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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 193

mcr, 19.02.14

 

 

O bloco, ai, o bloco...

 

Devemos merecer isto: ver um partido afundar-se no seu próprio labirinto, suicidando-se a fogo lento, mercê das declarações dos seus líderes, dos erros clamorosos a que não resiste, da tentação de repetir oitenta anos depois as mesmas asneiras da 3ª Internacional que, perante o avanço do nazismo propunha, quando não exigia, a famosa teoria da “classe contra classe” e, na Alemanha, elegia o partido  socialista como inimigo principal.

Vem daí o apodo “social-fascista” com que uns rapazes, apesar de tudo mais cultos que a actual gente do BE, à voz de comando do PCC, crismaram a URSS e por extensão todos os partidos comunistas da Europa. Todos, não. Havia uma excepção, o partido “trabalhista” da Albânia sob a clarividente direcção de Enver Hodja. Como cultura marxista, Hodja era um zero total e se, durante tantos anos, exerceu o poder tal deve-se a uma ditadura absoluta que privou, e ainda priva, a Albânia de um futuro pelo menos prometedor. 

Deixemos porém estas miudezas históricas e regressemos ao BE, aqui e agora. Quando a coisa apareceu logo os mais precavidos entenderam estar-se perante um saco de gatos, um albergue espanhol um hospício decadente onde vão morrer os eternos descontentes. As diferentes e irredutíveis tendências que ali convergiam tinham em comum um passado de intensa disputa, de múltiplas alergias e inalcançável unidade fosse no que fosse, incluindo a acção.

Porém, sendo Portugal um país de milagres e de Virgens a cada canto, desde Fátima até à santinha da Ladeira, houve quem esperasse o inexpectável: desta vez é que ia ser. O novo milagre das rosas aconteceria pela mão dos senhores Louçã, Fazenda, Portas, Rosas & companhia limitada. O efeito de novidade, o cansaço compreensível perante um PC relutante a dessovietizar-se, a democratizar-se e a modernizar-se e um PS vergado a uma luta fraticida, sem história conhecida (por muito que o PS jure pelo anterior à Ditadura de nada lhe serve. Esse partido estava já morto e enterrado pela 1ª República, pela relutância dos trabalhadores que nunca se reviram nele, pela avidez do “Partido Democrático” que nunca lhe deu espaço e pela dramática inércia do escasso grupo que teimava em tirá-lo do coma. O PS é dos anos setenta, nascido na Alemanha pela mão do SPD e posteriormente benzido por todos quantos temiam o PC. Soares criou-o e, uma vez na direcção, foi eucaliptando o partido. À sua volta nada medrava e o resultado é este. De Soares a Constâncio (o breve), deste a Guterres (o desaparecido em combate) a e depois sempre numa descida fatal a Sócrates até se estatelar em Seguro (que ironia o nome!) o resultado está à vista: sem ideias, sem programa, sem rasgo. A única coisa que salva o PS actual é existir mPassos Coelho e as suas inépcias. )

Entre este PS caricatura grotesca de si próprio e o frio hieratismo dos herdeiros de Cunhal, parecia haver espaço para um grupo jovem e atrevido, mesmo se no que toca a juventude nenhum dos seus principais fundadores primasse pela frescura (de idade, de teoria, de prática e de projecto).

Deixemos de lado as razões que levaram Louçã a retirar-se (momentaneamente?) e vejamos o que faz e o que diz o casalinho que agora leva o  incerto leme desta barca.

Há uns meses andaram entretidos numa série de reuniões vagamente fundacionais de uma alternativa que rapidamente fizeram abortar. Tal iniciativa despertou, todavia, interesses inesperados, e eis que prosperam ajuntamentos de vária espécie e forma todos clamando por unidade desde que à sua medida e seguindo as suas regras. Alguns dos próceres do BE ouviram o canto dessas sereias e tentaram contra toda a lógica aparelhística, propor esse comboio ao partido. Foram derrotados ou, mesmo, esmagados, como se sabe. No entanto, a derrota destas criaturas não deixou de ter consequências. Primeiro a redução de efectivos militantes, mesmo se, como afirma o irredutível Semedo, isso apenas melhora a qualidade do partido (é a velha teoria do “partido melhora depurando-se”) e as saídas de cena não beliscam a coesão e a razão da organização... Tudo isto é velho e revelho na história das organizações protestarias e minoritárias na qual se inscreve o BE.

Este fim de semana, por ocasião de um magno conclave, eis que saiu fumo branco. A euro-deputada Marisa avisou que os bloquistas “são europeístas mas não são tontos”. A frase é engraçada mesmo se a maioria dos observadores entenda justamente o contrário: Que eles não serão assim tão europeístas, nem deixam de ser, ou parecer, tontos. Daqui a um par de meses, ver-se-á se o BE repete os três deputados europeus, se cai para dois, se volta a um ou se nem isso.

Já o dr. Semedo, no discurso que antecedeu a gritaria do encerramento a cargo da sua jovem colega de direcção, afirmou que “o Bloco não dará a mão ao PS”. A frase é intrigante por vários motivos. À uma, o PS, não pareceu nunca entusiasmado pelo casamento, noivado, namoro ou breve encontro com o BE. A Seguro e à sua gente, o BE aparece como um temível gang de marxistas (que exagero!) de esquerdistas (idem) e de criaturas temperamentais.  Seguro que não é jovem (tê-lo-á sido alguma vez?) desconfia da pseudo juventude de Semedo e dos arrebatamentos da sua companheira. E do bizarro europeísmo de ambos, claro.

Depois, o BE, com as saídas que o minguam, as incertezas que ambiguamente cultiva nas relações com os diferentes grupos que, ao cheiro de eleições europeias, subitamente despontaram e florescem na área da esquerda, não parece ter uma mão em estado conveniente de ser dada. Terá quanto muito uma mãozinha semiparalisada, um coto pouco apetecível ou, o que é pior (e será também um pesadelo de Seguro) um gancho como o do capitão com o mesmo nome, um artefacto flibusteiro com que sangrará o pescoço de quem se lhe apoiar.

É sabido que uma aliança entre um grande partido institucional e um parceiro menor é este que baralha e dá as cartas. O BE seria para o PS sempre um mau negócio (e para maus negócios, alguém, lá pelo Largo do Rato, ainda se lembrará de uma famosa Frente Republicana e Socialista que teve um triste resultado eleitoral que o dr Soares, sempre ele, classificou de “mau (ou péssimo) negócio”.

Finalmente, o PS nunca se mostrou inclinado a pedir fosse o que fosse ao BE. Ou melhor, pedir por pedir, exigia deste uma completa rendição, o abandono sensato de vários devaneios, isto para não falar de ter engolir uma manada de elefantes políticos e financeiros.

Portanto, a frase do dr Semedo carece de sentido, de oportunidade e de verdade. É apenas uma frase para militante ouvir e para a imprensa impante a repercutir. A bem dizer nem mereceria um comentário num blog, mas que querem?

Chove que Deus a dá, não vale a pena falar do tempo, o caso do Meco raia o pornográfico e ninguém se atreve a prognosticar os resultados do campeonato, a decisão sobre o eventual afastamento do FC Porto da Taça, ou os juros da próxima emissão de dívida pública.

 

D’Oliveira fecit (17.02.14)

*por razões meramente derivadas da preguiça, o texto sai com um atraso de 2 dias. Já não chove mas a meteorologia ainda insiste na ocorrência de aguaceiros Quanto ao resto tudo “com dantes quartel general em Abrantes”. 

 

na gravura: Duarte Almeida "o decepado" na versão de um aluno da escola EB1 (sanchequias?)