulês, só receava que o céu lhe caísse na cabeça  ("mais ça ne sera pour demain!").

A idade avançada, um coração subitamente frágil e mais três ou quatro complicações, levaram-na sem sofrimento mas com aflição extrema da CG. na tarde de anteontem.

Uma gata que já era da família (dezassete anos) sempre a partilhar a casa e os dias connosco deixa um rasto de saudade  que vários amigos e familiares já começaram a partilhar.

Este Verão é como o nome de um grande filme de Zurlini, um verão violentoe faz-me lembrar que não é primeiro, sequer o segundo em que apanho subitamente com a notícia da morte de seres queridos mesmo se já esperávamos (desesperávamos...) má notícias. No caso da gata  ela não se queixava mas apenas ia murchando, ia-se afastando, passava longos tempos escondida debaixo de um pequeno maple como se quisesse preparar-se para morrer escondida de todos. morreu com várias pessoas à votla, eutanasiada, na veterinária. Recusei-me a despedir-me dela e menos ainda a vê-la morrer. quero conservar como última imagem dela  o breve momento em que para gozo dela a escovei na varanda à janela. 

Há um par de anos, li uma crónica de Eugánio Lisboa em que este  excelente crítico  referia a morte de uma gata que também acompanhava a família há longos anos- Agora percebo melhor o desgosto que se reflectia no seu escrito. Todavia, o Eugénio, já também cá não está  para eventualmente me ler

*na  vinheta as gatas Ingris Bergman e Kiki deMontparnasse, A A Ingrid é a amarela

 

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